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Por — São Paulo

A professora Patricia O’Brien não se recorda do ano, mas é provável que tenha sido em 1964. Estava pesquisando na Biblioteca Nacional, no Rio, quando foi abordada por um homem que se apresentou como Carlos Drummond de Andrade.

— Ele disse: “Soube que você está pesquisando a minha poesia”. Sabia que os brasileiros são bem-humorados e imaginei que ele estivesse brincando. Não achei que fosse Drummond. Mas era! — conta por telefone a americana de 89 anos de sua casa em Nova Orleans, nos Estados Unidos.

Patricia preparava uma tese de doutorado sobre a poesia de Drummond e tinha recebido uma bolsa do Departamento de Estado americano para uma temporada de pesquisa no Brasil. Na época, os EUA temiam que o comunismo se espalhasse pela América do Sul e incentivavam acadêmicos a aprenderem português e espanhol e a estudarem a região. Ela desconfia de que algum funcionário da Biblioteca Nacional tenha alertado o poeta sobre a sua pesquisa.

— Drummond me convidou para visitar sua casa, me apresentou à esposa e me emprestou itens de seus arquivos, como textos que saíram em jornais. — lembra. — Ficamos amigos. Nos correspondemos até sua morte (em 1987).

A pesquisadora americana Patricia O'Brien, que se correspondeu com Carlos Drummond de Andrade — Foto: Christopher Dunn
A pesquisadora americana Patricia O'Brien, que se correspondeu com Carlos Drummond de Andrade — Foto: Christopher Dunn

Patricia defendeu seu doutorado em 1969 e enviou ao poeta uma cópia da tese, intitulada “O tema da comunicação humana na poesia de Carlos Drummond de Andrade”. Em dezembro, ele escreveu para agradecer. “Uma jovem norte-americana abalar-se de sua terra para vir cuidar, no Brasil, da obra de um poeta mineiro, jamais sonharia com tal coisa!”, afirmou. O itabirano passou a escrever para Patricia todo Natal. Junto das cartas, iam alguns poemas de ocasião, meditações sobre a passagem do tempo e a época do ano. A maioria deles é conhecida. “Neste dezembro, a estrada continua,/ Infinita, não deserta: povoada/ de seres, de projetos, de silêncios/ (restauradores) e de tudo mais/ que seja amor e formas naturais”, dizem os versos remetidos em 1972.

Mês passado, quando Patricia doou sua correspondência com o poeta à Biblioteca Latino-Americana da Universidade de Tulane, em Nova Orleans, duas coisas chamaram a atenção de Christopher Dunn, diretor do Departamento de Espanhol e Português: a gentileza de Drummond e um poema em que ele brinca com a estética do concretismo, movimento capitaneado por Décio Pignatari e pelos irmãos Haroldo e Augusto de Campos, que rejeitava a distinção entre forma e conteúdo e que valorizava a organização visual do texto.

Carta enviada por Carlos Drummond de Andrade à pesquisadora americana Patricia O'Brien em dezembro de 1970 — Foto: Biblioteca Latino-Americana da Universidade de Tulane (EUA)
Carta enviada por Carlos Drummond de Andrade à pesquisadora americana Patricia O'Brien em dezembro de 1970 — Foto: Biblioteca Latino-Americana da Universidade de Tulane (EUA)

Brincadeira natalina

Em 1970, Drummond enviou para a “cara amiga Pat O’Brien” um poema escrito em cores natalinas e organizado em duas estrofes (acima). Na primeira, os versos são formados por palavras que começam com N (nácar, náide, napeia, nardo); na segunda, com A (alba, alva, alma). Consultado, o pesquisador Pedro Corrêa do Lago revelou que sua coleção guarda um poema quase idêntico, enviado ao bibliófilo Carlos Alberto Passos também no Natal de 1970, e exibido pela primeira vez ao público no ano passado, na exposição “A magia do manuscrito”, no Sesc Avenida Paulista. Apenas o penúltimo verso é diferente: “Áurea núpcia” em vez de “Alegre nume”.

O jornalista Humberto Werneck, que prepara uma biografia do poeta, descobriu que esta mesma versão foi remetida à crítica de arte Lélia Coelho Frota e a seu filho recém-nascido, João Emanuel Carneiro, hoje autor de novelas. Drummond às vezes reciclava dedicatórias e saudações natalinas. Em 1977, Patricia O’Brien recebeu o mesmo poema que Jorge Amado e Zélia Gattai: “Quantas rosas se perdem/ se perdemos a ideia/ de rosa./ Quanto azul descolore/ em nosso esquecimento/ de azul./ Quantas horas não chegam/ se negamos à hora/ de esperar”.

