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A escritora Livia Garcia-Roza estreou na ficção com o livro “Quarto de menina”, de 1995, e desde então vem publicando narrativas que se destacam pela acuidade do olhar em direção às relações humanas. Depois de exercer durante 30 anos atividades profissionais nos campos da psicologia e da psicanálise, Livia Garcia-Roza decide se dedicar exclusivamente à literatura, publicando romances como “Cine Odeon” (2001), “Solo feminino” (2002) e, mais recentemente, “Amor em dois tempos” (2014). Seu último livro, “Divã em série”, é uma bem-sucedida tentativa de reunir os vários fios que armam a trajetória da autora.

A cena psicanalítica — na qual uma pessoa fala de seus problemas para um terapeuta que, em geral, mais escuta que fala — já faz parte irremediável da nossa cultura. Desde filmes como “Máfia no divã”, passando por séries como “Os Sopranos” e romances como “O complexo de Portnoy”, a psicanálise tem sido codificada como uma atividade ligada às revelações daquilo que é reprimido.

Livia Garcia-Roza, tendo feito uma carreira como psicanalista, também se insere nesse contexto, mas em “Divã em série” ela inverte o ponto de vista: apresenta fragmentos de sua experiência como paciente. Durante a leitura, acompanhamos tanto a criação de um ofício quanto de uma subjetividade, e uma coisa não funciona sem a outra.

“A história das minhas análises começa lá atrás quando eu tinha 16 anos”, escreve a autora, contando como foi mandada “para a casa de um tio para esquecer meu namorado da época”. Esse tio fazia formação psicanalítica e, à noite, “discutia casos clínicos com os colegas que vinham à sua casa”. A autora, jovem, escutava o que eles diziam: “Pegava farrapos de conversa que montava a meu bel-prazer. Mal podia esperar para o encontro seguinte. Nessas reuniões ouvi falar de psicanálise pela primeira vez.”

Entre fábula e ensaio

É preciso, contudo, recuar ainda mais e redescobrir a criança: “Fui uma menina indomável”, escreve a autora, “irrequieta e turbulenta”, “atormentada pelo excesso de energia” e “com uma imaginação prodigiosa”. São esses elementos que vão reverberando em distintas cenas, no contato com diferentes personagens — namorados, parentes, antagonistas, amigas e amigos —, transformando a narradora em uma pessoa que não apenas sente aquilo que sente, mas que reconhece que é necessário falar a respeito desses sentimentos na cena psicanalítica (e, mais tarde, na ficção).

Aquilo que a autora apresenta em seu livro é um exercício muito complexo de articulação entre o fabular e o ensaístico, entre a disposição quase mágica da narração de histórias e a exploração autobiográfica. A leitura é fácil e agradável, mas não porque a construção narrativa é banal ou excessivamente simples, e sim porque a autora alcança um nível raro de autenticidade e leveza (atributos que poucas vezes vemos juntos e que estão em falta na literatura brasileira contemporânea).

Outro ponto relevante é que as memórias da autora também permitem resgatar um Rio de Janeiro de outra época, os cada vez mais distantes anos 1970, com referências geográficas (ou espaço-temporais) que são também afetivas, como a Rua Miguel Lemos, em Copacabana, o Jardim Botânico, as praias da Zona Sul...

Apesar da brevidade do relato de “Divã em série”, é possível perceber a densidade do material (biográfico e profissional) que a autora teve que decantar para apresentar, de forma concisa e sensível, sua perspectiva.

Um dos tantos momentos que constroem a excelência de “Divã em série” é aquele em que a narradora se vê diante de uma mudança de analista. A atual vai se mudar com o marido e indica um colega — algo simples, mas toma proporções inesperadas: “Chorei compulsivamente dias e dias.” “Despachou-me de uma hora para outra”, escreve a narradora sobre sua terapeuta. “Quase piquei o papel com o nome do tal analista e joguei no esgoto. Mas fui ao encontro dele. Aos trancos, mas fui. Desesperada, porque não era ela. Nunca me curei desse abandono. Não sei se algum dia nos curamos do abandono.”

Esse tipo de movimento é recorrente no livro: a partir de um evento específico, de uma vivência particular da narradora, encontramos uma reflexão sobre as coisas que — potencialmente — podem atingir a todos nós. É esse tipo de transformação sutil que se encontra na boa literatura em geral, e na obra de Livia Garcia-Roza em particular.

Kelvin Falcão Klein é professor de Literatura Comparada na Unirio

‘Divã em série’

Autora: Livia Garcia-Roza. Editora: Tordesilhas. Páginas: 148. Preço: R$ 45,90. Cotação: ótimo.

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