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Por — São Paulo

Quando dá entrevistas por vídeo, o americano Jonathan Franzen escolhe a cozinha como cenário. Porque a luz é boa e também por “princípio filosófico”, diz ele. É uma maneira de convidar o interlocutor ao cômodo mais amigável da casa. Pois Franzen recebeu o GLOBO virtualmente em casa, em Santa Cruz, na Califórnia, para falar de “Encruzilhadas”, seu mais recente romance, que chega às livrarias brasileiras no dia 12.

“Encruzilhadas” é o primeiro volume de uma trilogia que acompanha a família Hidelbrandt dos anos 70 aos dias atuais. O livro retrata os dilemas morais da família entre o Natal de 1971 e a Páscoa de 1972: Russ, o pai, é pastor, comete adultério com uma fiel e se atrai por uma adolescente; Marion, a mãe, esconde seu passado traumático do marido. Os filhos têm seus próprio problemas: depois de descobrir o prazer do sexo, Clem, o mais velho, tem uma espécie de iluminação e decide lutar no Vietnã; Becky debate se deve ou não dividir com os irmãos o dinheiro que herdou da tia; Perry vende drogas e se pergunta se é possível ser “verdadeiramente bom”.

Nos anos 1970, Franzen participou de um grupo de jovens de uma igreja evangélica semelhante ao descrito em “Encruzilhadas”. Nesta entrevista, o autor dos best-sellers “As correções” e “Liberdade” apontou a influência dessa herança religiosa em sua literatura, comentou o declínio do escritor branco e privilegiado e explicou por que reluta em declarar guerra aos amantes de gatos.

Por que a religião está no centro de “Encruzilhadas”?

Eu estava interessado no caráter inescapável da mitologia e queria escrever um livro que começasse nos anos 1970. Deixamos a religião e certas superstições para trás, mas nossas vidas são organizadas em torno de crenças que não podem ser provadas, de mitologias. Também quis irritar as pessoas que se acham tão iluminadas que já superaram a mitologia, como os ateus britânicos Christopher Hitchens e Richard Dawkins, e quem acredita que é possível ser humano e não ser irracional. Nos anos 1970, o cristianismo ainda era a mitologia prevalente. Hoje, muitos progressistas se opõem à religião, mas naquela época era possível ser cristão e de esquerda.

Qual sua mitologia pessoal?

(Silêncio.) Eu gosto de literatura. Com ela, vem uma visão de mundo, um tipo de religião secular que prega que não há respostas fáceis, heróis ou vilões de verdade. Minha vida se organiza em torno do esforço de escrever romances sobre a complexidade e a ambiguidade moral da vida.

Todos os protagonistas de “Encruzilhadas” enfrentam dilemas morais.

Dilemas morais são um bom recurso para a ficção. Tento colocar meus personagens em momentos cruciais de suas vidas, em encruzilhadas. Diante de escolhas difíceis, eles se perguntam qual é a coisa certa a fazer, o que realmente querem, o que os outros querem deles. Esses conflitos dramáticos rendem boas cenas e suspense. Me interessa escrever sobre os dias mais importantes da vida de uma pessoa, não sobre dias normais.

Como sua vivência religiosa com um grupo de jovens da igreja da sua na adolescência influenciou você?

Passei muito tempo na igreja, mas não virei um bom cristão. Com 20, 30 anos, quando a vida era difícil, tentei voltar à igreja, mas não consegui ser espiritual. Admiro os textos advindos da tradição cristã, da Bíblia à obra de escritores como Dostoiévski e Flannery O’Connor. Recentemente, me dei conta de que os valores do grupo de jovens da igreja são exatamente os valores que tenho como romancista: ser honesto, não fugir do conflito e amar incondicionalmente. Quando escrevo, quero falar a verdade, descrever o momento mais desconfortável na vida dos personagens e amá-los incondicionalmente, não importa o quão mal eles se comportem. Quando escrevi o ensaio “E então chega a alegria”, entrevistei o pastor da minha adolescência. Ele era um pouco mais velho que nós, começou com 25, 26 anos. Me contou como era perigoso viver rodeado de meninas bonitas que achavam que ele era Jesus. Começou a fazer terapia para lidar com a situação.

No livro, a sexualidade masculina é descrita como animalesca, e o narrador diz que “a agressão sabidamente provoca ereções nos homens”. Não é arriscado escrever sobre sexo nesses termos em meio a tantos debates sobre masculinidade tóxica?

Não é porque a sexualidade masculina virou um problema cultural que ela deixou de existir. Russ se interessa por uma adolescente e a deixa desconfortável, mas não faz nada de errado, nem se o julgarmos pelas regras do #MeToo.

É mais difícil escrever sobre sexo hoje em dia?

Tomo muito cuidado. É preciso firmar um acordo com o leitor, prometer não deixá-lo muito desconfortável, garantir que não estou ficando excitado ao escrever e convidá-lo a observar comigo a vida sexual do personagem e às vezes até rir um pouco. Tenho um certo orgulho da minha habilidade de escrever honestamente sobre sexo.

Os jovens dizem a Russ que ninguém quer “um cara branco que os trate com esse ar de superioridade”. Não é isso que dizem aos escritores brancos e privilegiados hoje?

Sou privilegiado e tive muita sorte. É verdade que por muito tempo só prestamos atenção em obras de homens brancos. Se agora estamos em baixa, tudo bem. Não é o fim do mundo e não vai durar para sempre. Mas acho que falo em nome dos leitores sérios, que não perdem tempo nas redes sociais, quando digo que não me importo com a identidade de um escritor. Só quero um livro excelente para ler.

Há uma década, você foi criticado por desprezar as redes sociais. Como você se sente ao ver que suas críticas se tornaram comuns hoje?

Quando Trump foi eleito, senti satisfação intelectual. Parte do que eu vinha dizendo foi provado pela eleição daquele ser humano desastroso, que não teria ocorrido sem o Twitter. Mas tivemos quatro anos de Trump! É difícil ficar satisfeito com isso! É dever do escritor desconfiar do que é popular no momento e prestar atenção no que ninguém está vendo. Mas não posso levar todo o crédito, muita gente viu os problemas das redes sociais.

Você também foi criticado por escrever que não venceremos as mudanças climáticas.

Disse que precisávamos parar de fingir que vamos conseguir impedir que a temperatura do planeta suba ao menos um grau e meio. Agora, vejo que estamos parando de fingir. O futuro vai ser ruim, mas podemos repensar nossos objetivos. Me dá esperança que mais gente esteja reconhecendo que o que eu disse é verdade.

Depois de irritar usuários das redes sociais e os ambientalistas, pretende arrumar encrenca com mais alguém?

Gatos de rua são um dos maiores problemas ambientais dos EUA. E seus amantes são tão malucos quanto o movimento antiaborto. Para eles, todas as vidas felinas são preciosas, e não permitem que municípios lidem com esse problema. Gatos de rua transmitem doenças e matam pequenos mamíferos, répteis, anfíbios e pássaros. Talvez escreva um ensaio sobre isso, mas temo que gateiros me ameacem de morte ou me ataquem fisicamente. Escrevo ensaios quando estou irritado. Assim, não preciso escrever romances com raiva.

Capa de "Encruzilhadas", romance de Jonathan Franzen publicado pela Companhia das Letras — Foto: Reprodução
Capa de "Encruzilhadas", romance de Jonathan Franzen publicado pela Companhia das Letras — Foto: Reprodução

Serviço:

'Encruzilhadas'

Autor: Jonathan Franzen. Tradução: Jorio Dauster. Editora: Companhia das Letras. Páginas: 600. Preço: R$ 159,90.

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