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Por Henrique Balbi, Especial Para O GLOBO* — Rio de Janeiro

Não falta extravagância nos livros de Samir Machado de Machado: espiões de capa e espada, parques de diversão perdidos, nobres, arqueólogos, ricos excêntricos. Não por acaso, as convenções da ficção mais imaginosa lhe permitem explorar as feridas do Brasil contemporâneo. É o caso de seu novo livro, “O crime do bom nazista”.

Samir segue o esquema do romance policial tipo Agatha Christie, com um assassinato num espaço confinado e poucos suspeitos. Em 1933, o policial Bruno Brückner viaja num dirigível que saiu da Berlim nazista rumo ao Rio, com escala em Recife. O passageiro Otto Klein é encontrado morto — envenenado no banheiro masculino, trancado por dentro — no trajeto entre as cidades brasileiras. Brückner deve conduzir a investigação de modo discreto, evitando escândalos e incidentes diplomáticos.

São quatro os principais suspeitos: um médico eugenista; uma baronesa cheia de preconceitos; um jovem inglês crítico de arte; e o comissário de bordo. Foram os únicos que tiveram contato com o morto, durante um jantar, no qual mais de um deles defendeu ideias nazistas. Isso talvez explique o crime, pois entre os pertences de Klein se encontram um passaporte falso com o nome Jonas Shmuel Kurtzberg e revistas de nus masculinos, sugerindo se tratar de um judeu, um homossexual ou ambos — motivos para algum dos nazistas a bordo atacá-lo.

Aqui começa a (minha) dificuldade: como falar das qualidades do livro sem estragar a trama? Um spoiler não anula o interesse, mas diminui muito o aproveitamento, o efeito. Digamos então que, como tantos romances policiais, “O crime do bom nazista” depende do manejo das informações e das expectativas do público, o que Samir Machado de Machado faz com habilidade.

Sem precipitação

Por exemplo: passa-se boa parte do livro em desconforto, em repulsa, por causa do convívio com as personagens nazistas. Mal aberto o livro, nos é dito que Bruno Brückner, supostamente o herói do romance, veste um broche de suástica e lê o jornal do partido de Hitler. O jantar elegante a bordo do dirigível, apresentando vítimas e suspeitos, envolve muita simpatia a ideias como a superioridade da raça ariana, a necessidade da violência e a degeneração da arte moderna. A combinação de “bom” e “nazista” no título já não parece promissora.

Mas muita calma antes do cancelamento: isso faz parte do jogo. O desconforto e a repulsa estão previstos na condução do suspense, assim como a exigência de se ter todas as pistas antes de chegarmos a conclusões. Mais do que Brückner, o leitor é quem precisa distinguir os disfarces, a dança de identidades, a diferença entre rostos e máscaras, o que escondem e o que revelam.

A decifração também se aplica ao próprio livro, dissimulado à sua maneira. Ele parte das preocupações imediatas do gênero (quem matou, como, por quê?), mas alcança também uma discussão sobre o Brasil atual. Isso se dá ora de modo mais superficial, como em alusões a discursos, comentários e personagens contemporâneos fáceis de reconhecer (você consegue adivinhar quem, na política brasileira atual, fala coisas que caberiam na boca de personagens nazistas?), ora numa elaboração literária mais sutil, e por isso mais impressionante.

Repare-se na ambientação do romance, o dirigível. Seu significado tem camadas de sentido além dos fins práticos da narrativa. Evoca uma dimensão bélica e wagneriana quando comparado a uma “valquíria”, cavalgando no céu, e uma bíblica, até melvilleana, quando comparado a uma “baleia”.

Sobretudo, o cenário é uma das metáforas mais eficientes. Quando Brückner pede para conhecer a estrutura do dirigível, o comandante o leva ao corredor axial, às “entranhas” do veículo. Brückner se dá conta de quanto estão vulneráveis naquele “balão horizontal cheio de gás inflamável, naquela estrutura que parecia ao mesmo tempo tão frágil e tão sólida”. Pensa “na loucura daqueles homens que viviam no estômago daquele monstro”.

A imagem fala por si: uma estrutura titânica e algo delirante que decola, suscetível à gravidade, à combustão, ao crime, ao escândalo. Talvez ela descreva não apenas o Brasil, com seu estado permanente de mal-estar, mas chegue mais longe, num livro em que todas as personagens centrais são estrangeiras.

*Henrique Balbi é escritor e professor de Literatura

‘O crime do bom nazista’. Autor: Samir Machado de Machado. Editora: Todavia. Páginas: 128. Preço: R$ 59,90.

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