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É muito interessante encontrar obras que se dedicam a temas tratados como tabu. A maternidade, constantemente vista pela sociedade de maneira celestial e incontestável, tem sido destrinchada em análises de autoras de diferentes origens, que se propõem a questionar as idealizações em torno do ato de ser mãe e, desta forma, despertar debates construtivos sobre o assunto.

É através desse olhar desromantizado da maternidade que o leitor se conecta com os intensos relatos oferecidos pela narradora de “Essa coisa viva”, romance da escritora e professora mineira Maria Esther Maciel, que já assinou outras ficções notáveis como “Pequena enciclopédia de seres comuns” (2021) e “O livro dos nomes” (2008).

Nesta crônica familiar que reúne memórias embebidas ao luto, a autora assume (de forma muito convincente, diga-se) a persona de Ana Luiza, uma botânica de renome internacional. Ela rememora seu passado através das “coisas” (objetos, animais ou alimentos) para, assim, construir uma narrativa moldada tal como uma longa carta, igualmente sentimental e espinhosa, para a falecida mãe, Matilde. Assim, exerce uma espécie de terapia literária para compreender a relação tóxica, “essa coisa viva” e latente, que teve com a mulher.

Desconstruir o ideal de maternidade prova-se uma decisão ousada de Maria Esther, afinal, os abusos domésticos geralmente são associados aos pais e não às mães.

Capa do livro 'Essa coisa viva', de Maria Esther Maciel — Foto: Divulgação
Capa do livro 'Essa coisa viva', de Maria Esther Maciel — Foto: Divulgação

Nenhuma genitora, porém, é perfeita. Em muitos casos, as crianças sofrem com criações problemáticas e acabam carregando um punhado de feridas não cicatrizadas ao longo da vida — “Já viu que quase todas as minhas idiossincrasias advêm de seus excessos, exigências e restrições?”, pergunta a narradora em determinado momento.

Ana Luiza era negligenciada, humilhada e manipulada, majoritariamente, na infância e na adolescência. Junto com os castigos, levava fortes chineladas ou era obrigada a ajoelhar no milho. Também sofria discriminações e era ofendida por sua aparência. No capítulo “Sapatilhas e vidros de remédios”, por exemplo, sabemos que, quando a garota encontrou conforto nas aulas de dança de salão, teve as sapatilhas confiscadas pela mãe e foi proibida de seguir dançando porque tal atividade estaria deixando-a magra como uma “tábua” e que nenhum homem iria querê-la daquele jeito.

Fica claro que Matilde, sufocada em seu amargor, nunca superou as traições do marido, que consequentemente a deixou para casar-se com outra mulher. Além disso, ela tinha distúrbios mentais, chegando a ser internada para tratamento psicológico, e foi dependente dos filhos até o fim da vida, o que impossibilitou Ana Luiza de cortar totalmente os laços com ela.

A protagonista, por sua vez, transmite fragilidade e apresenta sentimentos ambíguos em relação à mãe. Ora sente-se culpada e esboça algum tipo de carinho, ora externa ojeriza e ódio — mérito da autora em evitar uma personalidade unidimensional e situar contradições que convidam o leitor ao cerne deste relacionamento instável e recheado de complexidades.

Quando soube da morte de Matilde, Ana Luiza estava fora do Brasil e não chegou a tempo do enterro. Logo, foi justamente através desta carta que ela compreendeu: para tentar superar todos aqueles traumas, seria imprescindível encarar o luto e despedir-se definitivamente da mãe que ela, na verdade, jamais teve.

* Gabriel Zorzetto é jornalista

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