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Por — Rio de Janeiro

Seja ao tratar de uma sociedade distópica que aprisionou pessoas num parque de diversões subterrâneo, seja ao narrar um desentendimento num escritório como outro qualquer, os contos de “Dia da libertação”, de George Saunders, abordam um mesmo dilema: como a nossa falta de consciência produz sofrimento. Embora a qualidade dos contos varie, até os escorregões têm algo de interessante.

Saunders volta à ficção depois do premiado “Lincoln no limbo” (2017). Mas é outro presidente dos EUA que assombra as narrativas de “Dia da libertação”. Ora mais, ora menos explicitamente, o autor explora o dilema moral que viu ser escancarado pela eleição de Donald Trump, não nomeado numa história como “Carta de amor”, mas facilmente reconhecível.

Nela, um avô escreve ao neto. Uma amiga do rapaz (talvez namorada) foi detida pelo regime autoritário em vigor em “202_”. Entre mea-culpa e recomendação de cautela, o avô conta como “um safado cômico” ia à TV e “anunciava aos berros aquela ladainha de coisas que nunca tinham acontecido, que nós jamais poderíamos imaginar que aconteceriam, que estavam acontecendo naquele momento”. Quando se deram conta, era tarde demais: o mundo “não pode ser chamado de volta a seu estado anterior e melhor”. Sua falta de consciência do perigo custou caro.

Recado mais direto do livro, “Carta de amor” é um entre vários contos que usam uma hipérbole imaginativa para criticar a sociedade contemporânea. Outros vão mais longe. Em “Elliott Spencer”, uma empresa apaga a memória de párias sociais e os usa para encher manifestações políticas. No conto “Dia da libertação”, também há uma amnésia forçada, que leva o protagonista a atuar numa reconstrução cênica de uma batalha entre soldados americanos e indígenas, para entreter ricaços.

Dimensão humana

A intenção crítica de Saunders é louvável, mas o resultado desses contos deixa a desejar. Por dois motivos. Primeiro, falta imaginação. Exceto em “Carta de amor”, as histórias imaginosas são parecidas demais. Todas têm um narrador solitário lentamente se dando conta do absurdo de sua situação, ajudado por uma figura que se apieda dele, contra forças sinistras, difusas. “Elliott Spencer” tem um estilo mais fragmentário, que só disfarça a repetição do esquema.

O segundo motivo é mais interessante e se liga à literatura que o autor busca. Saunders se interessa, sobretudo, pela dimensão humana, emocional, quase ao nível do indivíduo: paixões nascentes, impasses morais, ternura em momentos sombrios. Nas narrativas imaginosas, porém, o foco no “micro” se conecta mal — mesmo que por meio da sugestão, como caberia a um conto — com as questões “macro”, amplas, coletivas. A omissão do avô, por exemplo, não ajudou, mas não explica sozinha a ditadura. O enquadramento da história tende à simplificação, até ao moralismo.

Não é assim quando Saunders aborda conflitos mais ao rés do chão. Voltadas para o drama particular de suas personagens, despojadas do aparato da ficção científica, as histórias entram em foco e, paradoxalmente, dão uma imagem mais complexa da vida.

Em “Dia das Mães”, uma viúva idosa caminha pela cidade com a filha, sob a ameaça de uma tempestade, quando vê uma antiga amante de seu marido. Alternando o ponto de vista entre as duas, o narrador nos deixa decidir quem estava certa, se é que alguém estava, e sugere na relação delas com as filhas todo um rastro de sofrimento de que não se deram conta. A inventividade formal reforça a complexidade humana da história. Vale o mesmo para contos como “A mamãe da ação audaciosa” ou “Uma coisa no trabalho”, em que incidentes banais — um empurrão, um comentário desajeitado — disparam uma reação em cadeia que termina em pequenas tragédias.

Tanto as histórias mais imaginosas quanto as cotidianas fazem a mesma pergunta: por que existe o mal? Por que causamos sofrimento, por exemplo, ao eleger candidatos que pregam ódio e intolerância? Com um livro cheio de personagens, omissos ou não, que desconsideram os pontos de vista alheios, Saunders atribui o mal e o sofrimento à falta de consciência. Aos nossos pontos cegos. O próprio autor parece deixar escapar algo que os melhores contos de “Dia da libertação” sugerem: ajustadas as lentes, vemos como tudo é sempre mais complicado.

Henrique Balbi é escritor e professor de Literatura

‘Dia da libertação’

Autor: George Saunders. Tradução: Jorio Dauster. Editora: Companhia das Letras. Páginas: 256. Preço: R$ 84,90. Cotação: bom.

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