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Por Maria Eduarda Aloan, Especial Para O GLOBO — Rio de Janeiro

Escritora mais celebrada da literatura polonesa contemporânea, e não por acaso ganhadora do Nobel de Literatura de 2019, Olga Tokarczuk convida o leitor a entender como funciona o seu processo criativo em “Escrever é muito perigoso”. São 12 ensaios e conferências sobre temas atuais, como meio ambiente, direito dos animais e pandemia, além de temas eternos, como a própria literatura e o trabalho da tradução como ato de comunicação.

Antes de se dedicar integralmente à literatura, Olga, de 61 anos, estudou Psicologia na Universidade de Varsóvia e trabalhou como terapeuta. O livro deixa claro como a psicanálise é intrínseca à sua prática literária e à compreensão do mundo. Aqui e ali, não se sabe quando ela está falando de literatura ou de psicanálise: “Acho que não há nenhum outro meio mais eficaz para deixar de ser si mesmo e por um instante viver como alguém que não se é todos os dias. É uma experiência fascinante e que traz alívio. Lendo, participamos da vida de uma outra pessoa e nos transformamos nela. Olhamos com seus olhos, percebemos o mundo com seus sentidos, pensamos como o personagem que vai nos arrastando atrás de si. Essa metamorfose é segura e não vicia com tanta força quanto as drogas”.

Em um dos mais instigantes textos do livro, a escritora faz uma pergunta a uma turma de estudantes de uma universidade: a escrita é algo que pode ser aprendido, como se aprende a praticar ioga ou a tocar um instrumento? Uns dizem que sim, uma aluna responde que não sabe fazer mais nada além de escrever, e outro afirma que vai usar a literatura para provar à própria mãe que ele não é um fracasso.

Em meio a tantas respostas, Olga opina que qualquer motivação que leve alguém a seguir a carreira de escritor deve ser levada a sério, desde a ânsia de lucro até a busca por aprovação. Liberdade é o que importa.

Noutro trecho, ela conta que o desejo pela escrita tomou conta dela aos 12 anos de idade, revelando que sentiu medo de ficar enjoada com a literatura quando passasse a se dedicar profissionalmente ao ofício. Não foi o que aconteceu, felizmente.

‘Uma tortura incessante’

A edição traz também a íntegra de uma série de palestras proferidas em Lodz, na Polônia. Olga esmiúça a emergência da voz do narrador no romance por meio de experiências nas suas obras. Esse tipo de reflexões em torno do próprio “umbigo criador” tem sido frequente, como podemos ver em autoras como Elena Ferrante.

É nessa linha que Olga revela detalhes de como e em quais circunstâncias surgem os personagens das suas histórias, como Janina Duszejko, protagonista do ótimo ‘’Sobre os ossos dos mortos’’ (Todavia, 2019). O romance conta a história de uma mulher considerada como uma “velha louca” porque se importa mais com os animais do que com as pessoas. Não na forma, mas no conteúdo, parece muito com a própria autora.

De certa maneira, “Escrever é muito perigoso” estimula o leitor a olhar para dentro de si e ao seu redor, sempre na busca de novas maneiras de narrar o mundo.

Outro ponto importante para Olga é que, para escrever, é preciso que cada pessoa aceite seu daimonion, seu demônio interno e externo: “A escrita é um inferno, uma tortura incessante, um banho de alcatrão fervente. Ela cansa, destrói a coluna, neurotiza, obriga a competir, ser nomeado, submeter, comentar, querer mal a um crítico cruel, morder dedos de nervoso depois de uma resenha desfavorável. Mas a escrita é também um paraíso. Ela dá uma sensação de poder, transforma a vida em um passatempo sem fim, permite ter contato com matérias e pessoas sábias e interessantes, força a pensar e abordar vários assuntos de ângulos incomuns, manda perguntar sempre a si mesmo ‘quem sou’, desenvolve a empatia e faz com que entendamos melhor os outros”, descreve ela.

Olga faz parte de uma geração que testemunhou a Polônia se transformar em uma democracia após o fim do socialismo e da União Soviética, na década de 1980.

Educada como leitora nos anos 1970, foram livros do francês Jules Verne durante a infância que despertaram em Olga o desejo de escrever. Mas muito outros escritores — como Edgar Allan Poe, Kafka, Tchekhov, Dostoiévski, Joris-Karl Huysmans e Philip K. Dick — são citados como suas influências literárias.

‘Escrever é muito perigoso’. Autora: Olga Tokarczuk. Tradução: Gabriel Borowski. Editora:Todavia. Páginas: 260. Preço: R$ 82,90.

Maria Eduarda Aloan é jornalista

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