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Por — São Paulo

Um dos principais jornalistas especializados em música no planeta, Kelefa Sanneh é uma das primeiras atrações confirmadas da próxima Flip, a Festa Literária de Paraty, entre 22 e 26 de novembro. Uma das estrelas da revista New Yorker desde 2008 (após seis anos no jornal New York Times), ele vem ao Brasil por conta de seu “Na trilha do pop: a música do século XX em sete gêneros” (Todavia).

Nas mais de 500 páginas do livro, lançado em 2021 nos EUA, Sanneh passeia pelos últimos 50 anos de música popular americana, da crise do rock dos anos 1970 até a fragmentação do cenário popo e a explosão do streaming — que ele não vê como vilão, muito pelo contrário.

Na conversa com O GLOBO por videochamada, o inglês de 47 anos — que passou a infância na Gana de seu pai, imigrou ainda criança para a Nova Inglaterra e vive há décadas no caldeirão cultural do Brooklyn, em Nova York — fala da “obsessão” pela música do brasileiro Kevin o Chris, elogia o remix dos paulistanos do Deepakz para “Você me vira a cabeça”, de Alcione, sonha com uma parceria entre Anitta (“Ela é muito grande aqui nos EUA”, conta) e Kim Petras e se define como um “voyeur da música”. Faz sentido.

Qual o estado da música pop dos EUA hoje?

Vamos direto ao ponto? (risos). Ou posso dar uma voltinha antes? (risos) Entre quem se debruça sobre o pop, há uma tendência a ser pessimista, de ter sempre na manga uma era de ouro de 50, 30, 20 ou até cinco anos atrás. Mas será mesmo? O livro começa nos anos 1970, quando o rock’n’roll está completando, dependendo do ponto de partida, duas décadas. Elton John lançou em 1972 “Crocodile rock” dizendo “Me lembro de quando o rock era jovem”. Um ano antes, em “Rock and roll”, o Led Zeppelin dizia que “Faz tempo que eu não vivo o rock n’ roll”. Para eles, o rock estava decadente, e a única esperança era recuperar “o que perdemos”. Pois essa sensação segue durante todo o livro e acontece agora, de novo, na cena pop americana.

Com o hip-hop?

Sim. É, de longe, o gênero dominante nos EUA. Mas nunca a academia, os músicos, a mídia disseram o quão incrível aquilo era sem um “porém”. O que mais se ouve, se lê, há 50 anos, é “o hip-hop tem coisas interessantes, mas... e a ostentação, e a batida, e isso, e aquilo?”. E aí pense no quão difícil é se apreciar uma era de ouro quando se está no meio dela, sem saber. Por exemplo: como é que as pessoas hoje pensam naquele rock dos anos 1970? No que Elton e o Led estavam fazendo? O livro tenta olhar para o que se produz nos dias de hoje de forma menos saudosista, mais generosa.

E você gosta do que anda escutando?

Olho pros lados e vejo muita coisa interessante, estranha, cool, mutante. O próprio domínio do hip-hop nos EUA por tanto tempo é inesperado. Historicamente, a música pop negra sempre esteve num nicho. Isso acabou, ela permeia tudo. Pense no (rapper mexicano) Natanel Cano, que mescla hip-hop e corridos. E no (também mexicano) Peso Pluma. E no (o rapper porto-riquenho) Bad Bunny, que faz uma mistura com reggaeton. São campeões nas paradas dos EUA. Ouso dizer, inclusive, que estamos em uma era de ouro da música pop neste momento.

Quais atrações da música pop americana devemos ouvir já?

Ouçam já o rapper Kodak Black, que tem uma voz blues e letras originais. É imprevisível e vê o mundo de uma forma singular. “Pistolz & pearlz”, que ele lançou esse ano, é um disco para se entender onde o hip-hop está. O novo do Peso Pluma, “Génesis”, também. O som latino é cada vez mais central na cena pop americana, não mais segregado nas comunidades hispânicas. E é onde se dá a polinização maior do pop dos EUA. O country está renovado também, muito vivo, e um exemplo é o Morgan Wallen, de “Last night”. Seu “One thing at a time” é dos discos mais populares do ano aqui. É curioso como ele usa beats de hip-hop ao mesmo tempo em que culturalmente se identifica com o universo mais agro, conservador. Escrevi na New Yorker sobre a Kim Petras, ela faz um underground pop, que parece uma contradição em si, mas ela prova que não. E volto sempre a um de meus discos favoritos do ano passado, “Dragon new warm mountain I believe you”, do Big Thief, indie rock aqui do Brooklyn e bom exemplo de como a tradição de cantores e compositores de folk e rock influenciados por Dylan e outros grandes não secou.

E música pop brasileira? No livro, a única citação é sobre o funk carioca…

Que eu amo. Anitta é tão grande aqui, cara. Aliás, ela estava na mesma mesa que a Kim Petras no Baile de Gala do Met este ano. Fiquei mega curioso imaginando o que elas falaram, se vem uma colaboração daí. Falo pouco do Brasil no livro, que é focado nos EUA, mas escuto muito o pop feito daí. Ando obcecado por MC Kevin o Chris e por todos os sons que vêm do universo dele, não consigo parar de ouvir. O que é “Faz um vuk vuk (teto espelhado)”? Todo mês ele lança um clipe que amo mais do que o anterior. A coisa das batidas a 150 por minuto me parece uma reinvenção importante do funk carioca. Adoro. Não consigo entender de primeira o que ele tá falando, mas dá pra ter uma ideia (risos). Também adorei a versão do Deekapz pra “Você me vira a cabeça”, da Alcione, e estou louco para receber mais dicas da cena daí quando chegar ao Brasil.

