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Por — São Paulo

Foram dois tios brasileiros do quadrinista francês Matthias Lehmann que inspiraram a graphic novel “Chumbo”. Um deles era o autor de “Hilda Furacão”, Roberto Drummond, cuja militância de esquerda lhe causou problemas na ditadura militar — a revista que ele editava em Belo Horizonte, chamada Alterosa, foi fechada após o golpe de 31 de março de 1964. Outro tio, Juan, tinha saudade da ditadura. Já nos anos 2000, ele aproveitava as visitas do sobrinho para levá-lo a um botequim onde o público lamentava que os militares tivessem deixado o poder.

Os dois emprestaram suas opiniões políticas (mas não suas biografias) aos irmãos Severino e Ramires, protagonistas da HQ. O primeiro aposta na guerrilha e sente na pele a violência do regime (no livro, ele é cobaia da aula de tortura dada por um inspetor a uma plateia excitada). O segundo associa-se a grupos de extrema direita. Em preto e branco, “Chumbo” conta o antes, o durante e o depois da ditadura. Começa em 1937 mostrando como o integralismo influenciou as elites nacionais; retrata o acirramento político nos anos 1960, o golpe e os períodos mais sombrios do regime; narra a redemocratização; e termina em 2005.

Lançado na França no ano passado, “Chumbo” será incluído na bibliografia de um curso da historiadora Heloisa Murgel Starling, professora da UFMG, que não poupa elogios ao trabalho de Lehmann. A graphic novel chega ao Brasil às vésperas do aniversário de 60 anos do golpe de 1964. E vem acompanhada de um punhado de obras que contam a história da ditadura em diferentes formatos (HQ, cartas, dramaturgia), iluminam a cultura do período e exaltam heróis menos conhecidos.

— Os quadrinhos me permitem contar essa história de um jeito mais intuitivo, que evoca a memória visual do leitor. Porque no fim essa é uma história sobre memória — diz Lehmann.

Peça editada em livro

Ele não se refere apenas à memória da ditadura, mas também à de uma cidade. “Chumbo” mapeia as mudanças na paisagem urbana de Belo Horizonte, onde também viveu o guerrilheiro Herbert Eustáquio de Carvalho, protagonista do musical “Codinome Daniel” (texto de Zé Henrique de Paula e música de Fernanda Maia), em cartaz no Teatro Núcleo Experimental, em São Paulo, até 7 de abril. Recém-editada em livro, a peça se concentra em episódios da vida de Herbert, que adotou o codinome Daniel ao ingressar na VAR-Palmares, organização da esquerda armada da qual fizeram parte a ex-presidente Dilma Rousseff e Carlos Lamarca, assassinado pela ditadura. “Codinome Daniel” é inspirada na biografia de Herbert escrita pelo brasilianista James Green, que assina o prefácio do livro e virou personagem da peça (assim como Dilma).

Numa cena, a ex-presidente aparece no “aparelho” onde Herbert se escondia em Niterói, em 1971. Naquele ano, Dilma já estava presa em São Paulo. Herbert passou tanto tempo sozinho, sem poder acender a luz ou fazer qualquer barulho que pudesse chamar atenção (como dar descarga ou abrir a torneira) que começou a delirar. Ele era caçado pela ditadura por ter participado do sequestro dos embaixadores da Alemanha e da Suíça em 1970.

“Quem diria, o subversivo mais procurado pelo regime, depois do Lamarca, é um viado”, diz um personagem. Herbert era gay numa época em que a esquerda reprimia a homossexualidade, vista como “produto da decadência burguesa”. Zé Henrique de Paula, o autor, afirma que a sexualidade “dissidente” de Herbert explica por que ele ainda não ocupa o lugar merecido na galeria de heróis nacionais.

— Os dissidentes, de classe, raça, gênero ou orientação sexual, são os primeiros a ser apagados. Herbert Daniel é um personagem único, revolucionário e homossexual, que lutou por justiça, liberdade e respeito à diversidade — diz o dramaturgo, que acredita que “a linguagem teatral pode democratizar o acesso a informações sobre a ditadura”. — Vemos muitos jovens na plateia. Isso nos deixa esperançosos de que as novas gerações não permitirão que esse período seja esquecido e negado, como alguns setores ainda querem.

Soropositivo, Herbert também militou pela dignidade das pessoas com HIV nos anos 1980, já de volta ao Brasil. Em 1974, ele se exilou em Paris. Já Eduardo Muyalert chegou à capital francesa em 1969, não como exilado, mas para estudar Direito. Sair do Brasil foi um sufoco. Ele não era visado pelo regime, pegou o voo acompanhado de duas amigas atuantes na esquerda clandestina. “Olhávamos em volta, esperando para ver se viriam buscar Lola e Cecilia”, escreve Muylaert em “Cartas de Paris, notícias do Brasil”, reunião da correspondência que ele manteve com a família entre 1969 e 1972.

O Brasil nem sempre aparecia na imprensa francesa, mas as cartas da mãe e do avô vinham cheias de notícias: a morte de Costa Silva e a posse de Emílio Garrastazu Médici, os assassinatos de inimigos do regime, como o guerrilheiro Carlos Marighella e o sindicalista Salvador Tolezano, e o desempenho do Corinthians. Nas cartas do avô, Muylaert “acompanhava a comédia que seria grotesca, se não fosse dramática, da ditadura no Brasil”.

