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Por — São Paulo

A escritora espanhola Rosa Montero, de 73 anos, diz que sempre soube que alguma coisa dentro de sua cabeça não funcionava direito. Dos 17 aos 30 anos, sofreu com ataques de pânico e crises de angústia desnorteantes. Com o tempo, percebeu que “ser estranho não é nada estranho”, como escreve em “O perigo de estar lúcida”, seu último livro. Além disso, imaginação viva e jeito com as palavras com frequência andam juntos com algum desequilíbrio mental, conforme atestam as trajetórias de escritores como Virginia Woolf, William Faulkner e Sylvia Path (além da própria Rosa).

Em “O perigo de estar lúcida”, ela tenta responder, com o auxílio da arte e da ciência, a uma pergunta que havia tempos martelava em sua cabeça: existem conexões entre criatividade e transtornos psíquicos? Descobriu que sim: um estudo da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, afirma que escritores têm o triplo de chances de desenvolver depressão e o quádruplo de ter transtorno bipolar.

No livro, Rosa explica como os cérebros dos loucos e dos artistas se parecem e revisita a vida e a obra de escritores mentalmente instáveis — dedica até um capítulo aos suicidas, como Ernest Hemingway, Vladímir Maiakóvski e Yukio Mishima.

Jornalista experiente e autora celebrada de títulos como “A ridícula ideia de nunca mais te ver”, na qual combina o luto da cientista Marie Curie à sua própria dor após perder seu companheiro de 21 anos, Rosa disse ao GLOBO que a cabeça dos dentistas também não funciona bem, contou que seus ataques de pânico passaram quando ela começou a escrever romances e explicou por que não gosta de dar entrevistas.

Por que você diz que “O perigo de estar lúcida” é o livro da sua vida?

Porque neste livro eu procuro respostas para perguntas que rondavam minha cabeça desde menina. Por que os escritores escrevem? Por que nos fechamos em casa por meses, por anos, escrevendo mentiras? Que relação o transtorno mental tem com a arte e, em particular, com a escrita? E com as outras profissões? O que é o que entendemos por realidade? Como realidade e fantasia se misturam? Tentei responder tudo isso neste livro, que foi uma conquista intelectual e vital para mim.

E há uma relação entre loucura e criatividade?

A cabeça daqueles que se dedicam à criação artística, sejam os resultados bons, sejam ruins, é diferente da do restante da população. Nossa cabeça não terminou de amadurecer. O cérebro humano só termina de amadurecer lá pelos 30 anos. Até o início da adolescência, nosso cérebro é hiperconectado. Na puberdade, conexões neurológicas inúteis são podadas, o que contribuiu para a sobrevivência da espécie, permitindo ao cérebro se concentrar na caça de mamutes e na busca por um parceiro para procriar. Mas em cerca de um quarto da população essa poda de conexões aparentemente inúteis não ocorre. Essas são as pessoas com problemas mentais e as pessoas criativas, não só artistas, mas também, penso eu, leitores apaixonados, que continuam tendo a imaginação de uma criança.

Já é comum que jovens incluam seus transtornos mentais em seus perfis nas redes sociais. Não é perigoso transformar um transtorno mental em uma identidade?

Um diagnóstico pode ser libertador. Muitas pessoas que sempre se sentiram estranhas conseguem se entender ao descobrir que têm um transtorno. Por outro lado, um diagnóstico também pode ser uma prisão, uma profecia autorrealizável. Quando uma pessoa muito jovem recebe a etiqueta de um transtorno mental, ela pode se obrigar a cumprir esse destino. Por isso é tão importante falar de saúde mental. É melhor postar nas redes sociais como você está se sentindo do que não falar nada e, aí sim, viver numa prisão. Transtornos mentais são doenças do corpo como quaisquer outras, e é importante normalizar isso.

Então os artistas são todos “loucos”?

Ser “louco” não faz de ninguém artista. Pelo contrário, pessoas que sofreram graves crises mentais deixaram de ser artistas, como (Robert) Schumann (compositor alemão) e (Friedrich) Hölderlin (poeta alemão). Artistas têm maior tendência a problemas mentais, mas isso também ocorre com outras profissões. Sabe quais são os profissionais que mais cometem suicídio? Os dentistas. E eles não parecem loucos, né?

