Livros
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Por Ruan de Sousa Gabriel — São Paulo

Quando Saraiva e Cultura entraram em recuperação judicial, em 2018, não faltou quem decretasse que o negócio do livro não mais prosperaria no Brasil e que as livrarias seriam engolidas pela política de descontos agressiva e os fretes imbatíveis de gigantes como a Amazon. Mas Adauto Leva viu ali a oportunidade de realizar um sonho: abrir uma livraria em São Paulo. Não uma loja gigantesca como a da Cultura no Conjunto Nacional (que, lembra ele, vivia cheia de gente acomodada nos pufes, mas com os caixas vazios) e sim uma livraria pequena, com cara de comércio de bairro.

Mas onde? Leva tinha esta resposta. Passou a vida pesquisando o comportamento do consumidor. Depois de estudar os dados socioeconômicos de bairros paulistanos e ouvir mais de 500 pessoas, descobriu que na Zona Oeste havia leitores suficientes para sustentar seu sonho. Como em Pinheiros já havia um punhado de livrarias, optou pela Vila Romana, onde não havia concorrência (hoje, há duas infantis, Pé de Livro e Miúda).

A pandemia atrasou os planos, e a Cabeceira só abriu as portas em maio de 2022. Leva a idealizou pensando em um cliente específico: o leitor cujos desejos o algoritmo não é capaz de adivinhar. Certo de que “há sempre um livro no meio do caminho”, dispõe os livros em prateleiras com nomes curiosos como “Que país é esse?” (com títulos sobre o Brasil, de “Gabriela, cravo e canela”, de Jorge Amado, a “Diário de viagem”, de Albert Camus) e “Estante da professora Dalila”, com obras de que a mãe gostava (Machado de Assis, Edgar Allan Poe e biografias como a de Ney Matogrosso, entre outros).

— Existe o leitor que preza pela descoberta. A Amazon só atende o cara que sabe que livro quer e precisa comprar rápido — diz.

Assim como a Cabeceira, outras livrarias surgidas desde o início da pandemia têm apostado em localização estratégica, curadoria refinada, ambientes acolhedores (com cafezinho e drinques) e promoção de eventos para competir com as varejistas on-line. E bairros de São Paulo onde era dureza comprar livros têm assistido à abertura de lojas, como Brooklin (Livraria do Brooklin) e Mirandópolis (Sebinho da Helô).

Segundo a Associação Nacional de Livrarias (ANL), 20% das livrarias do país não sobreviveram à Covid-19. No entanto, cem lojas foram abertas no Brasil entre abril de 2021 e novembro de 2022. Hoje, são cerca de 2.700 livrarias.

Curadoria

Livreiros concordam que o principal serviço prestado pelas lojas independentes é a curadoria: a oferta de títulos que não estão nas vitrines das grandes redes ou na lista de mais vendidos na Amazon.

Na Jenipapo, em Belo Horizonte, por exemplo, há espaços dedicados a editoras independentes, como Relicário, Carambaia e Mundaréu. Em vez de procurar uma região sem livrarias, Frederico Pinho e Tatiana Pontes preferiram revitalizar um ponto onde por 48 anos funcionou a Ouvidor, fechada ano passado. A Jenipapo abriu em junho e este mês começa um clube do livro e uma programação de debates coordenada pela historiadora Heloisa Starling. Pinho diz que o público vai à loja atrás de títulos que não encontra em outras livrarias.

Já nas palavras de Nanni Rios, dona da Livraria Baleia, de Porto Alegre, é importante que os livreiros sintam “o pulso do mundo”. Quando a Baleia abriu, em 2014, o acervo tinha muita poesia, teatro e títulos que se encontrava em qualquer outra livraria. Com o avanço dos debates feministas, Rios passou a investir em editoras pequenas, autoras mulheres e títulos sobre gênero. A Baleia se tornou o lugar aonde os porto-alegrenses iam atrás de literatura feminista e o faturamento da livraria até aumentou.