—Eu seguia as notícias torcendo para que o governo militar desmoronasse, mas já percebia que o percurso seria outro — recorda o ex-secretário da Justiça e da Segurança Pública de São Paulo. — Espero que este livro mostre que aquele era um regime extremamente opressivo, baseado na tortura e na censura, e que mesmo quem não fazia política corria risco de vida.

As cartas trocadas entre Eduardo Muylaert e a família eram escritas com cautela, pois a censura estava sempre à espreita. A mãe certa vez percebera que um envelope viera aberto. Numa carta, ela reclama dos cabelos compridos do filho, símbolo da cultura rebelde nos Anos de Chumbo. A efervescência cultural do período, aliás, é tema de lançamentos como “Apenas uma mulher latino-americana” (Rocco), de Bruna Ramos da Fonte, sobre a canção de protesto, e “Mulheres contra a ditadura” (Zouk), de Eurídice Figueiredo, que analisa como a produção literária feminina retratou o regime.

“Em rebeldes e marginais”, Heloisa Teixeira (ex-Buarque de Hollanda) conta como os principais movimentos culturais do período (Cinema Novo, Tropicália, Poesia Marginal) responderam estética e politicamente ao autoritarismo, tentando entender as condições que possibilitaram a ditadura e como enfrentá-la (por meio da guerrilha ou do desbunde).

Poesia e política

O livro traz depoimento de expoentes daquela geração, como Caetano Veloso, e QR codes que disponibilizam parte do acervo de Teixeira, que assistiu a tudo de camarote. Estava na estreia de “Terra em transe”, filme de Glauber Rocha cujo protagonista sintetizava o dilema daquela geração: como conciliar poesia e política?

— Tinha política e censura por todo lado. Aquela geração levou a experimentação até o limite e forjou uma cultura de resistência, camaleônica, capaz de criar novas linguagens para falar do que não era permitido. Isso está na euforia da Tropicália e no elogio ao bandido do Cinema Marginal — diz Teixeira, que escreveu o livro para “passar a história para a nova geração, como toda velhinha deve fazer”. — Quis mostrar o que foi aquela experiência no calor da hora, como aquele voluntarismo, aquela utopia maluca repercutem até hoje.

Para a historiadora Heloisa Murgel Starling, a proliferação de obras sobre a ditadura convida a refletir sobre erros e acertos do passado e, a partir desse repertório, pensar o presente e o futuro. Um exemplo, diz ela, é o livro “A transição inacabada” (Companhia das Letras), de Lucas Pedretti, que analisa como a violência institucionalizada na ditadura sobrevive na democracia.

Starling é autora de “A máquina do golpe”, que vem sendo lançado como se fosse um folhetim. Já saiu o primeiro e-book, outros dois devem ser publicados nos próximos meses, e o livro completo aporta nas livrarias no fim do semestre.

A historiadora narra a destruição da democracia brasileira com rigor histórico e em ritmo de thriller: dá estofo literário aos principais personagens da trama (como o general Olímpio Mourão Filho e o governador de Minas Magalhães Pinto) e descreve em detalhes como agiram militares, políticos, empresários e diplomatas americanos entre março e abril de 1964. Tudo para cativar o leitor não especializado.

Evaldo Cabral de Mello, que é o sol da historiografia brasileira, me ensinou a respeitar a narrativa, a saber fazer perguntas para o passado e a valorizar os detalhes. Não basta mencionar um porta-avião, preciso garantir que o leitor o veja — explica Starling, cujo objetivo é ensinar o leitor a identificar os sinais que antecedem um golpe de estado. — O historiador é um perigo para as tiranias porque ele vai à praça pública gritar os fatos. Nenhuma forma de autoritarismo suporta a história.

Serviço:

‘Chumbo’

Autor: Matthias Lehmann. Tradutor: Scheibe e Castro. Editora: Nemo. Páginas: 368 Preço: R$ 119,80.

‘Codinome Daniel’

Autores: Zé Henrique de Paula e Fernanda Maia. Editora: Ercolano. Páginas: 168. Preço: R$ 69,20.

‘Cartas de Paris, notícias do Brasil’

Autor: Eduardo Muylaert. Editora: Autêntica. Páginas: 304. Preço: R$ 78,90.

‘Rebeldes e marginais: cultura nos Anos de Chumbo (1960-1970)’

Autora: Heloisa Teixeira. Editora: Bazar do Tempo. Páginas: 288. Preço: R$ 78.

‘A máquina do golpe. 1964: Como foi desmontada a democracia no Brasil (Vol. 1)’

Autora: Heloisa Murgel Starling. Editora: Companhia das Letras. Páginas: 114. Preço do e-book: R$ 9,90.

‘A transição inacabada’

Autor: Lucas Pedretti. Editora: Companhia das Letras. Páginas: 320. Preço: R$ 99,90.

‘Mulheres contra a ditadura’

Autora: Eurídice Figueiredo. Editora: Zouk. Páginas: 338. Preço: R$ 65.

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