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Por Bernardo Mello Franco


Marco Lucchesi, novo presidente da Biblioteca Nacional, nas escadarias da instituição — Foto: Ana Branco
Marco Lucchesi, novo presidente da Biblioteca Nacional, nas escadarias da instituição — Foto: Ana Branco

O acadêmico Marco Lucchesi estava na Itália quando soube que seria condecorado com a Ordem do Mérito do Livro, concedida pela Biblioteca Nacional a personalidades que contribuem com a literatura. Nada mais natural se a lista de agraciados não incluísse bolsonaristas de carteirinha, como o deputado e ex-PM Daniel Silveira.

— Fiquei indignado. Muito aborrecido mesmo — lembra o imortal da Academia Brasileira de Letras. — Imediatamente, gravei um vídeo avisando que recusava a comenda. Aceitá-la significaria negar tudo o que eu penso — justifica.

O episódio ocorreu em julho do ano passado. Menos de seis meses depois, o telefone de Lucchesi tocou em Massarosa, a primeira cidade libertada do fascismo pela Força Expedicionária Brasileira. Às vésperas da posse do presidente Lula, a futura ministra Margareth Menezes queria convidá-lo para comandar a Biblioteca.

— Respondi que ela estava me causando um grande problema — brinca o escritor, que precisou abreviar a temporada na Europa, onde se dedicava à tradução de poetas turcos. — Três dias depois, desembarquei no Brasil. É uma grande alegria ver que o Ministério da Cultura renasceu — celebra.

Na quinta passada, Lucchesi fez uma visita surpresa à Biblioteca. O reencontro foi marcado por lágrimas de servidores e do futuro presidente da Casa, cuja posse está marcada para o dia 24.

— Fiz questão de passar por todos os andares e abraçar cada funcionário para mostrar minha emoção — conta. — Frequento a Biblioteca desde os 15 anos de idade. É a instituição que mais amo no Brasil — derrama-se.

No governo Bolsonaro, a entidade foi entregue a personagens que sabiam pouco ou nada de sua história bicentenária. Era o caso de Rafael Nogueira, um discípulo de Olavo de Carvalho que defendia a volta da monarquia.

— Foram tempos difíceis. Os servidores, que são a alma da casa, estão muito machucados — afirma Lucchesi. — Meu grande lema será democratizar a Biblioteca. O papel dela não é discutir ideologia, é refletir a polifonia da sociedade brasileira.

Ressentimento

O acadêmico conversou com O GLOBO na segunda-feira, um dia depois do quebra-quebra de bolsonaristas radicais em Brasília. Ele ainda se espanta ao comentar a força que o discurso de ódio e a desinformação ganharam no país.

— Nunca imaginei que ainda precisaríamos dizer que a vacina cura, que a cultura importa — desabafa. — Bolsonaro fez um governo do tamanho dos seus neurônios. Era um presidente que se jactava da própria ignorância.

Para Lucchesi, os ataques a artistas e intelectuais fazem parte de uma “cultura do ressentimento” que ascendeu ao poder com a extrema direita.

— Venderam a ideia de que o Ministério da Cultura protegia vagabundos e queria perverter os valores da família — protesta.

A demonização dos mecanismos de incentivo à cultura fez parte da mesma agenda de desmonte, avalia o imortal.

— Meu querido amigo Rouanet (o diplomata Sérgio Paulo Rouanet, morto em 2022) fez uma lei espetacular, que ajudou a alavancar a cultura brasileira. No fim da vida, não aguentava mais ouvir o próprio nome — conta.

Passada a tormenta bolsonarista, Lucchesi quer que a Biblioteca volte a se abrir à sociedade. Para isso, planeja ampliar a oferta de cursos, palestras e exposições.

— Precisamos reconquistar o público. Será um trabalho longo e demorado — prevê. — Tenho alunos que se sentem intimidados até de entrar no prédio histórico. As visitas guiadas serão fundamentais para derrubar essas paredes — aposta.

Apesar do temperamento tranquilo, o acadêmico está acostumado a enfrentar desafios espinhosos. Em 2018, assumiu a presidência da ABL num momento de crise financeira. Teve que cortar gastos e demitir funcionários com longa carreira na casa.

Agora uma de suas metas é ajudar a polícia a recuperar obras raras que foram roubadas da Biblioteca no passado recente.

— Isso é um compromisso de honra. Se for necessário, vamos à Justiça para reaver o que pertence ao Estado brasileiro — promete.

Para dar o exemplo, Lucchesi diz que pediu aos guardas para receber o mesmo tratamento dos visitantes.

— Quero ser revistado todos os dias ao chegar e sair da Biblioteca. No meu gabinete não haverá nenhum livro do acervo. Quando precisar de alguma obra, irei até o setor e entrarei na fila — exagera.

O escritor não quer abrir mão da rotina ao assumir o novo cargo. Planeja manter as aulas na Faculdade de Letras da UFRJ e as visitas regulares a presídios e unidades socioeducativas.

— Acredito no que dizia Darcy Ribeiro: se o governo não construir mais escolas, vai faltar dinheiro para construir presídios — afirma. — A sociedade brasileira ainda pensa que a cadeia vai resolver tudo. Mas não temos o direito de perder a esperança.

O voluntariado nas prisões reforçou a crença de Lucchesi no poder transformador do livro e da educação.

—O que se viu em Brasília no domingo mostra que nós falhamos. A democracia não é uma entidade metafísica. É uma construção permanente, diária, que cabe a todos — afirma o intelectual. — Estamos num momento novo para a sociedade brasileira. Precisamos superar a guerra cultural e investir numa pedagogia democrática — defende.

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