Livros
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Por — Rio de Janeiro

Cristina Rivera Garza, nascida em 1964, no México, vive desde 1989 nos Estados Unidos, onde construiu uma carreira como professora e escritora (de contos, poesia e não ficção). Em 2021, publica “O invencível verão de Liliana”, poderoso e inclassificável livro no qual conta a história do assassinato de sua irmã mais nova, Liliana Rivera Garza, ocorrido na madrugada de 16 de julho de 1990, na Cidade do México. O responsável pelo feminicídio, seu ex-namorado, Ángel González Ramos, fugiu logo depois do crime e nunca foi encontrado.

“No México, dez feminicídios são cometidos todos os dias”, escreve a narradora, posicionando o caso da irmã dentro de um aterrador contexto geral, que se perpetua por décadas: “Mulheres sempre à beira da morte. Mulheres morrendo e, no entanto, vivas. Com lenços amarrados no rosto e tatuagens nos antebraços e ombros, as mulheres reivindicaram o direito de permanecer vivas neste solo tão manchado de sangue, tão dilacerado pelos espasmos dos terremotos e da violência”.

O assassinato da irmã, e seu resgate 30 anos depois, exige uma reformulação dos protocolos que regem a escrita: a descrição das sensações e dos sentimentos é articulada com o registro preciso dos endereços das agências do Ministério Público, visitadas na tentativa de reabrir o processo de investigação; as cartas escritas pela irmã na infância, na adolescência e no início da vida adulta são resgatadas e transcritas no corpo da narrativa, mantendo sua heterogeneidade com o uso de tipografias distintas daquela usada pela narradora (projetadas pelo designer gráfico Raúl Espino Madrigal, com base na caligrafia de Liliana, de quem foi colega na Universidade Autônoma Metropolitana).

Para que o livro seja possível, Cristina Rivera Garza precisa inventar uma sucessão de universos alternativos construídos a partir de fragmentos de memórias, cartas, testemunhos: um universo no qual Liliana sobrevive porque troca de endereço ou de curso, ou que não vai estudar na Cidade do México; um universo no qual Cristina não vai morar nos Estados Unidos, não precisando, consequentemente, voltar 30 anos depois para investigar o assassinato da irmã; um universo no qual uma jovem mulher não precisa sentir medo de expressar os próprios desejos e vontades.

Não é apenas a ausência da irmã ao longo de 30 anos que precisa ser elaborada, mas a persistência da presença da irmã sobrevivente, o fato de Cristina ter continuado sua vida apesar e para além do crime.

Ao voltar ao México e iniciar seu relato e sua investigação, a autora descreve aquilo que se perde com a morte da irmã (seus gestos, seu sarcasmo, seu lindo e longo cabelo pesado) e aquilo que foi construído em sua própria vida ao longo dessas décadas.

Cristina retorna levando consigo uma carreira, livros publicados, lidos e ensinados, prêmios, projetos; é a partir desse ponto de vista que ela resgata o passado da irmã e da família, combinando um desejo de, finalmente, fazer justiça, com uma espécie de culpa latente por ter deixado tanto tempo passar.

As dúvidas e recriminações retrospectivas são confrontadas pelo pai de Cristina e Liliana, Antonio Rivera Peña, quando diz à filha que organiza o relato: “Eu dei muita liberdade a Liliana. Como dei a você. Sempre acreditei na liberdade, porque só em liberdade podemos saber do que somos feitos. A liberdade não é o problema. O problema são os homens”.

O foco do livro, portanto, está em Liliana e na marca que deixou naqueles que com ela conviveram.

Por conta disso, os momentos mais impactantes do livro são aqueles que transcrevem os testemunhos de pessoas entrevistadas por Cristina — colegas de universidade da irmã, em sua maioria.

Com um retrato armado a partir de múltiplas perspectivas, o leitor passa a conhecer e estimar Liliana, assegurando que ao menos a justiça da memória possa ser feita.

*Kelvin Falcão Klein é professor de literatura

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