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Por Bolívar Torres — Rio de Janeiro

Ela é uma das autoras mais lidas no Brasil nos últimos anos, com best-sellers como “Véspera” e “Tudo é rio” (Ed. Record). Ele é um dos mais celebrados nomes da literatura de língua portuguesa, e vem arrebatando há uma década os leitores do país com livros que primam pela experimentação e a linguagem poética — o mais novo lançamento, “A minha mãe é a minha filha”, acaba de sair pela GloboLivros, que já publicou outros 13 títulos do autor.

A mineira Carla Madeira e o português Valter Hugo Mãe nunca se encontraram para um bate-papo com público. Isso vai acontecer no dia 7 de setembro, às 15h, na Bienal do Livro 2023, no Rio, onde estarão juntos na mesa “Escritas do coração”. O evento, que vai de 1º a 10 de setembro no Riocentro, completa 40 anos e já tem diversas atrações confirmadas, como a americana Julia Quinn e o brasileiro Itamar Vieira Júnior.

O GLOBO fez um aquecimento para a mesa, mediando uma conversa via Zoom entre Carla e Valter — ela falando de Belo Horizonte; ele, de Viana do Castelo, em Portugal. Mostrando grande sintonia e admiração mútua, os dois autores trocaram figurinhas sobre assuntos como terapia, escrita poética e expectativa dos fãs. Acompanhe trechos a seguir.

Fora da linha

Valter lembra que seus amigos estavam sempre insistindo para que ele lesse Carla. Como se conspirassem por uma paixão comum “quase que em um flashmob”. E, de fato, o português acabou se encantando com os livros dela. Carla, por sua vez, vê em Valter uma inspiração e um modelo de integridade literária.

Carla Madeira: “Eu venho da publicidade, em que você tem que contar uma história, fazer uma síntese. Tive esse treino. Mas percebi que isso é meu doce, e também meu sal. Quando terminei ‘Tudo é rio’ e fui escrever meu segundo romance, “A natureza da mordida”, senti necessidade de fazer uma coisa diferente em termos de linguagem, não tão poética, com menos frases bonitas. Digo que quis fazer um livro cujas frases ninguém quisesse grifar. Mas as pessoas me mostram o livro todo marcado e dizem que não consegui. Você passou por isso? Já teve vontade de mudar a textura do seu texto?”

Valter Hugo Mãe: “Entendo a sua intenção de querer se tornar eventualmente mais clara. A gente que está sempre cheio de poesia se sente meio fraude, como se em vez de entregar as coisas de forma inteligente estivesse entregando de forma bela. E não é todo mundo que lida com coisas profundamente belas. Mas essa transição que você teve do primeiro ao segundo livro, tive com ‘A máquina de fazer espanhóis’. O livro era quase um jornal, expondo fatos muito concretos. Fiz até uma coisa que odeio fazer: estudar. Não gosto de pesquisar demasiado.”

A autora Carla Madeira — Foto: Rebecca Alves
A autora Carla Madeira — Foto: Rebecca Alves

Freud explica

Valter tem curiosidade em saber como Carla se preparou para tratar a personagem de “A natureza da mordida”, uma terapeuta que luta contra a perda da razão. Em “A minha mãe é a minha filha”, por sinal, o português também aborda a fragilidade humana, narrando o momento delicado em que nossos pais não conseguem mais cuidar de si próprios.

CM: “Acho que escrever é se colocar em um processo de escuta dos personagens que estamos conhecendo. Claro que depois a gente elabora, corrige incoerências — ou não. Fiz terapia muitos anos, com uma figura chamada Vânia Moraes, com quem eu tinha uma interlocução maravilhosa. Nossas sessões eram em cima de literatura. Freud falava isso: como ele ficava batalhando tanto numa perspectiva científica e de repente fazia uma síntese de coisas que ele tentava compreender há anos. Essa intuição (do escritor) o intrigava”.

VHM: “Eu nunca fiz terapia. Todo mundo fica falando que talvez eu fosse até mais feliz se finalmente aceitasse fazer terapia. Acho que sou bastante confuso e complexo e tenho qualquer coisa que me faz continuar sozinho. Eu não sei se conseguirei continuar caminhando sozinho se algum dia eu for verdadeiramente acompanhado. Talvez depois vicie, e eu sou muito avesso a tudo que possa criar adição, porque acho que viraria adicto em muito pouco tempo.”

CM: “Mas é um medo dessa dependência ou um medo de que esse conhecimento tire de você aquilo que o Manoel de Barros chama de ‘o condão de adivinhar’”?

