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Por — Rio de Janeiro

Quando a vereadora Marielle Franco foi assassinada em 14 de março de 2018, sua companheira a esperava para jantar. Uma ausência que mudou radicalmente os planos de Monica Benicio, 38 anos, que deixou de lado a vida acadêmica e o plano de uma festa de casamento para gritar por Justiça. Seis anos depois, com os nomes dos mandantes do crime finalmente revelados, ela conta em livro os anos de amor, cheios de idas e vindas, e as dificuldades enfrentadas por duas mulheres em sua primeira relação lésbica. Em um misto de diário e memória, a hoje vereadora (PSOL-RJ) faz um relato íntimo da dor, sem esconder o uso abusivo do álcool, a necessidade de terapia e medicamentos e o quanto a luta por Justiça e os amigos a salvaram quando ela já não via sentido em nada. “Marielle & Monica: uma história de amor e luta” (Ed. Rosa dos Tempos) será lançado no dia 13, na livraria Folha Seca, no Centro do Rio.

Por que decidiu escrever o livro?

No início da luta por Justiça, eu não estava preocupada que tinham assassinado uma vereadora. Eu queria entender por que a minha esposa não chegou em casa para jantar naquela noite. Era uma dor íntima. Quando a imprensa começou a noticiar “a viúva de Marielle”, o que é uma vitória do movimento LGBTQIA+, isso foi muito questionado. Então, o livro existe para resistir a esse apagamento.

É um relato muito íntimo da relação de vocês.

Eu queria falar da humanidade dessa relação. Não é um conto de fadas, pelo contrário, é atravessada por muitas dores e dificuldades que são comuns às famílias LGBTQIA+. A gente não é uma exceção à regra, a gente é uma história que é parte dessa regra. Mas o livro é também um processo terapêutico que me permitiu viver o luto pela escrita, algo que sempre foi importante para mim e que abandonei após o assassinato da Marielle.

Não teve receio da exposição?

Eu te confesso que nem questionei. Ele é um manifesto que diz que a nossa família tem o direito de amar e de viver de forma plena sem sofrer qualquer tipo de violência, muito menos a que interrompeu a nossa história.

Antônio Francisco da Silva e Marinete da Silva, pais de Marielle Franco, e Monica Benicio (Psol/RJ), viúva — Foto: Márcia Foletto
Antônio Francisco da Silva e Marinete da Silva, pais de Marielle Franco, e Monica Benicio (Psol/RJ), viúva — Foto: Márcia Foletto

Como é a sua relação com os pais e a irmã de Marielle?

A gente tem uma dor que nos unifica, e a luta por justiça é a principal causa hoje das nossas vidas, do Comitê Justiça por Marielle e Anderson. Isso é o que importa. Sem dúvida nenhuma, estamos na mesma trincheira.

A revelação dos nomes dos mandantes foi um choque?

Quando o Rivaldo nos recebeu, disse que Marielle era amiga, gente boa para caramba. Eu não conhecia ele, e os amigos da minha mulher frequentavam a nossa casa, sabe? Mas ter ouvido isso e depois saber que ele planejou e criou as condições para a impunidade... Isso foi o que mais me arrebentou na manhã do dia 24. Eu fiquei pensando que apertei a mão do assassino da Marielle. Assim como, quando o Chiquinho Brazão esteve na Câmara Municipal como secretário do Governo e me cumprimentou. O cara tinha um plenário inteiro e fez questão de passar do meu lado e me cumprimentar!

A pergunta “Quem mandou matar Marielle” não foi respondida?

Eu acho que foi um passo importante. Mas foram inúmeras trocas de delegados e de agentes, promotoras saindo do caso alegando interferência externa. Há muita coisa para ser desvendada. O que eu quero é a identificação e a responsabilização de cada pessoa que tenha qualquer tipo de participação ou envolvimento, não só no planejamento e na execução dos assassinatos da Marielle e do Anderson, mas até de quem tentou obstruir as investigações, quem operou para que fossem seis anos e dez dias até a apresentação dos mandantes.

Saber os nomes não te trouxe algum contentamento?

Eu esperei muito essa ligação, mas acho que elaborei mal a minha expectativa. Talvez, intimamente, eu tenha fantasiado que isso fosse me trazer alguma paz. O que me trouxe foi a revolta de ver como tudo se deu. O que tenho tentado fazer agora é organizar essa raiva para direcionar a minha luta por Justiça, que é uma luta de fôlego.

Por falar da Câmara, muita gente te chamou de oportunista quando você se candidatou.

O meu mandato é uma resposta da sociedade a isso. O que me orienta é ter a tranquilidade de saber que a Marielle teria orgulho de cada passo que eu dou, de como escolho fazer as coisas. Minha consciência está tranquila.

Você pensa em um futuro político?

