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Por Bolívar Torres — Rio de Janeiro

Em 2017, o Facebook encerrou um de seus projetos de Inteligência Artificial (IA) após descobrir que os seus chatbots (programas de computador que tentam simular um ser humano em conversas com outras pessoas) haviam começado a interagir entre si — sem que os pesquisadores conseguissem entendê-los. A reação foi instantânea: manchetes tratavam os chatbots como “exterminadores do futuro” dispostos a aniquilar a humanidade.

Recuperado pelo jornalista americano James Bridle no livro “Maneiras de ser” (que a Todavia lança quarta-feira), o caso remete a ansiedades cada vez mais atuais. A crescente popularidade de plataformas de IA focadas em criação, como a ChatGPT, despertou o medo de que esse tipo de ferramenta se torne incontrolável, substituindo atividades humanas. Só que o livro de Bridle vai na direção oposta. Segundo ele, não devemos moldar as máquinas à nossa imagem. Justamente pela inteligência criada por elas ser tão diferente da nossa, temos mais a ganhar deixando-a livre “para fazer suas próprias coisas”.

Juntando computadores, ancestralidade humana e relações multiespécie, a obra defende apaixonadamente uma tecnologia menos centrada no homem. Para enfrentar crises que vêm por aí, insiste Bridle, é precisar colaborar com inteligências não-humanas, sejam elas de animais, florestas ou carros autônomos.

— Há muitas coisas que consideramos inteligentes, como fazer planos, usar ferramentas, ter linguagem e modelar os pensamentos dos outros. Mas todas elas são enquadradas pela maneira como nós (humanos) as fazemos — diz o autor, que já havia problematizado os rumos da tecnologia em “A nova idade das trevas” (Todavia), de 2019. — Olhando para além das definições dominantes, encontramos não só outras formas de experimentar o mundo, mas também, talvez, outras formas de habitá-lo e de mitigar algumas das terríveis violências que os nossos paradigmas (de inteligência) infligiram ao planeta.

Para Bridle, o que convencionamos chamar de “inteligência artificial” não é sequer “artificial”. Inteligência não seria algo que existe em um determinado corpo ou mente, mas que surgiria “das interações dos seres, suas possibilidades e capacidades”. O problema, acredita, é que a IA vem sendo desenvolvida para imitar os modelos atuais de pensamento humano, baseados no controle e dominação da natureza. Seu livro, por sinal, denuncia os usos destrutivos dessa tecnologia, especialmente na exploração de recursos naturais por parte das multinacionais.

Por outro lado, também recupera uma história alternativa da informática. Ideias abandonadas ao longo do século XX poderiam ter resultado em computadores muito menos utilitaristas do que os atuais. Em vez de impor soluções prontas para o mundo, essas máquinas idealizavam uma “conexão” com ele. O próprio pai da computação, Alan Touring, chegou a imaginar um projeto do tipo, o Oráculo, mas não o levou adiante.

— O que Touring chamou de “máquina Oráculo” era um tipo de computador que prestava atenção aos desejos, necessidades e conhecimentos do mundo ao seu redor — diz Bridle. — Para mim, essa ideia acabou sendo encarnada em outros projetos como o Moniac, um computador hidrológico do Museu de Ciências de Londres, que permite a qualquer um colocar, literalmente, as mãos nas alavancas da economia. Também a vejo nas teorias de Stafford Beer, que imaginava envolver mentes não-humanas nas decisões que tomamos. E permanece no trabalho de cientistas que hoje buscam criar computadores com caranguejos, baratas e colônias de ervas marinhas.

Aprender por simbiose

No terreno da ficção, o recém-lançado “Autobiografia de um polvo” (Bazar do Tempo), da filósofa da ciência belga Vinciane Despret, imagina o que seria uma tecnologia que decifrasse o que os outros seres têm a nos dizer. As fábulas simbióticas do livro especulam um futuro em que que os cientistas teriam, enfim, entendido que os animais também possuem formas de escrita — e que vale a pena decifrá-las. Aranhas poetas emitem vibrações oraculares com suas teias e polvos arquivistas fazem literatura com a tinta liberada de suas glândulas. Mais do que nos iluminar sobre a intencionalidade de outras espécies, porém, essas mensagens codificadas nos levam a questionar nossa própria noção de comunicação e arte.

— Estamos tão acostumados com a ideia de somos os únicos seres pensantes que perdemos a capacidade de imaginar — diz Despret. — Gosto da definição de que a antropologia não explica mundos, mas os multiplica. Isso significa multiplicar as maneiras de fazer mundos, de ser artista, de fazer alianças entre espécies...

Outro título lançado recentemente ajuda a visualizar melhor o que seria essa tecnologia ecológica de que nos fala Bridle e Despret. Em “A árvore-mãe — Em busca da sabedoria da floresta” (Zahar), a pesquisadora americana de Suzanne Simard prova que as plantas têm a sua própria “internet” — ou melhor, um complexo sistema de comunicação subterrâneo pelo qual trocam nutrientes.

Simard identificou o que ficou conhecido como “árvore-mãe”, a mais antiga e potente da floresta, que interliga todas as outras como um hub. A floresta, explica a pesquisadora no livro, é parecida com um sistema de centros e satélites — só que, em vez de computadores conectados por fios, as árvores conectam-se por fungos. A teoria inspirou toda uma nova geração de cientistas — e artistas. Foi reinterpretada por James Cameron no filme “Avatar”, sendo a base da criação da Árvore das Almas, a área sagrada que permite o povo Na’vi acessar a rede interna do planeta fictício de Pandora.

Sintoma de falência do pensamento tradicional

Desenvolvendo projetos de pesquisas sobre Antropologia das Tecnologias de Inteligência Artificial na UFRJ, o antropólogo Rafael Damasceno lembra que, nos últimos anos, as ciências humanas brasileiras produziram uma profusão de estudos sobre novas inteligências. O motivo, segundo ele, tem a ver com a complexa cosmologia dos povos indígenas, que contém muito mais tipos de “pessoas” (animais, plantas, espíritos, rios...) do que o pensamento ocidental. Há décadas, antropólogos como Eduardo Viveiros de Castro, Tânia Stolze Lima e Aparecida Vilaça, entre outros, já estudavam povos acostumados a reconhecer atributos como a intencionalidade em seres não-humanos.

Esses pesquisadores inseriram o Brasil com importância no debate internacional e estabeleceram diálogos com autoras como a americana Donna Haraway (autora de “Quando as espécies se encontram”, lançado ano passado pela Ubu) e a já mencionada Vinciane Despret.

— Basta ler algumas páginas do livro “Metafísicas canibais”, de Viveiros de Castro, para percebermos que os povos das terras baixas da América do Sul não possuem uma noção antropocêntrica de cultura. E nem mesmo de humano! — observa Damasceno. — Uma noção de inteligência que fosse exclusiva dos indivíduos da espécie que chamamos Homo sapiens seria mesmo inconcebível para eles.

Agora, explica Damasceno, há uma nova geração de pesquisadores brasileiros levando esses problemas ainda mais adiante:

— Eu diria que essa busca por outras inteligências é, antes de mais nada, um sintoma da falência de uma tradição do pensamento que constituiu a Humanidade em uma ordem separada (do resto do mundo) — afirma o antropólogo da UFRJ. — Minha pesquisa, por exemplo, toma o problema da inteligência artificial como uma mutação do problema das outras mentes: o problema teológico de se o outro, seja ele humano ou não, tem alma.

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