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Por Henrique Balbi; Especial Para O GLOBO — Rio de Janeiro

Ray Bradbury não é um inventor de fórmulas ou formas narrativas. Ele prefere aderir a elas e tentar levá-las a outros lugares, não muito distantes, que em geral mostram paixão suficiente para render uma boa leitura. É o caso de “Fahrenheit 451” e a distopia; é o caso deste “A morte é um negócio solitário” e o romance policial.

Estamos em 1949, em Venice, Los Angeles. Um jovem escritor não nomeado vende contos de ficção científica para revistas enquanto não sucumbe à saudade — sua namorada está na Cidade do México. Ele convive com os excêntricos moradores da região, até que a morte misteriosa de um deles, um idoso que aparece afogado numa jaula de leões, chama a sua atenção e a do detetive Elmo Crumley.

O leitor de romances policiais está em território familiar. Bradbury segue à risca o modelo: morte misteriosa no início; investigação em paralelo a outros assassinatos; confronto final com o criminoso, apresentando-se circunstâncias e motivos. Como o livro tende mais a Raymond Chandler que a Conan Doyle, o quebra-cabeças não se preocupa em ser engenhoso. Vale mais a experiência do que o rigor do raciocínio.

Diante de obras que obedecem tanto a uma série de convenções (como também o detetive durão, a voz em primeira pessoa, o cenário noturno e a atmosfera de perigo iminente, todos típicos de film noir), importa saber o que o autor acrescenta de próprio. No caso de Bradbury, são dois aspectos: a paixão e a ternura.

Comecemos pela segunda. Ela se manifesta na atenção dedicada às personagens, descritas com o que só se pode chamar de carinho. Há Constance Rattigan, atriz decadente cuja ironia e senso prático a tornam uma Norma Desmond lúcida. Há o barbeiro Cal, tão ruim que um xerife do interior dos EUA o teria banido da cidade por causa de um corte malfeito. Há Fannie, cantora reclusa, com uma geladeira cheia de molhos, gelatinas, maioneses e geleias, e com seus convites ao narrador para ouvirem ópera; entre outros.

Por vezes, Bradbury parece mesmo se deixar levar pelos perfis que traça ao longo do romance. As engrenagens do enredo ficam em segundo plano, o elenco à frente. E a paisagem humana se funde à espacial: uma Venice à mercê dos poços de petróleo, também abandonada, triste e crepuscular.

Teor metalinguístico

Contrabalançando a melancolia que ronda as personagens, o romance também mostra as paixões de Bradbury — talvez o verdadeiro teor autobiográfico do livro, em vez de qualquer evento. A maior delas com certeza é a literatura, ou as artes em geral. O protagonista e o detetive, por exemplo, têm originais nas gavetas, e trocam dicas de como se inspirar para a escrita. Uma personagem sombria tem nas estantes Sade, Spengler, Kafka, Schopenhauer e outros escritores “alto-astral”. Além deles, da atriz e da cantora, há Shapeshade, dono de um antigo cinema, obcecado por filmes clássicos.

Essas menções apontam para um teor metalinguístico do livro — frequente em romances policiais. Logo no início, o narrador dá à sua próxima história o título de “A morte é um negócio solitário”, emprestado depois ao original do detetive. No entanto, Bradbury não chega a desenvolver esse aspecto metalinguístico.

Há acenos nessa direção. O detetive insiste na pouca experiência e muita fantasia do narrador ao interpretar as evidências do crime, duvidando da solidez jurídica das intuições dele (“Você não entraria num tribunal nem para comprar café e rosquinhas para o juiz com o que tem a oferecer”). É como se a fabulação literária encontrasse um obstáculo e se relativizasse — o narrador se vê confrontado por outras regras, outra lógica.

Mas fica por aí. Crumley, no fim das contas, é um irmão de criação literária, que admira o narrador. No conjunto do livro, prevalece a crença otimista, quase ingênua, no potencial da arte, do intuitivo, do imaginoso — inclusive na investigação. Basta ver como e por quem se resolve o mistério. Mas é melhor evitar spoilers.

Digamos apenas que os conflitos do livro derivam da solidão — a viga e a vilã da história. Solidão do narrador, das vítimas, do detetive, do criminoso. Da metrópole que Los Angeles se tornava à época da história e que era já em 1985, ano da publicação original do livro.

Contra essa solidão, uma outra: a do autor, enquanto escreve, e a do leitor, enquanto lê. A segunda pode vencer a primeira, sugere o romance. Com seu carinho pelas personagens e seu respeito às convenções do gênero, o policial elege como antídoto ao isolamento o estranho paradoxo da leitura: uma comunhão de solidões. Bradbury dizia que não foi à faculdade, mas se formou em bibliotecas. De todo modo, encontrou sua turma.

* Henrique Balbi é escritor e professor de Literatura

‘A morte é um negócio solitário’.
Autor:
Ray Bradbury. Editora: Biblioteca Azul. Tradução: Samir Machado de Machado. Páginas: 320. Preço: R$ 69,90. Cotação: bom.

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