Para Werneck, não dá para rotular de “concreto” o poema natalino. Drummond torcia o nariz para os concretistas. Em 1957, registrou em seu diário seu “desinteresse pela onda concretista”. “Nunca vi tanto esforço de teoria para justificar essa nova forma de primitivismo, transformando pobreza imaginativa em rigor de criação”, anotou. Na nota de abertura de “Lição de coisas” (1962), para se distanciar dos concretos, explicou que praticava “a violação e a desintegração da palavra, sem entretanto, aderir a qualquer receita poética vigente”.

Werneck entende que o poema natalino reflete o gosto de Drummond pelo desenho e pelos versos de circunstância — o mineiro chegou a ilustrar a capa de “Itinerário de Pasárgada”, de Manuel Bandeira (que certa vez arriscou um poema concreto que o amigo reprovou).

— Drummond não era muito da construção cerebral do poema. Dizia que, sem inspiração, não há nada — afirma Werneck.

Professor da USP e autor de “Maquinação do mundo: Drummond e a mineração”, José Miguel Wisnik considera o poema natalino “uma brincadeira, aproximando-se de um acróstico”, nada a ver com concretismo. Pedro Corrêa do Lago supõe que o autor de “Sentimento do mundo” tenha rabiscado os versos à moda concretista para se desafiar, “mas qualquer coisa vinda de Drummond é fascinante”.

Não era incomum que Drummond caprichasse nas dedicatórias e se correspondesse com leitores e leitoras. No entanto, ao examinar as cartas enviadas a O’Brien, Christopher Dunn, de Tulane, se surpreendeu com a modéstia do mineiro, que não cessava de agradecer a americana. “Não é todos os dias que a gente experimenta uma emoção tão viva como a que você me proporcionou, fazendo-me objeto de sua tese de doutorado”, admitiu em 1969. “É uma alegria para mim saber que minha poesia continua a merecer sua carinhosa atenção”, escreveu em 1974. Três anos depois, expressa mais gratidão por Patricia continuar “dedicando seu bondoso interesse à minha poesia”.

— Naquela altura, Drummond já era poeta-mor do Brasil, traduzido para inglês por ninguém menos que Elizabeth Bishop! Por que seria tão extraordinário ser procurado por uma doutoranda americana? Seria por gentileza que escreveu este agradecimento? Ou seriam palavras sinceras de “um poeta mineiro” lisonjeado com a atenção? Ou as duas coisas? — especula Dunn.

Carta de Carlos Drummond de Andrade à pesquisadora americana Patricia O'Brien em dezembro de 1977 — Foto: Biblioteca Latino-Americana da Universidade de Tulane (EUA)
Carta de Carlos Drummond de Andrade à pesquisadora americana Patricia O'Brien em dezembro de 1977 — Foto: Biblioteca Latino-Americana da Universidade de Tulane (EUA)

Tese pioneira nos EUA

Quando Patricia escreveu sua tese sobre Drummond, já havia uma extensa bibliografia sobre sua obra, como ela indica no texto. Faltava, porém, “uma avaliação adequada de sua poesia e de sua evolução”. Patricia tomou para si a tarefa e investigou como o tema da comunicação humana aparece na obra do brasileiro: “Primeiro, como aposta no amor sensual; depois, no amor fraternal; e, por fim, na introspecção, após tomar consciência da solidão constitutiva do homem”. A americana fala um pouco de português, mas não se lembra mais da razão que a levou a estudar Drummond.

— Nunca fui fascinada pela poesia em língua inglesa. Drummond foi o primeiro poeta que li e senti que entendia, que tinha a ver comigo. Eu ia até escrever um livro sobre ele, mas não deu certo — conta. — Nunca mais o encontrei. Era muito atencioso, fez de tudo para me ajudar. Era o homem mais gentil do mundo.

Em sua tese, Patricia expressa sua “profunda gratidão” a Drummond , “cuja hospitalidade e interesse neste trabalho foram de valor inestimável” — como atesta a correspondência natalina entre a pesquisadora americana e o poeta mineiro.

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