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Por — São Paulo

David Grossman parece um pouco abatido quando surge na tela do computador. Mas não perde o bom humor:

— É difícil falar com você, hein? — diz, reclamando dos problemas de conexão que atrasaram a entrevista com um sorriso irônico no rosto.

Aos 69 anos, Grossman é um dos maiores escritores israelenses, autor de romances como “O inferno são os outros” (2016) e “A vida brinca comigo” (2022), publicados pela Companhia das Letras. Embora tente proteger sua ficção da política, nem sempre é possível manter o conflito entre Israel e Palestina fora da história. Em “O livro da gramática interior” (2015), ele narra pelos olhos de um menino a Guerra dos Seis Dias, de 1967, quando Israel ocupou territórios palestinos.

Grossman também é uma das vozes mais respeitadas da esquerda israelense e um soldado incansável da paz. Em 2006, quando seu filho foi morto pelo Hezbollah na Guerra do Líbano, foi a público e, ao lado dos escritores Amós Oz e A.B. Yehoshua, defendeu o cessar-fogo. Direcionou sua dor para a literatura e escreveu o romance “Fora do tempo” (2012).

Nesta entrevista ao GLOBO, Grossman explica por que não permitiu que o luto o desviasse do caminho da paz. Mas faz uma avaliação pessimista: os ataques do Hamas podem fortalecer ainda mais “os fundamentalistas, os fanáticos de Israel”.

Você já escreveu que “uma sociedade em crise forja um novo vocabulário para si usando palavras que já não descrevem a realidade, mas tentam ocultá-la”. Qual o papel do escritor em tempos de crise?

O único papel de um escritor é contar a história. Mas há escritores que querem decodificar a realidade em sua ficção. Quando a situação está empacada, pode vir a tentação de usar palavras congeladas, clichês. Mas um escritor tem um impulso quase biológico de escrever com palavras frescas. Sente claustrofobia preso nas palavras de outras pessoas. Precisa criar seu próprio dicionário. A escrita de ficção pode iluminar nossa situação se conseguir escapar da banalidade dos clichês, que levam a preconceitos e estereótipos. Dá um prazer quase físico libertar as palavras dos clichês e dar-lhes vida novamente, vê-las outra vez em contato com a realidade, respirando.

A que clichês você se refere?

Outra dia, disseram que os combatentes do Hamas nasceram só para matar judeus. Não. Eles nasceram como todos os seres humanos, mas se transformaram em terroristas devido a uma certa situação religiosa, política e econômica. O que estou dizendo não tira a responsabilidade do Hamas nem joga nos outros uma culpa que é deles, mas é preciso entender como eles se tornaram monstros.

Quando seu filho morreu, na Guerra do Líbano, em vez de exigir vingança, você foi a público pedir um cessar-fogo. Como impediu que a dor moldasse suas opiniões políticas?

Quando perdi meu filho, eu fervia de ódio e queria me vingar. Mas descobri que o ódio me impedia de me conectar com meu filho. Essa conexão já fica mais fraca a cada ano, então não vou permitir a meus inimigos acabar com ela ou moldar meu comportamento. Entendo o desejo de vingança. Mas vingança não é política, não muda nada, só cria sociedades dominadas pelo ódio.

Você defende um cessar-fogo em Gaza?

Sim, um cessar-fogo humanitário. Mas também quero que o Hamas seja punido pelo que fez. Nenhum país deve aceitar tamanho ataque a seus cidadãos.

Você já escreveu sobre os perigos de se tornar “prisioneiro da História oficial”. A literatura é um antídoto a esse perigo?

Sim. A literatura pode nos mostrar como funcionam os conflitos e como podemos nos tornar o outro sem abrir mão de quem somos ao nos ajudar a enxergar da perspectiva de outra pessoa. É um aprendizado que levamos para a vida. No meio de uma briga, lembramos que a mamãe também teve uma mãe que errou com ela, que a psicologia do papai é muito mais complicada do que imaginamos. Isso também vale para os conflitos entre comunidades. Se não quisermos que o conflito pelos palestinos siga entrincheirado, devemos permitir que eles se infiltrem em nossa mitologia. Não vamos perder nossa identidade, mas enriquecê-la a partir do contato com a realidade.

O conflito está sempre nas estrelinhas de romancistas israelenses, como Amós Oz e A.B. Yehoshua. E você, é claro. É possível proteger a ficção da política?

Desde que morreram Amós Oz (2018), A.B. Yehoshua (2022) e Meir Shalev (2023), me sinto órfão. Éramos um quarteto, e sou o único que sobrou. Eles gostavam de decodificar a realidade e transformá-la numa história que vale a pena contar. Às vezes, me sento para escrever e percebo que o que a realidade está escrevendo lá fora é muito mais extremo, profundo e louco. Então, sinto a necessidade de escrever para entender e de articular as palavras precisas para ajudar também o leitor a entender.

A Feira do Livro de Frankfurt cancelou uma homenagem à autora palestina Adania Shibli após os ataques do Hamas. Escritores e editores do mundo todo acusam o evento de silenciar vozes palestinas. Qual a sua opinião?

Com tudo o que está acontecendo, nem me lembrava da Feira de Frankfurt. Não posso comentar porque não sabia disso. Por princípio, defendo a liberdade de expressão e de criação artística.

Você conhece a literatura palestina?

Gostaria de conhecer mais. A relação entre escritores israelenses e palestinos floresceu nos anos 1990. Contra a vontade do governo de Israel, nós promovíamos encontros. O diálogo era maravilhoso, nos ajudava a compreender uns aos outros. Esses encontros acabaram por pressão de líderes palestinos.

Você ainda acredita na paz?

Não consigo responder agora. Se os líderes do Hamas forem punidos, há chances de aprendermos a coexistir com os palestinos. A brutalidade do que aconteceu coloca em dúvida a capacidade de Israel de conviver com os palestinos. Nos últimos anos, Israel baixou a guarda, acreditando que os acordos com os países árabes seriam suficientes para a paz. Mas esses acordos ignoram os palestinos, que vêm sendo massacrados pela ocupação. Os ataques lembraram os judeus do Holocausto e vão dar força aos fundamentalistas, aos fanáticos de Israel. Não posso dizer que estou otimista, mas vou repetir o que venho dizendo há 45 anos: não me dou ao luxo de me desesperar.

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