Livros
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Quando Nélida tinha 12 anos, aliás, Lino Piñon abriu para a filha uma conta na livraria Freitas Bastos, no Largo da Carioca. Toda a semana, ela ia de Vila Isabel até o Centro do Rio para escolher um livro. A pequena leitora chegou à Academia Brasileira de Letras (ABL), sendo sua primeira presidente mulher entre 1996 e 1997. E a pequena biblioteca virou uma coleção de 8 mil livros que forma um painel da literatura mundial, especialmente hispano-americana e brasileira, e inclui prateleiras dedicadas às “obsessões perenes” da autora, como a Idade Média, o velho oeste mítico de Karl May, religião, ópera, balé e a Galícia, terra do pai e dos avós maternos. No final de 2021, Nélida decidiu doar ao Instituto Cervantes do Rio quase todo o seu acervo, que será aberto ao público na segunda-feira, com a inauguração da Biblioteca Nélida Piñon no local. A escritora morreu neste sábado, em Lisboa.

— Nunca meu pai nem minha mãe fiscalizaram o que comprei, se era livro proibido, erótico, pornográfico, nada. Foi um privilégio terem essa visão progressista, queriam que eu fosse uma menina culta— contou Nélida em junho de 2022.

— Me despedi de todos aqueles livros que me educaram, que eu amo, com um certo sofrimento. Aí, fui percebendo o privilégio que eu estava tendo. Muitas vezes os escritores morrem e sua biblioteca não é respeitada pelos herdeiros. Eu me antecipei e respeitei a minha biblioteca, que agora terá novos leitores — disse Nélida, desde 2020 impedida de ler por um problema de visão. — Desde menina, entendi que precisava deixar rastros. Eles são fundamentais para sua existência, sua arte, o que você é.

Estão incluídos na Biblioteca Nélida Piñon o acervo particular herdado da lexicógrafa Elza Tavares, clássicos franceses e ingleses e muitas obras de autores de língua espanhola e portuguesa. Próxima de muitos escritores, Nélida angariou livros com dedicatórias de autores brasileiros como Clarice Lispector, Rachel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa e Lygia Fagundes Telles. Também lhe deram autógrafos amigos como o português José Saramago, o peruano Mario Vargas Llosa, o mexicano Carlos Fuentes, o colombiano Gabriel García Márquez e a americana Toni Morrison. Boa parte das obras contém comentários e anotações nas margens feitas por Nélida:

Bibliograficamente falando, a grande joia é a coleção Galícia de Piñon, que reúne obras ligadas à região no noroeste espanhol. Recorrente na obra de Nélida, a emigração galega para o Brasil é o tema central do romance “A república dos sonhos” (1984).

Popeye e a arte da ficção

Durante o processo de doação da biblioteca para o Cervantes, Nélida recebeu uma honra na matriz do instituto, em Madri. Fez um “depósito” na Caja de Las Letras ("caixa das letras"), conjunto de cofres no porão do edifício (que já foi sede de um banco) onde artistas guardam objetos que simbolizem sua trajetória.

Quem abrir a caixa de Nélida vai encontrar, entre livros e fotos, dois bonecos: um do marinheiro Popeye e outro de sua companheira, Olívia Palito. Com riso travesso, a autora explicou: quando pequena, ela só comia se a mãe lhe contasse histórias, e suas preferidas eram as de Popeye.

Conforme citado acima, a autora não doou todos os seus livros. Reteve toda a coleção de Machado de Assis, Cervantes e Shakespeare, o “Decamerão”, a “A canção de Rolando” e a cópia dos originais de “A guerra do fim do mundo”, livro sobre o conflito de Canudos que Vargas Llosa dedicou a ela e lhe enviou antes de publicar. Ficou também um de Cecília Meireles, “Romanceiro da Inconfidência”. Este inclui versos que estão entre os seus preferidos — e talvez resumam seu espirito: “Liberdade, essa palavra/ que o sonho humano alimenta,/ que não há ninguém que explique/ e ninguém que não entenda”.

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