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Por Dimitri BR; Especial Para OGLOBO — Rio de Janeiro

“O nosso reflexo/ No espelho dos outros” — estes são os versos iniciais de “O centro que nos separa”, equador poético que delimita as duas metades de “Nós e os outros”, nova coletânea de contos do escritor carioca Fernando Paiva. Sim: é um livro de contos que se inicia, termina e tem sua metade demarcada por três poemas curtos.

Longe de ser gratuita, esta divisão do livro em duas partes nos dá uma chave para sua leitura: os dez contos que compõem a obra são, na verdade, cinco pares — cada conto da primeira parte tendo um correspondente na segunda, num procedimento semelhante ao utilizado por Guimarães Rosa em seu “Primeiras estórias” (1962), no qual dez pares de contos são mediados pelo único conto ímpar, intitulado “Espelho”.

Mas, enquanto os pares de Guimarães se conectam por sua temática, os de Fernando estabelecem uma relação de oposição/complementaridade: se o lado A começa com “A vida dos robôs”, o lado B se inicia por “A vida das plantas”; se em “Sabília” somos apresentados a um reino governado sempre pelo habitante mais velho, “Juventinopla” nos leva a uma cidade anarquista, fundada e habitada exclusivamente por jovens; e assim por diante — matéria e antimatéria.

Em cada conto, o autor nos convida a visitar um mundo, por vezes exótico, por vezes bem semelhante à nossa realidade presente, exceto por algum pequeno (ou grande) detalhe — que pode ser uma tecnologia inovadora, como em “Não quero te ver” e “Não quero te ouvir”, ou um rearranjo de ordem cultural e social, como no citado par “Sabília”/”Juventinopla” e em “A falta que faz o amor”. Este, um dos mais instigantes, descreve uma sociedade em que o amor e as relações monogâmicas não apenas caíram em desuso, mas foram literalmente proibidos, banidos, e com eles a parentalidade como a conhecemos; as crianças, tão logo nascem, são enviadas a CFIs — Centros de Formação de Indivíduos —, onde ficam a cargo do Estado até se tornarem adultas.

Acasos e escolhas humanas

Proposições como esta aproximam as narrativas de Paiva, que também é compositor, de clássicos da ficção científica como “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley, no qual todos os bebês são gerados em laboratório, geneticamente programados para pertencer a diferentes classes, ou castas.

Contudo, embora o elemento científico/tecnológico seja recorrente na obra de Paiva — como pudemos ver já em seu livro anterior, “Depois que o tempo passar, Madalena” (2016) —, seus experimentos têm sempre no centro o aspecto humano. Mais do que especular sobre como seria um mundo alternativo ao nosso, a questão que o autor coloca — a si mesmo e ao leitor — é: como seria viver nesse mundo?

Como cada um de nós lidaria, se tivesse que viver naquelas circunstâncias insólitas? Bem, no caso do conto que fecha o livro, “A falta que faz o amor, mais ainda”, terrivelmente podemos ter uma boa ideia disso: escrita bem antes de 2020, a história se passa em uma Terra acometida por uma pandemia global, que força as pessoas a se isolarem em seus apartamentos, tendo seu convívio limitado a interações virtuais e recebendo comida por meio de drones entregadores. Uma coincidência exemplar daquilo que Ursula K. Le Guin define como o poder da ficção científica de “extrapolar imaginativamente a partir de eventos e tendências presentes, para um futuro próximo que é meio previsão, meio sátira”.

Felizmente, nem todas as realidades imaginadas pelo autor vão se aproximar tanto assim da nossa — e nem precisam. O foco na dimensão humana e a prosa fluente de Paiva permitem ao leitor se conectar até com as vivências que pareçam mais esdrúxulas. Além disso, a estrutura em pares produz um efeito que talvez seja o maior êxito de “Nós e os outros”; o constante deslocamento entre dois mundos opostos, por vezes antagônicos entre si, acaba por nos conduzir (para evocar novamente Guimarães Rosa) a uma “terceira margem”: o nosso próprio mundo, a realidade cotidiana, vista agora com um estranhamento renovado pelo espelho dos outros. Apenas mais uma configuração de acasos e escolhas humanas, num multiverso de incontáveis possibilidades.

Dimitri BR é compositor e poeta, autor de “Karaokê & Jukebox” (Garupa/BR75, 2019)

‘Nós e os outros’. Autor: Fernando Paiva. Editora: 7Letras. Páginas: 136. Preço: R$ 54. Cotação: bom.

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