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Por — São Paulo


O escritor britânico Ken Follet — Foto: Jake Curtis/Divulgação
O escritor britânico Ken Follet — Foto: Jake Curtis/Divulgação

Um dos maiores best-sellers do planeta começou a escrever porque precisava de dinheiro. No início dos anos 1970, Ken Follett era repórter de um jornal londrino e soube que um colega havia escrito um thriller e recebido um adiantamento da editora. Se tivesse aquele dinheiro, Follett poderia enfim consertar seu carro... Decidiu, então, escrever um thriller para colocar em ordem sua vida financeira. “The big needle” (A grande agulha, em tradução literal), um livro cheio de sexo, violência e carros velozes, saiu em 1973, mas não lhe permitiu largar emprego. Só em 1978 Follett se tornou um best-seller, com “O buraco da agulha”, romance de espionagem que se passa na Segunda Guerra Mundial.

De best-seller em best-seller, Follett já vendeu mais de 185 milhões de livros mundo afora. Seu maior sucesso é “Os pilares da Terra”, de 1989, romance ambientado na fictícia cidadezinha inglesa de Kingsbridge, na Idade Média, e que descreve a construção de uma catedral. Hoje, o britânico lança em mais de 20 países “A armadura da luz”, quinto romance da série “Kingsbrigde” (que incluiu “Mundo sem fim”, “Coluna de fogo” e “O crepúsculo e a aurora”).

No novo livro, ele recicla a fórmula de seus romances históricos: voltar ao passado para comentar o noticiário atual. Em “A armadura da luz”, vemos Kingsbridge durante a Revolução Industrial e as guerras napoleônicas. Inovações tecnológicas e ameaças autoritárias alarmam o povo.

Aos 74 anos, e comemorando 50 de carreira, Follett conversou com exclusividade com o GLOBO. Mostrou-se feliz por seu primeiro romance nunca ter sido editado no país (onde ele já vendeu um milhão de cópias), detalhou o processo de pesquisa de seus livros e explicou por que não tem medo da inteligência artificial.

Embora seja um romance histórico, 'A armadura da luz' trata de assuntos bastante atuais, como o impacto da tecnologia no mercado de trabalho. Você acha que a inteligência artificial é uma ameça ao ofício dos escritores?

Um artista atrai o público com o que é familiar, previsível, só para surpreendê-lo. Não acho que a IA consiga fazer isso. Veja o começo de “O código Da Vinci”, de Dan Brown. Há um corpo em um museu, um detetive francês resmungão, sua bela assistente e um especialista americano. Você pensa: o francês vai fracassar, mas o americano vai resolver o mistério e ainda dormir com a mocinha. Mas então a assistente dá o telefone ao americano, que ouve uma gravação da voz dela dizendo que ele está em perigo e deveria sair dali imediatamente. Por essa você não esperava! Que começo! A IA aprende a seguir regras, não a quebrá-las.

Então a IA talvez só consiga escrever romances ruins?

Isso vale para a arte, em geral. Veja “I wanna hold your hand”, dos Beatles. Os primeiros versos não têm nada de especial, mas, no quarto, John Lennon e Paul McCartney surpreendem com um acorde em mi menor! A IA teria continuado na mesma toada dos primeiros versos.

Capa de 'A armadura da luz' — Foto: Divulgação
Capa de 'A armadura da luz' — Foto: Divulgação

Você já disse que gosta de escrever sobre personagens que lutam pela liberdade. Quer inspirar seus leitores a irem à luta também?

Às vezes, subestimamos nossas liberdades. Então, aparece um político de direita dizendo que precisamos de um governo firme, mas o que ele realmente quer é reduzir nossas liberdades. As pessoas estão tão confusas e perplexas diante dos problemas que enfrentamos que esse tipo de discurso tem apelo, inclusive entre os jovens. Quero lembrar os leitores de que nossos antepassados lutaram e morreram para desfrutarmos dessas liberdades que não valorizamos o suficiente. Em toda parte, há gente votando contra as próprias liberdades: nos Estados Unidos, na Polônia, na Hungria, em Israel, na Turquia.

Este é o quinto romance que se passa em Kingsbridge. O primeiro foi na Idade Média e este último, em 1815. Kings- bridge chegará ao século XXI?

Acho que já escrevi o suficiente sobre Kingsbridge. Quero parar antes de entediar os leitores. Mas não vou prometer nada. Talvez eu tenha uma boa ideia para uma história ambientada lá. Ou os leitores me peçam para voltar a Kingsbridge. Mas no momento acho que já deu.