Depois do assassinato da Marielle, a maneira como eu olho a vida a médio e a longo prazo mudou. Não me planejo tanto. Não acho que a política seja uma carreira para mim, e tenho vontade de voltar a estudar, juntar a minha formação de arquiteta com o debate sobre segurança pública e pensar o direito à cidade. Sou candidata à reeleição porque eu, minha equipe e o partido acreditamos que ainda há uma tarefa importante a cumprir, ainda mais agora com essa revelação da relação da institucionalidade com a milícia. Mas, depois de 2024, não sei.

Você defende que o Brasil tenha um projeto de memória, verdade e Justiça para as violações da nossa democracia. Os 60 anos do golpe militar, no entanto, passaram em branco.

O recuo do governo é uma tristeza. Discutir memória, verdade, Justiça e reparação é o contrário do apagamento. A gente não fala sobre os períodos sangrentos da nossa história, não fizemos qualquer reparação. Esse silêncio mantém o caminho aberto, a milícia da qual estamos falando tanto agora é um fruto dos porões da ditadura militar. Em outros países, as pessoas vão às ruas nos aniversários dos golpes militares para que eles não se repitam. Acho que precisamos fechar a Presidente Vargas de ponta a ponta a cada 1º de abril e dizer que não esquecemos o nosso passado.

No prefácio do livro, a Zélia Duncan se pergunta quantos outros pontos de contato com Marielle você sentiu depois de estar sozinha. Sentiu?

Eu tenho fotografias na minha cabeça de momentos emblemáticos. A primeira vez que eu olho a Marielle, o último espaço de fresta do elevador desse mesmo andar onde estamos agora. Mas acho que não são pontos, é uma linha contínua. A Marielle está em mim de tantas formas porque a ideia da memória dela me reorganizou e me fez ter contato com o que eu achava mais bonito nela, justamente o que eu não tinha em mim: a pulsão de vida.

Você não tinha pulsão de vida?

Eu nunca olhei para a vida com esse tesão, sabe? A Marielle ia tomar um café e transformava isso num evento, ela gostava de estar viva. O David [Miranda, deputado federal morto em 2023, grande amigo de Monica] também era assim, e esses foram dois lutos muito pesados na minha vida. Depois da Marielle e do David, eu passei a pensar que não posso ter perdido os dois sem honrar o que me restou. E o que me restou foi a minha própria vida, né? É um compromisso. Então eu sigo da maneira como acho que eles gostariam e ficariam felizes em me ver fazendo.

Você continua fazendo terapia? Ainda precisa de medicamentos?

Com toda certeza. E o Brasil deixa ser de outra forma? Eu já parei de beber, um problema de cada vez.

Monica Benicio em manifestação no Buraco do Lume, no Centro do Rio, pelos 300 dias do assassinato de Marielle Franco — Foto: Marcelo Theobald
Monica Benicio em manifestação no Buraco do Lume, no Centro do Rio, pelos 300 dias do assassinato de Marielle Franco — Foto: Marcelo Theobald

Você teve formação católica. O assassinato da Marielle abalou sua fé?

O que mais me chateou foi que eu não consegui deixar de acreditar em Deus. Só fiquei muito brava, tipo “Não quero mais papo com você”. Nesse tempo todo, não deixei de fazer as orações de um livro de preces espíritas. Eu questionei sim, mas a espiritualidade me ajuda a tentar entender o porquê de tudo isso. A fé me fez buscar algum sentido e enxergar beleza nisso tudo, na resposta que a sociedade dá ao afirmar que a vida da Marielle não foi em vão e que a morte também não será.

Você está namorando. Dá para amar de novo?

Eu senti vergonha de desejar outra pessoa, questionei se isso significava que eu estava esquecendo a Marielle. Tive uma série de questionamentos íntimos bem dolorosos. Resisti muito a amar de novo. Quando a Bruna chega, eu já sou outra Monica, né? Já passei por desafios, errei, aprendi, estou marcada por traumas. Ela tem paciência e é muito generosa, e eu tento construir essa relação, pela primeira vez na minha vida, com carinho comigo mesma também. Entendi que o meu amor pela Marielle é perene e não compete com o que sinto pela Bruna.

Você e a Marielle planejavam uma festa de casamento e pensavam a maternidade. Ainda tem esses sonhos?

Não tenho mais o desejo da maternidade. Tive em outro momento por pensar na formação de um indivíduo para o mundo. Mas eu seria uma mãe chata, dessas que fica projetando na vida do filho. A maternidade era um debate com a Marielle porque ela insistia que eu tinha de ter a experiência de gestar, e eu dizia que essa decisão era minha. Converso com a Bruna, que tem esse desejo; eu não tenho. Mas a festa de casamento eu queria sim, pela festa. Acho lindo todo mundo junto para celebrar o amor.

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