Anitta — Foto: Michael Tran / AFP
Anitta — Foto: Michael Tran / AFP

O streaming não aumenta o risco de se ouvir, por conta do algoritmo, mais do mesmo?

Mas você não lembra como era difícil encontrar algo que fosse diferente do que o mercado queria que você ouvisse? Que você tinha de torcer para eles terem algo interessante na loja de discos? De que era difícil ultrapassar os limites do que se ouvia no rádio? Agora pense em como essa barreira diminuiu. Sei que muitos de nós sentem a perda da caça ao tesouro. Tudo bem. Mas é preciso celebrar o aumento do acesso. Concordo que é fácil se prender à sua bolha musical no streaming. É do jogo. Mas isso diz mais sobre essa pessoa do que sobre o streaming em si. Vamos pensar em Taylor Swift

Taylor Swift?

Sim. Ela tem uma audiência imensa, global, possibilitada pelo streaming. Parece paradoxal em um primeiro momento que todos estejam juntos ouvindo a mesma coisa quando há tantas opções, mas isso não é necessariamente excludente. As duas coisas acontecem ao mesmo tempo. Desejamos experimentar a comunhão de ouvir o que todo mundo está ouvindo, mas também de sermos singulares, de gostarmos daquilo que, inicialmente, só a gente conhece. E proponho que, mais do que nunca, as duas coisas são possíveis na música pop: humanidade e individualidade, o social e o antissocial.

Taylor Swift na Bienal do Livro: biografia ilustrada da cantora será lançada pela Sextante — Foto: Michael Tran / AFP
Taylor Swift na Bienal do Livro: biografia ilustrada da cantora será lançada pela Sextante — Foto: Michael Tran / AFP

Ele se tornou gigantesco, bebendo de todo tipo de música pop. Mas quando foi indicado pro Grammy disse “quero estar na categoria R&B”. Ele quer fazer parte, se identifica, com a comunidade do rhythm & blues, queria aquilo. E você não pode ter uma comunidade sem inclusão e exclusão. Algumas pessoas ficarão de fora, sempre, até o Justin. Amar música pop é inevitavelmente pensar de forma intensa sobre isso: quem está por cima e quem está por baixo? Quem é country mesmo, quem é R&B raiz? Isso não morreu, nem vai. A música pop segue importante e o algoritmo é só mais uma ferramenta nesta História.

Antes do algoritmo havia o jabá…

Exato. Olha quanta coisa nova surgiu recentemente, mesmo com o algoritmo. De bate-pronto penso no latin trap. Ou no amapiano, na África do Sul, que surgiu de uma variante jazzada das festas em que se tocavam house music, com tecladistas improvisando em cima. E outra coisa, pop music, por definição, é o encontro de música com o que se vende. A gente fica imaginando “ah, mas aquele DJ tinha naquela rádio uma liberdade de curadoria que não há mais”, mas, em geral, é uma ilusão, todas faziam, e não falo nem do jabá, pesquisa de audiência. Precisavam saber o que vendia. Defendo que hoje os definidores de gosto têm é menos poder. Isso, claro, incomoda muita gente, mas dá mais poder ao ouvinte e ao artista.

Como a coisa ficou melhor para o artista?

Olhe pra trás e você vai ver alguns artistas que ninguém imaginou que iriam explodir e ganharam o mundo. O próprio hip-hop surgiu assim. Hoje isso aumentou, e por conta de detalhe importante: as pessoas não são tão previsíveis quanto o mercado. “I just wanna rock”, de Lil Uzi Vert, um dos maiores hits de hip-hop deste ano, tem pouco mais de dois minutos de duração, um som estranho a princípio, nada similar a outros sucessos do gênero, e explodiu. E, em grande parte, por conta do algoritmo. Que te oferece não exatamente o que você gosta, mas o que demonstra gostar. Ele traduz seus hábitos. Não é tão diferente assim de comprar o vinil na loja destacado na parede como o cool do momento, mas um pouco menos pretensioso: em vez de comprar algo pra impressionar alguém, você está apenas clicando. Talvez seja um pouco mais honesto.

Após anos escrevendo sobre música, ainda se surpreende quando descobre o que as pessoas estão ouvindo?

Sim. Quase sempre. E aprendo muito, é educativo. A reação a uma faixa nova hoje, claro, está no mundo digital, notadamente nas redes sociais, no momento. E aí, claro, como escrevo, multiplicaram as críticas positivas.

Críticos de música como você ficaram, então, obsoletos?

Ou seja: vocês precisam de mim? (risos). No passado o crítico traduzia o som da música, te guiava sobre o que ele achava que você deveria ouvir mas não tinha acesso. Agora, na prática, todo mundo é crítico. Todos têm opiniões muito fortes sobre a música pop. E quer saber? Faz sentido. O mundo da música pop está mais fragmentado do que nunca e meu trabalho principal virou explicar às pessoas o que está rolando na cena musical, para além dos nichos. Sou pago pra mergulhar em universos, comunidades específicas, e contar pros não fãs como é aquilo. Nunca me interessei, aliás, em olhar pro palco e tentar me ver nele, mas justamente o contrário: sempre busquei o estrangeiro, o desconhecido, o outro. Menos em dar notas e mais em decifrar, traduzir a cultura, o fenômeno. Quase um voyeur da música.

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