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Por — São Paulo

A paulistana Natalia Timerman sabe que nem sempre é fácil separar ficção e realidade. Em seu primeiro romance, “Copo vazio” (2021), a protagonista sofria um “ghosting”, ou seja, o rapaz com quem ela se relacionava virava fantasma, sumindo sem dar satisfações. O livro caiu nas graças dos leitores que, em plena pandemia, não entendiam por que seus “contatinhos” evaporavam do dia para a noite. Não faltou quem especulasse se a autora, que é psiquiatra, conhecia a dor de levar um perdido. Sim, ela já sofreu com isso.

Agora, em seu segundo romance, “As pequenas chances”, a escritora investiga uma dor que custa a passar: o luto. Na primeira parte, a narradora, também chamada Natalia, recorda os dias seguintes à morte do pai. Na segunda parte, detalha os últimos dias dele no hospital. E na última, descreve uma viagem com o marido e os filhos pelo Leste da Europa, de onde vieram seus bisavós, fugindo da perseguição aos judeus.

Coincidências

Engana-se quem pensa que “As pequenas chances” é um relato autobiográfico. É verdade que a escritora perdeu o pai em 2019 e que ele se chamava Artur, era médico e torcia para o Corinthians. E Natalia de fato é casada e tem dois filhos, um enteado, dois irmãos e uma madrasta. Os nomes quase todos coincidem com a realidade. No entanto, ao chegar ao epílogo, o leitor descobre que boa parte do livro é invenção.

— A parte ficcional sustenta algo que é muito verdadeiro: a experiência da morte e do luto. Este é o coração do livro. Fui muito fiel a essa dor, mas precisei da ficção para aguentar — explica a autora.

Natalia é a primeira presença brasileira confirmada para a 21ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), entre 22 e 26 de novembro. Curadora da Flip, a editora Fernanda Bastos destaca a “grande facilidade” com que Natalia “transita entre diferentes gêneros de escrita, esbanjando carisma e excelência técnica” (a autora já publicou um livro de não ficção e outro de contos). Também curadora da festa, a crítica literária Milena Britto identifica na prosa de Natalia “uma corajosa ritualização dos sentimentos mais incômodos, como dor, ausência, abandono, perda, saudade”.

Algumas passagens de “As pequenas coisas” falam precisamente da capacidade dos rituais de dar contorno à dor disforme do luto. A narradora conta como, após a morte do pai, ela e a família seguiram escrupulosamente as orientações do luto judaico. Afastada da sinagoga desde a adolescência e sem fé no “Deus vingativo e rancoroso” da Bíblia, ela encontra um estranho conforto na religião. Esses trechos, conta Natalia, não foram inventados, mas vividos.

— Não posso dizer que continuo praticando a religião, mas saber que ela está lá caso eu precise me dá uma segurança que eu não tinha antes. Não tem a ver com Deus, mas com a sabedoria dos meus ancestrais sobre as coisas da vida e da morte — diz a escritora, que agora prepara um livro sobre a mãe, judia devota que não consegue mais cumprir os rituais religiosos devido ao avanço do Alzheimer.

Incômodos

Natalia sabe que, ao publicar um livro sobre luto, corre o risco de repetir o que viveu com “Copo vazio”. Após o lançamento, suas redes sociais foram inundadas por histórias de leitores que haviam sofrido ghosting. Por abordar dores que quase todo mundo já enfrentou e sobre as quais é difícil falar, ela com frequência é convidada a se pronunciar não somente como a escritora que transforma a angústia em matéria literária, mas como a psiquiatra ou a observadora da cultura que sabe o que dizer para confortar e orientar quem está sofrendo:

— Talvez alguns leitores fiquem frustrados, porque meus livros não são autoajuda e mais incomodam do que acolhem. Posso ser psiquiatra, mas escrevo sobre o que eu não sei. A literatura é uma investigação que não pretende se completar ou dar respostas.

Capa de "As pequenas chances", novo romance da escritora Natalia Timerman, lançado pela editora Todavia — Foto: Reprodução
Capa de "As pequenas chances", novo romance da escritora Natalia Timerman, lançado pela editora Todavia — Foto: Reprodução

Serviço:

‘As pequenas chances’

Autora: Natalia Timerman. Editora: Todavia. Páginas: 208. Preço: R$ 69,90.

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