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Com uma lupa em mãos, uma médica percorre os sulcos e dobras do assoalho de uma casa antiga. Revista frestas, cavidades, abre gavetas e portas de armários fechados há muito. Sacode roupas, revira cômodos, não descansa a vista enquanto acha comprimidos, cartelas, pílulas suspeitas que só poderiam ter sido compradas com receituário especial. Desde que a avó se suicidou, Olívia busca entender o que levou a senhora à situação limite. Os fármacos, estocados em abundância na residência, podem estar ligados à motivação, embora sejam apenas uma parte de um quebra-cabeças mais complexo.

Em “As herdeiras”, a basca Aixa de la Cruz percorre três gerações de uma família “de mulheres”, cujo ramo de varões sempre padeceu precocemente. Estando o sexo masculino condenado às mais diversas enfermidades que acometeram tios, filhos, primos e avôs, nascem questionamentos sobre a sina que recai sobre os homens e o fardo que ganham as mulheres. Solitárias, donas de uma genética peculiar, quatro primas se reúnem na casa da avó falecida para inventariar os bens que ali ficaram.

Ao longo do processo, uma série de questões sobre espiritualidade, bruxaria e culpa vai atravessar o cotidiano das moças. Enquanto Olívia cataloga itens e fica com o peso dos trabalhos domésticos, Nora, sua irmã, uma jornalista freelancer que sempre está em apuros financeiros, recebe uma proposta inusitada de seu traficante. Ao mesmo tempo que tenta largar o vício em drogas, estar no interior com a família pode ser o primeiro passo para se desintoxicar.

Já Érica tentar projetar na casa uma possibilidade de futuro. Imagina construir ali uma espécie de pousada hippie para viajantes, onde vai poder dar aulas de ioga, fazer terapias naturais e plantar cogumelos. Ela anda pelo terreno e, tão logo, dá de cara com o pequeno Peter, seu sobrinho de 2 anos e 7 meses, que já fala, corre e questiona. Filho de Lis, sua irmã que teve um colapso nervoso, o menino tem um possível transtorno de personalidade. Acredita ser um tal Sebastián, a possível reencarnação de um espírito antigo. Naquela casa coisas estranhas acontecem e essa é uma das situações, digamos, corriqueiras do fim de semana.

“Aqui ninguém pergunta nem explica nada. Normalizam o inquietante como em um sonho”, narra a autora, que aproxima a realidade do mistério quando afirma que “a ficção permeia, torna-se corpo naquele espaço mudo entre a vigília e o sono pelo qual há muito tempo transita”.

Poderes clarividentes

Dona Carmen, a avó, por muitos anos viveu nessa fenda entre dois mundos. Considerada uma bruxa pelas mulheres do vilarejo, a senhora alimentou a cultura da superstição que atiça até a neta cardiologista. Ao longo da trama, Olívia recebe alguns poderes clarividentes que põem em xeque preceitos básicos da medicina tradicional.

“A avó as convencia de que não há finais abruptos, de que esta vida é a causa da próxima, de que nada permanece e algo sempre permanece, e isso as mudava. Por que acabou fazendo o contrário do que sempre havia pregado? Por que seus remédios espirituais se esgotaram e acabou recorrendo às drogas de laboratório?”

São mulheres à beira de um ataque de nervos. Uma premissa almodovariana com toque de misticismo, fruto das férias forçadas da autora em uma casa do vilarejo espanhol de Olmos de la Picaza, durante a pandemia de Covid-19. Ali, onde não mais que algumas centenas de habitantes resistem ao tempo, Aixa de la Cruz aprendeu a importância dos remédios silvestres, das superstições e criou um microcosmo onde uma profissional de saúde “convive com uma alcoólatra, uma anoréxica e uma psicótica sob o teto de uma octogenária que cortou os pulsos. Parece piada, mas é sua família”, narra.

Entre salsa, cicuta e ramos de burundanga, que crescem não muito longe da casa, as personagens têm suas perspectivas intercaladas em subcapítulos. São sempre quatro olhares sobre um mesmo fato. Desta forma, a autora molda o real emaranhado na ilusão, pois ambos são indissociáveis ali. A lucidez convive com a fantasia. Seja pela elevação da alma em um ritual, seja pelo estado alterado do corpo após o consumo de plantas alucinógenas, como fez a americana Ottessa Moshfegh em seu romance “Meu ano de descanso e relaxamento”, cuja protagonista vive num limbo de uma mente calejada por tarjas preta.

Entre carmas, cartas de tarô e sessões de reiki, Érica se inspira em Dona Carmen, que “superou as sucessivas mortes do marido e do filho sem maiores alaridos do que aqueles causados por suas reuniões de espiritismo, aquelas noites em que mulheres de toda província vinham para vê-la suspensa no ar com a ajuda de um par de dedinhos sob as axilas”. Assim como Olívia, que lembra do espanto de quando se estabelecia contato com os mortos. No livro, esta conexão com o mundo espiritual é uma via de respostas. Uma peça-chave que pode soar absurda para a geração das meninas, de 30 e poucos anos, tão tecnológica e medicada, mas soa como música para o ouvido dos antigos.

Matheus Lopes Quirino é jornalista

‘As herdeiras’

Autora: Aixa de la Cruz. Tradução: Marina Waquil. Editora: DBA. Páginas: 308. Preço: R$ 72. Cotação: bom.

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