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Por Gian Amato e Ruan de Sousa Gabriel

Ao receber o Prêmio Camões, nesta segunda-feira (24), em Sintra, Chico Buarque confessou que, nos últimos anos, se perguntou se havia sido esquecido ou se troféus literários têm prazo de validade. O cantor, compositor e escritor ganhou o mais prestigioso prêmio das literaturas em língua portuguesa em 2019, mas o então presidente Jair Bolsonaro se recusou a assinar a documentação para o que o artista recebesse o diploma. Mas Chico até achou bom.

— Conforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões, deixando espaço para a assinatura do nosso presidente Lula. Recebo esse prêmio menos como honraria pessoal e mais como desagravo a tantos autores e artistas humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo — disse.

Chico recebeu o prêmio na presença dos presidentes do Brasil e de Portugal, Luiz Inácio Lula da Silva e Marcelo Rebelo de Sousa, do primeiro-ministro luso, António Costa, dos ministros da Cultura dos dois países, Margareth Menezes e Pedro Adão e Silva, e do presidente do júri, o escritor português Manuel Frias Martins.

Apesar de muito emocionado no início do discurso, Chico brincou ao mencionar o nome da mulher, Carol Proner.

— Estou emocionado porque hoje de manhã ela atravessou a avenida e foi comprar esta gravata – disse Chico, lembrando a primeira-dama, Janja Lula da Silva, que fez o mesmo para Lula na última sexta-feira (21), em Lisboa.

Ele ainda homenageou o pai, Sérgio Buarque de Holanda, autor de “Raízes do Brasil”, incontornável ensaio de interpretação do país, e fundador do Partido dos Trabalhadores, de quem herdou “os livros e o amor pela língua portuguesa”. Disse que, “como a maioria dos brasileiros”, descende de europeus, africanos e indígenas (“trago nas veias o sangue do açoitado e do açoitador”) e brincou que talvez tenha direito à cidadania lusa, pois entre seus antepassados estão judeus que se refugiram da Inquisição lusitana no Nordeste brasileiro, no século XVI.

— É bom saber que tenho a porta aberta em Portugal. Esmero-me nas colocações pronominais — riu. — Por mais que publique romances e contos, por mais que receba prêmios literários, faço gosto em ser reconhecido no Brasil como compositor popular e em Portugal como o gajo que um dia pediu que lhe mandassem um cravo e um cheirinho de alecrim.

Chico celebrou ter recebido o prêmio da véspera do aniversário da Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura fascista em Portugal. Ele se referiu ao governo Bolsonaro como “um tempo em que o tempo parecia andar para trás”.

— Aquele governo foi derrotado das urnas, mas nem por isso podemos nos distrair pois a ameaça fascista persiste — alertou.

Lula também mencionou o governo anterior em seu discurso.

— Esse prêmio deveria ter sido entregue em 2019 e não foi. Todos sabemos por quê. O ataque à cultura em todas as suas formas foi uma dimensão importante do projeto que a extrema direita tentou implementar no Brasil. Se hoje estamos aqui para fazer uma espécie de reparação e celebração da obra do Chico é porque finalmente a democracia venceu no Brasil — disse. — Não podemos esquecer que o obscurantismo e a negação das artes também foram uma marca do totalitarismo e das ditaduras que censuraram Chico no Brasil e em Portugal. Esse prêmio é uma resposta do talento contra a censura, do engenho contra a força bruta.

O presidente também afirmou que a “obra do Chico acompanha toda a História recente do Brasil”, sempre se manteve atenta “ao destino político e cultura de nossos países irmãos e mostrou que “arte e cultura estão entrelaçadas com a política e os nossos ideais de liberdade e democracia”.

— Chico transformou em patrimônio literário comum os amores de nossos povos, as alegrias de nossos carnavais, a beleza de nossos fados e sambas, as lutas obstinadas de nossos cidadãos e cidadãs pela liberdade e pela democracia — completou Lula.

O presidente português também discursou. Marcelo Rebelo de Sousa comparou o Camões a Chico ao Prêmio Nobel de Literatura concedido a Bob Dylan em 2016:

— Quando Bob Dylan ganhou o prêmio Nobel, foram pedir reação a Leonard Cohen: “Foi como dar medalha ao Everest por ser a montanha mais alta” — disse. — Se todos consideramos o cancioneiro de Chico parte integrante do nosso patrimônio, em patamar que poucos se comparam, haveria de sentir alguma dissonância? Mesmo aqueles que alegam deméritos técnicos para contestar o prêmio e as opiniões de Chico, contestam as ideias de quem deu a cara contra a ditadura?

'Tardia, porém merecida'

Para Manuel Frias Martins, presidente do júri, o prêmio foi merecido, apesar dos quatro anos de atraso:

— Talvez a entrega peque por tardia, mas não por imerecida — afirmou.

A concorrida cerimônia reuniu artistas, políticos e jornalistas brasileiros e portugueses no Palácio Nacional de Queluz, em Sintra, onde nasceu e morreu Dom Pedro I. Para o escritor moçambicano Mia Couto, que estava sentado na segunda fila e foi vencedor da edição de 2013 do Camões, a festa agora é em dobro.

— Felizmente que (Bolsonaro) se recusou a assinar, porque, agora, temos uma festa em dobro. E este é um prêmio para todos nós, é um prêmio da língua portuguesa — disse Couto, que, ao lado de Manuel Alegre, era um dos vencedores passados presentes.

A cantora Fafá de Belém lembrou que o prêmio representa o resgate da democracia e das artes brasileiras como impulso ao desenvolvimento.

— Eu acho que é um ato simbólico, finalmente o resgate da democracia e do respeito às artes como fundamentais para o desenvolvimento de um país — disse.

Apesar do atraso na realização da cerimônia (adiada também devido à pandemia de Covid-19), Chico já recebeu os 100 mil euros a que tinha direito.

O Prêmio Camões de Literatura foi criado em 1988 pelos governos brasileiro e português, com o objetivo de consagrar um autor de língua portuguesa cuja obra tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural lusófono. O vencedor é escolhido por um júri composto por dois brasileiros, dois portugueses e dois representantes dos demais países lusófonos (Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste).

Em 34 edições, o prêmio contemplou nomes como os portugueses António Lobo Antunes e José Saramago, o moçambicano Mia Couto e brasileiros Jorge Amado, João Cabral de Mello Neto, Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles e Raduan Nassar.

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