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Por , Especial para O GLOBO

O escritor, crítico e professor argentino Alberto Giordano construiu, nas últimas décadas, uma obra dedicada à reflexão sobre os pontos de contato entre literatura e vida. Por conta disso, publicou ensaios que analisam diários, escritas autobiográficas e variadas modulações das narrativas íntimas. Seu livro mais recente, “Com Barthes”, reforça este percurso, mas com duas peculiaridades dignas de nota: está centrado em um único “objeto de estudo” (o escritor Roland Barthes, 1915-1980) e, em paralelo, narra a transformação do próprio crítico. A última seção do livro, por exemplo, apresenta “anotações em um diário”, ou seja, os bastidores do trabalho intelectual.

“Com Barthes” mostra a trajetória de um leitor que se converte em escritor a partir da convivência com uma obra que ama e que o desafia. Trata-se de um livro que argumenta — de forma muito convincente — que Roland Barthes é um escritor que extrapola o círculo imediato de sua área de trabalho: a crítica literária e cultural, e a atuação pedagógica na universidade.

Barthes é um exemplo de leitor comprometido com o uso criativo da literatura e da cultura. Giordano mostra que a leitura dos textos de Barthes torna possível uma transformação que é tanto ética quanto estética.

“Deslocando o problema da moral para a ética, da representação para o excesso”, escreve Giordano, “Barthes conclui que o social não é um fim para a literatura, porque já faz parte de seu começo”. A experiência da literatura, em outras palavras, é uma “resistência” à “vontade de domínio que os discursos exercem”.

Giordano é muito preciso na radiografia que faz da obra de Barthes, mostrando a complexidade de seu percurso intelectual e sua liberdade de movimentos, já que experimentou com muitas formas e discursos.

Pontos de contato

Barthes publicou um livro sobre a moda (“Sistema da moda”, 1967), outro sobre a publicidade (“Mitologias”, 1957), um relato ensaístico sobre o Japão (“O império dos signos”, 1970) e um diário a respeito da perda de sua mãe (“Diário do luto”, lançado postumamente em 2009).

Por conta dessa amplitude de interesses, é possível dizer que qualquer leitor pode encontrar algum ponto de contato com a obra de Barthes.

Giordano defende a ideia de que Barthes é generoso com aqueles que procuram suas páginas, oferecendo sempre vias de escape e linhas de fuga (textos, referências, imagens, fofocas) para aqueles que querem se aprofundar ou, simplesmente, seguir a leitura em outras direções. Barthes encontra um princípio, escreve Giordano, “para apreciar a dinâmica do processo que exige que a literatura conteste a si mesma para sobreviver como experiência de busca”.

Em tempos de certezas absolutas e intransigências variadas, “Com Barthes” mostra também que seu protagonista apresentava outra bem-vinda lição: o pensamento floresce na mudança de ideias e perspectivas, pois o diálogo com o outro pressupõe sempre uma abertura em direção ao desconhecido (em suas múltiplas versões: o novo, o recalcado, o estrangeiro).

É por essa chave emancipatória que Giordano lê as variações dos projetos que Barthes acalentou ao longo da vida — talvez o principal deles seja o romance nunca escrito, “Vita Nova”, que Barthes comenta em seu último curso, “A preparação do romance”.

“Só quem está ligado ao exercício da escrita por laços afetivos intensos pode cortejar o fantasma da impossibilidade de escrever”, anota Giordano, falando não apenas de si e de Roland Barthes, mas de todo potencial leitor que, um dia, tentou organizar suas impressões.

Aqui está um dos traços mais significativos de “Com Barthes”: retira a escrita do pedestal, mostrando sua condição de trabalho cotidiano, ao mesmo tempo em que valoriza sua singularidade, sua capacidade de transformar visões de mundo.

‘Com Barthes’
Autor: Alberto Giordano. Tradução: Diogo de Hollanda e Paloma Vidal. Editora: Papéis Selvagens. Páginas: 120. Preço: R$ 60.

Kelvin Falcão Klein é professor de Letras

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