Seus livros são exaustivamente pesquisados. Para escrever o anterior, 'Nunca' que imagina um conflito entre EUA e China, você entrevistou o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown. Como é o seu processo de pesquisa?

Começo lendo. Se você quer aprender sobre a Revolução Industrial ou as relações entre EUA e China, há bons livros sobre assunto. Em seguida, vou atrás de mapas, obras de arte, fotos e filmes antigos. Também entrevisto historiadores e visito lugares. Pesquisando para “A armadura da luz”, fui a vários museus que ainda têm máquinas da Revolução Industrial. Algumas até funcionam. Depois de escrever o primeiro rascunho do livro, contrato cinco ou seis consultores, geralmente os autores dos livros que li no começo da pesquisa. Pago-os muito bem para ler o livro e redigir um relatório. Então, reescrevo o livro levando em conta as sugestões deles. O processo é esse.

Seu primeiro livro, 'The big needle', é de 1973, mas você só virou best-seller em 1978, com 'O buraco da agulha'. O que aprendeu nesses anos entre a estreia e o sucesso?

Estou velho, hein? Esse primeiro livro não era muito bom. Fico feliz que nunca tenha saído no Brasil (risos). Nesse meio-tempo, aprendi que o leitor tem que compartilhar das emoções dos personagens. Nós nos entregamos a um livro quando torcemos pelo herói, tememos o que ele teme, lacrimejamos quando algo triste acontece, nos indignamos com a injustiça. É assim que se cativa o leitor. Essa foi a lição mais importante que aprendi.

Foi assim que você descobriu a receita para escrever best-sellers?

No começo, eu achava que um best-seller tinha que ter muito sexo, ação e carros velozes. Essa era basicamente a fórmula da série “James Bond”, de Ian Fleming. Precisei abandonar essas ideias ingênuas. Fleming publicava desde os anos 1950, então, quando comecei essa fórmula já estava fora de moda e não conseguia executá-la tão brilhantemente como ele. Tive que aprender minha própria fórmula: thrillers que emocionam por causa dos personagens.

Você já confessou ter começado a escrever quando percebeu que o adiantamento recebido por um colega seria o bastante para consertar seu carro. Você aconselharia a alguém com problemas financeiros que escreva um best-seller?

A necessidade de dinheiro é um gatilho para muita coisa na vida, não é mesmo? De fato, o incentivo imediato para escrever veio de uma crise financeira. Mas antes disso eu já tinha tentado escrever alguns contos, que não ficaram bons. Sempre gostei de ler. Passei a vida imerso na ficção. Quando era criança, o médico me perguntava: “Você não lê o tempo todo, né? Também brinca com outros meninos, certo?”.

O que houve com seu colega do bom adiantamento?

Ele publicou mais um ou dois livros, mas nenhum deles um best-seller. Perdi o contato com ele.

Em 50 anos de carreira, você teve alguma grande decepção?

“Pilares da Terra” (1989) foi um livro difícil de escrever. Quando foi publicado, ninguém disse nada e vendeu pouco. Fiquei muito decepcionado. Mas começou a vender aos poucos e chegou a ficar seis anos na lista de mais vendidos na Alemanha! Tornou-se um grande sucesso. Foi uma imensa alegria para mim, porque desde o início eu pensava que havia escrito algo especial, mas depois achei que tivesse me enganado. Acho que era um livro especial mesmo. Já vendeu 27 milhões de cópias no mundo todo! Em casa, tenho uma estante com todos os meus livros e todas as traduções. Olho e penso: então foi assim que eu gastei minha vida?

Os leitores costumam abordá-lo na rua?

Acontece de me reconhecerem na rua e pedirem selfies. Dizem adorar meus livros. Mas não sou um rockstar. Ninguém joga calcinhas em mim. A vida de escritor é mais tranquila. Os leitores adoram os livros, os personagens, não a mim.

O que você gosta de ler?

Estou lendo um romance de Patrick Modiano, francês que ganhou o Nobel de Literatura (em 2014): “Rue des boutiques obscures” (“Na rua das lojas escuras”, em tradução livre). Li vários livros dele e gosto muito. A escrita dele é tão simples que consigo ler em francês. Também gosto muito do malaio Tan Twan Eng, que escreve sobre os conflitos de um país multiétnico como a Malásia. Ele é um escritor muito espiritual, interessado em jardins. Tem um livro que se chama “The garden of evening mists” (“O jardim das névoas do entardecer”, em tradução livre). Ele só tem três livros publicados, mas acho que vai ficar famoso e ganhar prêmios.

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