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Por Bruna Maia, Especial Para O GLOBO


'Automat' (1927), de Edward Hopper, reflete a solidão presente na personagem de Otessa Moshfegh — Foto: Reprodução
'Automat' (1927), de Edward Hopper, reflete a solidão presente na personagem de Otessa Moshfegh — Foto: Reprodução

Eileen, uma jovem de 24 anos que mora em uma cidade congelada da Nova Inglaterra dos anos 1960, é maltratada pelo pai, pela irmã, pelos colegas de trabalho e principalmente por sua autora, Ottessa Moshfegh. No livro, escrito em primeira pessoa, a moça se diz feia, magricela, obsessiva, mórbida. Ela deixa bem claro que não gosta muito de tomar banho ou lavar suas roupas, que tira do armário da mãe, morta anos antes.

Trata-se do primeiro romance da escritora americana, lançado em 2015 nos Estados Unidos. “Meu nome era Eileen” chega ao público brasileiro apenas depois de sua segunda novela, a bem-sucedida “Meu ano de descanso e relaxamento” (Todavia, 2019), que conquistou o coração de muitas mulheres millennials desiludidas com a vida, o trabalho e o amor — mas também despertou o nojo e a preguiça de outras tantas. Assim como Eileen, sua outra personagem também não curte se banhar, mas, diferentemente dela, parece sofrer de problemas de gente rica e bonita — o que não tira seu mérito de expressar o vazio, a solidão, e zoar o mundo da arte contemporânea.

É interessante comparar os dois trabalhos, que retratam sentimentos parecidos em classes diferentes.

Pouco afeto

Em “Meu nome era Eileen”, a protagonista rememora, 50 anos depois, os dias que antecederam seu súbito desaparecimento da opressora cidadezinha em que nasceu. Mas, durante boa parte do livro, os acontecimentos são morosos, sem muita ação. Com frequência, ecoam as cenas (e cores) de Edward Hopper.

Situações cotidianas como as idas de Eileen à loja de bebidas para comprar gim para o pai alcoólatra, sua grande dificuldade para conseguir evacuar sem laxantes e seu trabalho pouco desafiador em uma prisão para adolescentes servem para compor a existência medíocre e sufocante de uma mulher que não reconhece em si nada de bom.

A relação pouco afetuosa e verbalmente humilhante dela com o pai chama tanta atenção quanto a falta de qualquer outro relacionamento que permita alguma troca emocional genuína. Eileen, assim como a sua sucessora sem nome de “Meu ano de descanso e relaxamento”, é embotada e triste demais para se conectar com alguém. A prosa introspectiva e cruel se torna um cortante relato do isolamento e do ódio-próprio.

Boa parte do livro é uma construção de personagem, pois passamos a conhecer intimamente Eileen. Entramos em contato com sua infância seca e sem amor, seus traumas e desejos frustrados.

Capa de 'Meu nome era Eileen' — Foto: Divulgação
Capa de 'Meu nome era Eileen' — Foto: Divulgação

A narrativa demora a avançar até o momento-chave que é anunciado desde o começo, o que pode tornar a experiência de leitura um tanto arrastada. Mas tudo se justifica quando o clímax chega sólido e bem construído, unindo todas as peças do quebra-cabeça.

Personagens femininas fortes, complexas e capazes de gerar identificação por causa de seus defeitos já são uma demanda do mercado editorial há um bom tempo. Mas Moshfegh vai além da mera imperfeição ou da confissão de meia dúzia de pensamentos maldosos. A autora vai fundo e sem dó no desgraçamento mental de mulheres que, por fora, podem até passar despercebidas pela sociedade, mas por dentro fervilham de rancores, paranoias e neuroses.

Para alguns leitores, as protagonistas de Moshfegh podem parecer grotescas, sujas, egocêntricas e detestáveis, difíceis de gerar empatia. Mas é daí que vem a característica libertadora de sua obra: elas não têm nenhum compromisso com o ideal de boa moça, tampouco têm motivações nobres que as tornam heroínas implacáveis. É delicioso saber que mulheres podemos ocupar também esse lugar.

* Bruna Maia é cartunista e escritora, autora dos livros "Parece que piorou" (Quadrinhos na Cia, 2020) e "Com todo o meu rancor" (Rocco, 2022) e do perfil @dabrunamaia

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