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Por — Paraty (RJ)

Quando o telefone de Socorro Acioli vibra, um novo livro pode estar nascendo. Os amigos da escritora cearense, uma das atrações da 21ª Festa Literária Internacional de Paraty, vivem lhe mandando os casos mais fantásticos e absurdos sobre santos, igrejas, túmulos e outros elementos ligados à religiosidade nacional, a sua principal matéria-prima.

Seu último romance, "Oração para desaparecer", começou a se desenhar de forma muito vaga em sua mente em 2016, após ouvir a história de uma igreja em Almofala, no litoral do Ceará, que foi desenterrada das dunas em 1943.

Erguida com dinheiro da coroa portuguesa para a evangelização dos índios Tremembé sob o reinado de João V de Portugal, a construção havia passado 45 anos soterrada.

Pouco depois, Acioli deparou-se com uma crônica de Carlos Drummond de Andrade sobre Almofala, e que menciona o antigo caso de um padre agredido com um tamanco na cabeça por uma prostituta.

Juntando as peças, chegou à sua premissa. Uma mulher é desenterrada viva em Portugal. Ela desperta em uma cova e um país que são seus. Amnésica, ela não sabe a sua identidade, e não entende suas marcas de violência de seu corpo. A única coisa que se presume é que seja brasileira, já que fala português. Repleta de intertextualidades e com citações a escritores lusófonos como José Saramago e José Eduardo Agualusa, a narrativa liga a cultura e a literatura de Brasil e Portugal.

- O que me instigou foi imaginar uma aldeia de poucas casas , tendo uma duna enorme no centro de onde se ouviam músicas religiosas e o sino dobrando depois da meia-noite - conta a escritora, que participa hoje, ao meio-dia, da mesa "Já não agia por minha conta", com Felipe Charbel e Leda Cartum. - Esse absurdo dos homens, mulheres e crianças tentando desenterrar uma igreja. Tudo resumido na frase "a igreja enterrada".

Em sua pesquisa, Acioli estudou várias outras igrejas, mesquitas e templos enterrados mundo afora.

- Visitei uma cidade fantasma no deserto de Sharjah, nos Emirados Árabes - lembra. - E andei por cima de outra em Tatajuba, no Ceará. A areia sempre foi uma bela metáfora para a passagem do tempo.

Há muitas metáforas em "Oração para desaparecer", que empresta seu título nos ritos do povo Tremembé. Talvez nenhuma seja mais forte do que a língua portuguesa - único porto seguro da personagem.

- Sem saber, eu estava de acordo com o que meu amigo José Manoel Diogo tem tentado divulgar que é o conceito de Cidadania da Língua. A história da igreja já estava determinada a ter Portugal como parte importante, já que foi construída com dinheiro da Coroa Portuguesa - diz Acioli. - A língua portuguesa era a ancoragem de cada um desses modos de fazer literatura. E no fim, há uma influência grande da psicanálise que nos conduz a entender que a palavra é tudo que temos, de real. É pela palavra que a personagem perdida consegue retornar a si mesma.

"Oração para desaparecer" é lançado nove anos após o primeiro romance de Acioli, "A cabeça do santo". A história sobre um jovem com o dom de escutar as preces das mulheres foi inspirado no caso real de uma estátua de Santo Antonio abandonada em duas partes da cidade de Caridade, no interior do Ceará. Enquanto o corpo permanecia no alto de um morro, a imensa cabeça dormia no chão, sendo usada - e abusada - pelos moradores.

Absurdo como ponto de partida

Sucesso de público e crítica, o romance foi escrito em uma oficina ministrada pelo Nobel colombiano Gabriel García Márquez, que contou com apenas 10 alunos escolhidos por ele. O gênio de Aracataca, que morreu no ano de lançamento de "A cabeça do Santo", se tornou um mentor de Acioli. É difícil, aliás, não ver uma sintonia entre as histórias da cearense e o realismo fantástico do colombiano.

- O Realismo Mágico é um carimbo cheio de controvérsias e polêmicas - diz Acioli. - A maior delas é Carmen Balcells dizendo que foi um movimento inventado para vender livros. O que aproxima meus temas desses autores é o absurdo como parte da realidade, sendo tratado com algo natural. Só que isso não é difícil para quem vive no Nordeste e pesquisa histórias reais de cidades pequenas.

A escritora conta que não precisa fazer muito esforço para ter o absurdo como ponto de partida.

- Talvez precisemos de novas nomenclaturas. No Brasil, hoje, há muita gente escrevendo e publicando, é difícil ler todo mundo. Mas do que conheço, acho que minhas temáticas estão mais próximas dos livros de autoras da América Latina do que de livros brasileiros.

Tanto "A cabeça do santo" quanto "Oração para desaparecer" tiveram seus diretos vendidos para o cinema. O primeiro será dirigido por Joana Mariani, com roteiro de Natalia Maia. O segundo foi adquirido pela Amaia Produtora.

- Eu tenho meu elenco dos sonhos na cabeça, mas não significa que a diretora concorde com eles, terei de lutar para convencê-la - diz Acioli.

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