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Há livros que metem medo logo de cara. Veja o caso deste “Teu sangue vermelho na minha parede”. A arte é bacana, mas o título pode parecer meio assustador — e tudo piora quando indica que se trata de um “metarromance epistolar”. Sabe-se lá o que é isso? Tem gente que, na dúvida, não encara. Mas a verdade é que ele vale quanto pesa. No mínimo, pela tranquilidade com que o autor, Baga Defente, segura a narrativa até o fim, ousando apresentar um jeitão polifônico de narrativa — sabe-se lá o que é isso.

Assumidamente influenciado pelo norueguês Karl Ove Knausgård, que rodou o mundo graças às quatro mil páginas da sua monumental série autobiográfica “A minha luta” (Companhia das Letras, 2015), o escritor de Botucatu (SP) parte de sua história recente para ruminar o passado e seus fantasmas. Até aí, nada de muito diferente de inúmeras obras de autoficção — fórmula que, por sinal, está bem batida (como tantas).

Já o enredo que puxa a ópera toda é um velho conhecido: um simples pé na bunda (“simples” quando não é com a gente, claro). Como fazer algo novo a partir desse assunto, mais antigo que a Bíblia? Há algo que ainda mereça ser dito a respeito sobre o fim do amor, a ressaca da perda, negação, barganha, depressão e renascimento? Na superfície, é disso que o livro fala. E a literatura é o caminho que o narrador encontra para a redenção. “Você fazia parte da minha vida, meu coração estava tranquilo, eu não precisava escrever”, justifica ele.

A questão de “Teu sangue vermelho...”, portanto, é que sua novidade não está exatamente no conteúdo, mas na forma. Com muita habilidade, Baga Defente abre mão das linhas retas e vai surfando entre vários gêneros, de acordo com os altos e baixos do ânimo de Leônidas, o narrador. Não há regras: ele parte de poesias, entra na prosa, insere monotipias aqui ou ali, volta à poesia — e transcreve até sessões de regressão, cartas ou trocas de WhatsApp.

Leônidas, logo se vê, é um sujeito sinceramente apaixonado pela mulher. Mas os dois se distanciam com o longo tempo de convivência (quase quatro anos!), e ela dá fim ao relacionamento.

Tem horas que dá pena, e certamente há quem se identifique muito com a situação. Por outro lado, haverá também quem certamente apenas comente, com um sorrisinho maroto: “Bem-feito pra você, seu machinho alfa e mimado.”

Leônidas merece respeito. No mundo das sentimentalidades, a verdade é apenas um ponto de vista, e ele ao menos tem coragem para registrar esse seu ponto de vista pessoal e intransferível. É raro que escritores héteros, sempre tão superiores a tudo e todas, rasguem seu coração em público. E o Leônidas é sincero até na autocrítica: ele próprio fala, a certa altura, em “chorume sentimental de macho branco ocidental”. Exagero.

O negócio é que, diferentemente do “eu-lírico” do bruto Karl Ove Knausgård, Leônidas tem sangue latino. Sofre mesmo, faz de tudo para reconquistar LL, mas não rola. Não falta honestidade ao narrador. Como todo ser apaixonado, é um sujeito meio sem noção, e talvez por isso a recuperação demore tanto. Mas aos trancos ele vai em frente — até que um dia descobre não ter mais pânico de ser feliz no futuro. Ou será só impressão?

Enfim, este é um resumo deveras sucinto de um livro com boas sacadas literárias, pensamentos curiosos e, sobretudo, tesão criativo para retratar um momento de desgosto e dor de corno, alternando dias que renderiam tanto o melhor rock and roll quanto os mais devastadores boleros.

E é costurando seus retalhos que Defente vai compondo e encorpando a tal polifonia. A obra tem vários movimentos e ritmos, seguindo as idiossincrasias do maestro. O autor tem consciência de que a coisa toda pode até não ser nova, mas tem que ser palatável aos ouvidos e respeitar uma lógica interna, como numa música. “Vê se entende o meu grito de alerta”, diria Gonzaguinha. “O teu amor é uma mentira que a minha vaidade quer”, rebateria Cazuza.

Certo é que Leônidas-Defente rasga seu coração em público como bem entende. Assim, deixa de ser “apenas” um escritor — o que jamais seria pouco — para apresentar-se como um criador sem medo de limitações impostas pelas formas narrativas ou pela caretice da crítica suprema.

Alguém poderia dizer que há excessos aqui ou ali. Que alguns trechos poderiam ser mais concisos etc. Mas estamos falando de um metarromance sobre um período da vida em que tudo que não seja o objeto de desejo é simplesmente... excesso. Não deixa de ser coerente.

Pois fica a dica: quem vê capa não vê coração. Trata-se de um trocadilho odiento, mas, neste caso, é a pura verdade.

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