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Detalhe da HQ 'O começo do fim' — Foto: Reprodução
Detalhe da HQ 'O começo do fim' — Foto: Reprodução

Poucos autores fazem uso da narrativa dos quadrinhos como o francês Marc-Antoine Mathieu. Seus álbuns extrapolam o gênero como o conhecemos e brincam com a mídia de forma metalinguística e lúdica. Sua premiada série “Julius Corentin Acquefacques, prisioneiro dos sonhos” tem sete volumes que podem ser lidos em qualquer ordem, e o terceiro, “O começo do fim”, acaba de sair no Brasil, pela editora Comix Zone.

Em cada um deles, tem uma loucura narrativa acachapante, que podem ser páginas que vão diminuindo literalmente de tamanho à medida que a leitura avança. Ou a história começar imediatamente na capa do livro. Ou ainda uma HQ em que o ponto de fuga se perde (!).

— Todas essas peculiaridades vêm do fato de que tenho uma forte propensão para jogar — revela o quadrinista e cenógrafo que cresceu em Angers, cidade francesa em que se filiou ao grupo artístico Lucie Lom. — Continuei sendo uma criança que gosta de fazer brinquedos, principalmente para não ficar entediado. Se o jogo me agrada, digo a mim mesmo que também não poderia entediar um possível leitor.

Mathieu diz que o jogo possibilita a pesquisa, a experimentação, e filosofa:

— O jogo está longe de ser gratuito se for você quem inventa as regras. Torna-se, assim, um território de disponibilidade para si e para o mundo e, portanto, uma paisagem onde as ideias podem germinar, os estados de espírito revelam-se e os pensamentos desdobram-se de acordo com modos que a própria pessoa não tinha previsto. O jogo também permite evitar o “discurso”, esta forma de dizer as coisas de forma demasiado unilateral.

A brincadeira proposta por Mathieu no novo livro da série que lhe rendeu dois prêmios em Angouleme e acaba de sair no Brasil é a simetria. O livro pode ser lido a partir de uma capa ou da outra, pois as duas histórias se encontram no meio, com páginas opostas até lá. Tanto que uma capa apresenta o título “O começo do fim”, e a outra, “O fim do começo”. O protagonista ainda é Acquefacques.

— Criei Julius Corentin Acquefacques quando alguém começa a assobiar na natureza porque está feliz por estar lá: isto é, sem esforço — esclarece o autor, que nasceu em 1959 e lançou seu personagem mais conhecido em 1990, 32 anos antes de a série surgir por aqui, com os dois primeiros volumes: “A origem” e “O processo”. —Julius veio por conta própria, provavelmente porque eu não queria forçá-lo. Algumas coisas chegam até nós naturalmente porque agora é a hora.

O francês Marc-Antoine Mathieu cria quadrinhos como jogos — Foto: Reprodução
O francês Marc-Antoine Mathieu cria quadrinhos como jogos — Foto: Reprodução

Em suas aventuras, o senhor Acquefacques sempre acorda sobressaltado, de sonos intranquilos, e precisa chegar logo ao trabalho no Ministério do Humor, onde cabe a ele atualizar o glossário de piadas. Talvez seja por isso que o personagem nunca sorri, pois sua função requer bastante seriedade, como ele mesmo diz. E, assim como um personagem de Franz Kafka, Acquefacques acaba ser perdendo na burocracia de sua profissão enfadonha:

— É claro que minhas leituras me influenciam, mesmo que nunca de forma direta. A maioria são científicas (David Elbaz, Yann Le Cun, Stanislas Dehaenne) e filosóficas (Mark Alizart, Quentin Meillassoux, Bernard d’Espagnat). Algumas são magníficas descobertas da literatura, como Giorgio Manganelli, um escritor formidável, muito pouco conhecido. E uma história em quadrinhos muito forte, lida também no período da pandemia: “CitéVille”, de Jérôme Dubois, seguida de “CitéRuine”: formidável.

Mathieu usa todas essas referências em álbuns que algumas vezes nem texto possuem, mas exigem uma leitura atenta, como nos inéditos “Sens” e “3"”. No primeiro, ele bola cenas de página inteira com um personagem interagindo com setas. No outro, o quadrinista cria um plano-sequência que percorre páginas de nove quadros em um zoom constante que, no fim, revela um crime. É difícil não voltar para rever algum detalhe que possa ter passado despercebido. O que há em comum na obra de Mathieu é a experimentação do formato do gibi como linguagem, algo que não funcionaria em outra mídia. E a exploração da metalinguagem no gênero não parece ter se esgotado.

— Acho que sim, é óbvio. Caso contrário, os quadrinhos não seriam uma arte que oferece possibilidades que outras formas de expressão não têm —responde o autor de forma assertiva. —A hibridização texto-imagem é um vasto território de experimentação, com um horizonte ainda pouco explorado.

E destaca algo específico das HQs, seu tempo de leitura:

— Estou falando do tempo do próprio leitor, que só pertence a ele, ao contrário do cinema ou da música, cujos tempos são limitados pelo cineasta ou pelo músico. Isso faz do quadrinho um espaço propício à exploração do íntimo, de novos campos muito preciosos neste tempo de velocidade, de consumo cultural exponencial, que nos priva cada vez mais de nós mesmos.

Entusiasta das HQs como arte e como linguagem, Mathieu acredita que o gênero evoluiu bastante.

— A história dos quadrinhos é a de uma emancipação, de uma maturidade que perdura e se renova — afirma ele. —A chegada de autoras de outras disciplinas e meios de comunicação significa que os quadrinhos estão mais frutíferos. É claro que isso não acontece sem o inevitável corolário: uma superprodução provocando a multiplicação do que chamo de “produtos”. Eles são esperados e correspondem aos cânones do consumidor.

O autor diz que podemos lutar contra isso, mas acha mais importante manter a energia e a lucidez naquilo que devemos fazer, reorientar nosso caminho. E acredita que ainda há muito a percorrer na mídia:

— O quadrinho surge no momento certo na História da expressão artística e da evolução da sociedade. Por um lado, sua característica gráfica satisfaz o consumo de imagens. Já a sua vertente literária salvaguarda o rigor literário: ele tem palavras, poder de sugestão. É por isso que a HQ está longe de ter explorado tudo. A poesia nos quadrinhos já está aí, mas tem mais pela frente.

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