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Por Ruan de Sousa Gabriel — São Paulo

Num poema da argentina Laura Wittner, ao fazer uma “curva quase em u”, o eu lírico tem “um momento Italpark”. Leitores brasileiros talvez não saibam que o Italpark era a “meca da infância” (palavras de Wittner) na Argentina dos anos 1970. Para ajudá-los a sentir a nostalgia e a animação que a menção ao parque evoca, as tradutoras Estela Rosa e Luciana di Leone substituíram o Italpark pelo Tivoli Park, que entre 1973 e 1995 divertiu as crianças na Lagoa e reabriu em 2020 na Barra da Tijuca, no Rio.

— Achei uma linda solução! Quero conhecê-las pessoalmente para perguntar se o Tivoli Park significa para os brasileiros o mesmo que Italpark para os argentinos — ri a poeta, que também é autora de livros infantis e tradutora.

Wittner vai encontrá-las em breve. Ela é a primeira escritora confirmada da 21ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que ocorrerá entre 22 e 26 de novembro e homenageará Patrícia Galvão, a Pagu. De quebra, Wittner terá dois livros publicados por aqui. Quem se inscrever até a próxima segunda-feira no Círculo de Poemas, clube de assinatura das editoras Luna Parque e Fósforo, receberá em primeira mão “Tradução da estrada” (nas livrarias só em agosto) e uma plaquete da poeta mineira Ana Martins Marques. Em novembro, a Bazar do Tempo lança “Viver e traduzir”, ensaio sobre o seu ofício.

Nascida em 1967, Wittner é parte da geração que renovou a poesia argentina nos anos 1990 ao apostar no frescor da linguagem coloquial. Foi introduzida à literatura por Monteiro Lobato — o primeiro livro que leu na vida foi “Reinações de Narizinho” — e é devota de Clarice Lispector. Mas lamenta não saber português. Começou a estudar inglês aos 15 anos e, três anos depois, atreveu-se a traduzir um soneto de Shakespeare respeitando a métrica e as rimas. Já traduziu autores como Katherine Mansfield e Leonard Cohen.

Cocuradora da Flip, a editora Fernanda Bastos afirma que a argentina “instaura no tempo da poesia uma investigação das coisas íntimas”. A crítica literária Milena Britto, também cocuradora, acrescenta que a ênfase no “mais captável do dia a dia” conduz a uma “profunda intimidade” e “traduz as relações criadas pelos sentimentos em constante mudança”.

Dos poemas de “Tradução da estrada”, surgem um eu lírico às voltas com a vida doméstica (acordar os filhos, ferver a água) e atento a tudo ao seu redor (o barulho da construção, a luz rosa do amanhecer).

Escrita sobre filhos e pai

Discípula do americano William Carlos Williams, que escreveu “que não existam ideias a não ser nas coisas”, mesmo quando devaneia, ela se interessa pela concretude do real. A gota de café que cai no livro “adensa o poema”, confirma sua “materialidade” e “enobrece a página”. O som do órgão na igreja conduz “diretamente à experiência, esse colchão/ concreto que nos dá refúgio”.

— É como se eu tivesse uma patologia: não consigo não estar alerta, prestando atenção a tudo. Então, é natural que o audível, o palpável e doméstico se tornem meios para expressar emoções na minha poesia— explica. — Mas não é intencional. Não penso “vou usar esse copo d’água para falar da minha angústia”.

Os dois filhos de Wittner — Dino, de 20 anos, e Amelia, de 16 — aparecem com frequência em sua poesia. A quarta capa da edição brasileira estampa um poema que menciona a menina: “Minha filha diz que ela acha o jacarandá/ uma árvore de outro mundo./ Que essa bruma lilás/ não pode ser do mesmo plano que nós”. No poema “As coisas escuras”, é Dino quem chama a atenção da mãe: “Você está vendo isso?”. “Algo que está e não está/ mas pelo menos você vê também”, diz ele.

Já em “Se vive y se traduce”, que está sendo vertido para o português por Paloma Vidal e Maria Cecilia Brandi, quem mais aparece é o pai da autora, morto no início da pandemia (não por Covid). Segundo Vidal, o ensaio convida a pensar o ofício do tradutor e reafirma o interesse de Wittner pelo concreto e pela vida cotidiana.

— Em um trecho, ela diz que se pode continuar traduzindo enquanto se chora. É um livro sobre um luto pessoal escrito durante um luto coletivo— afirma Vidal.

No livro, Wittner apresenta definições poéticas do ofício anotadas ao longo de 25 anos, como “traduzir é autoanalisar-se” e “traduzir é seguir vivendo”. Na entrevista ao GLOBO, ela ofereceu uma tese formulada recentemente: “traduzir é apropriar-se”.

— Às vezes, leio algo de que gosto e desejo tê-lo escrito. Se já está em espanhol, não posso fazer nada. Mas se está em outro idioma, posso me apropriar do texto usando meu conhecimento, minha experiência e meu ofício — diz ela, que sente uma “alegria estranhíssima” ao ler seus versos em português. — Já não pensava mais em reconhecimento. Bastava que minhas ansiedades e angústias desaparecessem quando estava sozinha diante da tela.

Capa de "Tradução da estrada", livro da poeta argentina Laura Wittner, autora convidada da Flip 2023 — Foto: Reprodução
Capa de "Tradução da estrada", livro da poeta argentina Laura Wittner, autora convidada da Flip 2023 — Foto: Reprodução

Serviço:

‘Tradução da estrada’

Autora: Laura Wittner. Tradução: Estela Rosa e Luciana di Leone. Editora: Círculo de Poemas. Páginas: 80. Preço: R$ 59,90.

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