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Em 1978, quatro anos antes de sua morte prematura, o escritor francês Georges Perec (1936-1982) participou de um projeto com o cineasta Robert Bober: registrar uma visita à Ilha Ellis, em Nova York, famosa por ter abrigado um centro de recepção e triagem de migrantes na virada do século XIX para o XX. “Foi numa quarta-feira, dia 31 de maio de 1978, que Robert Bober e eu visitamos Ellis Island pela primeira vez”, escreve Perec em um dos fragmentos que compõem o livro “Ellis Island”, lançado agora no Brasil na coleção Círculo de Poemas.

O livro é dividido em duas partes, sendo a primeira em prosa (“A ilha das lágrimas”) e a segunda em versos (“Descrição de um caminho”). Em paralelo à descrição dessa visita física dos dois protagonistas, Perec coloca em cena uma evocação dos fantasmas, das ausências e das incontáveis histórias inacessíveis que, para ele, configuram o ambiente da ilha. “Sob a frieza das estatísticas oficiais”, se pergunta Perec, “como reconhecer este lugar? Restituir o que foi? Como ler esses traços?”.

O escritor francês Georges Perec — Foto: Divulgação
O escritor francês Georges Perec — Foto: Divulgação

A força do poema de Perec está justamente em sua abertura para essas duas dimensões: de um lado, o presente daquele que evoca; de outro, o passado daqueles que desapareceram.

“O que eu, Georges Perec, vim indagar aqui é a errância, a dispersão, a diáspora”, escreve o poeta. Ele está interessado também no momento de nomeação, que ocorre nesse “lugar-despejo” em que “funcionários extenuados iam batizando americanos aos montes”.

Os nomes do passado se perdem e os nomes do presente são apresentados: Vladimir passou a se chamar Walter, um Skyzertski tornou-se Sanders, um Goldenburg tornou-se Goldberg, ao passo que um Gold virou Goldstein.

“Para mim”, continua Perec, “Ellis Island é o lugar por excelência do exílio, isto é, o lugar da ausência de lugar, o não lugar, o lugar nenhum”.

Deslocamentos e exílios

O breve livro “Ellis Island” oferece uma espécie de condensação dos principais temas da obra de Georges Perec.

Lendo seus versos e a breve introdução em prosa que prepara para o livro, encontramos a preocupação com os deslocamentos e os exílios, além da atenção permanente — tão característica de Perec — com os detalhes das vidas alheias, algo que ele capta tão bem naquela que é sua obra-prima, o romance “A vida modo de usar”, de 1978. Trata-se de uma narrativa inteiramente dedicada à vida em um prédio de Paris, mostrando, de forma minuciosa, cenas da vida cotidiana de seus moradores.

Recuando um pouco mais no tempo, encontramos a autobiografia ficcional de Perec, “W ou a memória da infância”, de 1975. Nesse belíssimo livro, Perec mescla memória e ficção, resgatando a história de seus pais, ambos mortos na Segunda Guerra Mundial — o pai, que era soldado, no fronte; a mãe, que era judia, nos campos de extermínio dos nazistas.

Certamente “W” pode ser visto como uma preparação de terreno para a realização do documentário sobre Ellis Island, que realiza o movimento de expansão do subjetivo em direção ao social e histórico.

Visitar a ilha levou Perec, como ele registra em seus versos, à noção de ser “estrangeiro a algo de mim mesmo”: “não falo a língua que meus pais falaram, não compartilho nenhuma das memórias que eles possam ter tido”.

Pensando sobre a história de vida de milhões de pessoas que passaram pela triagem do “país das oportunidades”, Perec reencontra as feições específicas de seu drama familiar, agora refletido em inúmeras possibilidades poéticas. Essa transformação de perspectiva, alcançada em uma viagem transatlântica, permite a realização desse livro luminoso, “Ellis Island” — levando o leitor também em direção à potência do legado artístico de Georges Perec.

* Kelvin Falcão Klein é professor de Literatura

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