Dos artistas loucos mencionados do livro, de qual você mais gosta?

Eles não são loucos. Prefiro defini-los como pessoas que tiveram problemas para viver. Tenho muito carinho por Janet Frame, a autora neozelandesa que foi diagnosticada erroneamente com esquizofrenia aos 20 anos e passou uma década internada em um hospital psiquiátrico. Levou 200 eletrochoques! Na época, não se usava anestesia, e a intensidade dos choques podia causar contrações que quebravam as vértebras dos pacientes. Mas ela escapou de lá e criou uma vida razoavelmente feliz. Disse até que o irmão foi mais infeliz que ela.

Você escreve: “Quando se sofre de um transtorno mental, a primeira coisa arrancada de você é a palavra”. Escrever é lutar contra a loucura?

Escrever sem dúvida ajuda. Não só porque você cria uma linguagem própria, mas também porque encontra leitores que compartilham dessa mesma linguagem. Parei de ter ataques de pânico aos 30 anos, e creio que foi porque nessa época comecei a publicar romances. Escrever é colocar em palavras um abismo que há em nós. Você pega essas palavras, faz um livro, ele é editado e encontra leitores que te dizem: “Isso que você sente, eu também sinto”. Assim, somos como que costurados de volta à realidade, salvos dessa solidão psíquica que é a loucura, essa sensação de não pertencer à espécie humana, de estar fora do mundo.

Como foi a recepção de “O perigo de estar lúcida”?

De todos os meus livros, esse é o que teve a resposta mais apaixonada. Tem sido uma viagem extraordinária. Os leitores me dizem que se identificaram e conseguiram reconhecer coisas que nunca tinham contado a ninguém. Ouvi histórias maravilhosas e muito divertidas. Ri e chorei muito com eles.

Você já fez mais de duas mil entrevistas. Qual é o segredo de uma boa entrevista?

Faz anos que não entrevisto ninguém. Cansei. A chave para ser um bom entrevistador é a curiosidade radical pela outra pessoa, que ultrapassa ideias preconcebidas, uma avidez para entender a cabeça do outro. Uma entrevista é uma viagem em direção à cabeça do outro. Se você mostra uma curiosidade verdadeira, o outro se abre, porque todos queremos ser escutados. Também é importante se preparar, pesquisar, ler. E caprichar no começo da entrevista, porque é isso que vai dar o tom de toda a conversa.

A experiência de entrevistadora ajuda a romancista?

Me ensinou a escrever diálogos. Entrevistadores sabem conversar. A transcrição exata do que o outro disse nunca soa natural. Um bom entrevistador sabe escrever uma versão ao mesmo tempo literária e fiel ao que ele escutou.

E você gosta de dar entrevistas?

Fui entrevistadora por 50 anos e sou entrevistada há 42. Não gosto de dar entrevista. Acho chato. Porque você sempre se repete e raramente aprende algo novo. Mas tem uma coisa curiosa: aprendo muito sobre meus livros nas primeiras entrevistas que dou depois do lançamento, especialmente se os jornalistas são bons. Nessas entrevistas, começo a olhar meu livro de fora e entendo que escrevi.

Você transita por vários gêneros literários. Seria um modo de dar voz aos seus vários “eus”, como você diz em “O perigo de estar lúcida”?

Isaiah Berlin (filósofo russo-britânico) disse que existem o escritor porco-espinho, que vivem enrolados em si mesmos, escrevendo sempre o mesmo livro, e o escritor raposa, que vaga pelas planícies em busca de novos horizontes. Eu sou uma raposa da ponta do nariz até o rabo. Não gosto de me repetir. Um escritor sempre escreve sobre suas obsessões. A cada livro, tento encontrar uma forma mais exata, mais profunda, mais original, de me aproximar dessas obsessões. Assim eu aprendo. Escrevo para aprender. Não quero ensinar nada.

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