VHM: “Também tem muito isso. Eu entreguei minha vida ao império da poesia. Quem manda na minha vida é o unicórnio. Procuro ser um cidadão educado, mas atiro meus olhos para lá da normalidade. Talvez encontre meu ouro para lá da vida comum. Tenho medo que as coisas comecem a fazer sentido, tudo muito composto, explicado, acabado, e eu não tenha mais lugar de exploração.”

Um super doente

Valter Hugo Mãe: 'É importante que estejamos preparados para a problematização das nossas próprias ideias' — Foto: Leo Martins
Valter Hugo Mãe: 'É importante que estejamos preparados para a problematização das nossas próprias ideias' — Foto: Leo Martins

Valter não evita apenas divãs: ele conta que também foge de convites para falar em congressos de psiquiatria, psicanálise ou terapia, com medo de que os especialistas descubram que ele não leu “nada do que eles leram”. Carla acha graça. A escritora vem fazendo o caminho contrário. Recentemente, visitou a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e teve um ótimo feedback sobre as sessões de psicanálise narradas em “A natureza da mordida”.

CM: “Eu estava temendo tomar pancada, achava que os psicanalistas fossem falar que não era nada daquilo ali. Mas a experiência está sendo o oposto.”

VHM: “Sempre digo que, se eu cheguei a alguma conclusão, foi muito na ótica do paciente, do doente. Encontrei uma solução não porque sou equiparado ao médico, mas, sim, porque talvez seja um superdoente, que entendeu alguma coisa. Eu estou espantado com sua coragem de ir bem no meio deles.”

CM: “Mas eu vou para dizer exatamente isso que você acabou de dizer. Toco nessa questão na perspectiva de quem fez análise, não de quem está apto a ser analista. Brinco que eu sou uma galinha acompanhando o pato.”

Território livre

A mineira, que nos últimos três anos conquistou um grupo fiel de fãs, está começando a ter que lidar com um tipo de pressão e expectativa que Valter já conhece há mais de uma década. Mesmo após explodir no país após sua participação na Flip de 2011, ele nunca deixou o sucesso influenciar o que escrevia, nem mudou o seu estilo — por vezes, tido como difícil — para agradar a multidões.

CM: “Escrevi três livros e para mim a coisa mais importante tem sido proteger esse território da criação. Como entrar nesse território protegendo sua adesão àquilo que você está fazendo, e sem deixar que entrem junto tantas cobranças e obrigações que estão sendo agressivamente pautadas hoje? Como evitar que isso te provoque uma espécie de censura ou o medo de tocar em determinadas questões do jeito que você queria?”

VHM: “Consigo por uma questão de absurda prepotência. Sou muito mal educado. Todo mundo tem uma expectativa em relação a você, sobre o seu próximo livro, a sua pessoa. Se você casa, não casa, se vai finalmente ter mais filhos, menos filhos, se vai mudar, se vai viver em São Paulo... Mas sou muito chato nesse aspecto. Não dou importância a nada do que as pessoas pensam do que devo fazer. É uma resposta que dou muito à minha mãe. Eu digo: ‘Dona Antônia, eu mal abri a boca, já estou em dívida com tudo.’ Mas me isolo e fico sozinho com o livro, porque os escritores precisam de ter esse domínio, essa arrogância, de poder dizer: ‘Olha, adoro todos vocês, iria para a cama com todo mundo, mas dentro do meu livro, não.’ É uma relação que não vai ter mais ninguém.”

CM: “Isso é a coisa que mais me interessa nesse momento. É não deixar que esses acontecimentos, de ter me tornado uma escritora que é lida... (Pausa) Por exemplo, “Tudo é rio” é um livro que foi acontecendo. Tinha uma coragem ali, uma liberdade que era de uma pessoa que não tinha ideia de que seria publicada.”

No céu, com Clarice

Os dois escritores compartilham o medo de caírem numa fórmula que agrade ao público e acabarem se repetindo. A “provocação íntima” (expressão de Carla) é o desejo do novo, “a plenitude de experimentar algo que ainda está descobrindo” (outra frase de Carla).

VHM: “Desde que apareci, há 30 anos, as pessoas ficam a dizer: ‘Ah, mas seus livros são estranhos, seus assuntos são bizarros, sua maneira de escrever é demasiado poética, você é complexo.’ E sempre digo que jamais vou escrever para um imbecil. Tudo que eu for capaz de fazer em um livro vou fazer, não vou amenizar, encontrar estratégia para desculpar minha preguiça. Quando morrer, quero chegar ao céu e encontrar as pessoas que foram da minha família, que amei, mas quero ser recebido pela Clarice Lispector. Não quero encontrar um babaca.”

CM: “Vamos poder fazer com Clarice o que estou fazendo aqui com você, né, Valter?”

VHM: “E eu com você, Carla! Vamos os dois confraternizar com Clarice, mas que seja daqui a muitos anos”.

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