Mas veio a pandemia. Em agosto de 2022, Rios fechou o ponto no centro histórico em busca de um aluguel mais barato, e logo a Baleia migrou para um trailer que passou dezembro estacionado em frente ao bar Agulha. Deu tão certo que a livraria deve continuar móvel. E com reestruturação. O trailer também vai rodar por cursinhos, feiras orgânicas e festas da capital gaúcha, oferecendo uma curadoria específica para cada evento. Animada, Rios tem um conselho para aos livreiros:

—A Amazon tem todos os livros e preços mais baixos. Só vamos sobreviver se conseguirmos nos diferenciar dela e manter nossa relevância. Quem perde o pulso do mundo, perde a relevância.

Adauto Leva, proprietário da Livraria Cabeceira, na Vila Romana, em São Paulo — Foto: Maria Isabel Oliveira
Adauto Leva, proprietário da Livraria Cabeceira, na Vila Romana, em São Paulo — Foto: Maria Isabel Oliveira

Diretor institucional da Associação Nacional de Livrarias (ANL), Bernardo Gurbanov afirma que sobreviverá às turbulências do mercado quem souber responder às demandas do público e às mudanças sociais.

— No negócio do livro, a concorrência é cruel e desigual. Para competir com as grandes redes e com o varejo on-line, o livreiro tem que se diferenciar: na geografia, na curadoria, na oferta de atividades que deem vida ao local — diz.

E é isso o que está acontecendo no Rio. Em Laranjeiras, Zona Sul da cidade, por exemplo, o sebo Jacaré abriu em agosto de 2021. Seu dono, Giuseppe Zani, entrou no segmento vendendo sua própria biblioteca na internet. O negócio on-line estava dando certo, mas ele foi aconselhado por um livreiro a abrir também uma loja física no bairro, pois não havia sebos na região, embora muitos professores e estudantes universitários vivam por ali.

Zani atribui parte do sucesso da loja física ao boca a boca da vizinhança. Ele estima que a maioria dos clientes seja de Laranjeiras e bairros vizinhos, como Flamengo e Botafogo, mas moradores de outros municípios, como Niterói e alguns da Baixada Fluminense, passam por lá, assim como turistas que conheceram a Jacaré no seu perfil do Instagram. Metade do acervo do sebo é de ficção e a outra é de obras de ciências humanas.

O livreiro, que também promove eventuais cursos na loja, tem notado que consegue vender em Laranjeiras títulos que não tinham saída na sua operação via internet.

— A dinâmica da loja é outra. Não é uma ferramenta de busca onde você procura o que precisa. É consumo de oportunidade. O cliente vem aqui e descobre um livro de que ele não precisa, mas compra porque não sabe se vai encontrá-lo de novo — conta.

Expansão

Também na Zona Sul do Rio, no Jardim Botânico, a Janela Livraria estreou em março de 2020 e enfrentou bravamente e com criatividade o período da pandemia. Com extensa programação e lançamentos, a loja resistiu e agora, em abril, inaugura sua segunda unidade, no Shopping da Gávea, onde funcionou durante décadas a tradicional Livraria Timbre, que fechou há dois anos.

Sócia da Janela, Martha Ribas insiste que construir uma relação com o bairro é fundamental para a sustentabilidade do negócio. Livrarias, lembra a empresária, não só vendem um produto, mas também prestam serviços.

— Brinco que a gente não vende livro, mas o encontro, a troca afetiva que acontece em torno do livro e de leitura. Uma livraria é muito mais do que um ponto de venda de livros. É um polo cultural — afirma.

E são muitos os serviços oferecidos pela Janela, como o clube do livro Janela para o Mundo (que tem fila de espera para quem quiser participar). Lá, tem evento quase todo dia — e vem mais por aí: a Janela Lateral, com cursos na sala de leitura Janela + Berinjela, espaço mantido em parceira com um tradicional sebo da Avenida Rio Branco, no Centro do Rio. Já estão previstos um curso sobre a “Odisseia”, de Homero, oficina de escrita e encontro sobre o romance “Torto arado”, de Itamar Vieira Junior.

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