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Nova biografia de Sylvia Plath mostra faceta megalomaníaca e obcecada da autora

Poeta americana é considerada uma das principais vozes do gênero na década de 1960

Sylvia Plath e Ted Hughes em 1959: poeta quis esconder críticas a ele no trabalho da ex-mulher
Foto: Marcia Brown e Mortimer Rare Boo /
Acervo
Sylvia Plath e Ted Hughes em 1959: poeta quis esconder críticas a ele no trabalho da ex-mulher Foto: Marcia Brown e Mortimer Rare Boo / Acervo

RIO — Na primeira vez que a escritora Sylvia Plath (1932-1963) beijou o poeta e futuro marido Ted Hughes, em 1955, numa festa em Cambridge, deu-lhe uma mordida tão forte no pescoço que escorreu um filete de sangue. Na última vez em que Ted teve notícias dela, já separados, Sylvia tinha enfiado a cabeça no forno a gás, provocando a própria morte, aos 30 anos. Entre o beijo e o suicídio, “o animal voraz” chamado Sylvia Plath tornou-se uma das principais vozes da poesia americana nos anos 1960. Depois de ter muitos poemas rejeitados, ganhou prêmios literários, teve seus textos publicados na revista “New Yorker”, e seu único romance, “A redoma de vidro”, foi adotado em escolas de todo o mundo.

A história é conturbada: Sylvia sofria com a infidelidade do marido, e as crises de depressão a acompanhavam desde a adolescência. Depois da sua morte, Hughes se apropriou da obra, suprimindo poemas com referências negativas ao casamento, censurando depoimentos sobre a ex-mulher e impedindo que a história de Sylvia fosse contada a partir de seus diários, cartas e textos. A tragédia de Sylvia, sempre fundada na tensão do casal, já foi contada e recontada em livros, peças e filmes — em “Sylvia”, de 2003, Gwyneth Paltrow vive a protagonista, no longa que não agradou em nada a única filha viva do casal, Frieda Hughes (o outro filho de Sylvia e Ted, Nicholas, suicidou-se em 2009).

“Mais uma biografia de Sylvia Plath?”, ironiza o jornalista Carl Rollyson, autor de “Ísis americana: a vida e a arte de Sylvia Plath” (que chegou recentemente às livrarias brasileiras, pela Bertrand Brasil), logo na introdução do livro. Faz sentido: existe ao menos uma dúzia delas, cada uma com sua tese acerca da personagem, das motivações para o suicídio e da relação com Ted. O autor responde à autoprovocação: “É chegada a hora de definir o mito Plath para uma nova legião de leitores e escritores”.

Com acesso a cartas até então inéditas que Ted Hughes enviava à irmã mais velha, além de uma nova leva de entrevistas com pessoas que não falavam mais sobre o assunto Sylvia-Ted, Rollyson descreve uma Sylvia megalomaníaca, dona de um “acachapante desejo de ser o foco da atenção”, e um “farol para a consciência moderna de uma geração”. O autor mostra como, ainda adolescente, ela inventava versões para as histórias familiares, sempre carregando no verniz para que parecessem mais interessantes. Uma mitômana?

— Não a chamaria de mitômana, mas ela certamente foi conduzida pelos próprios mitos. Ela via a própria vida como um mito criativo da artista e da mulher. Por isso que eu também a vejo como uma Ísis — escreve Rollyson, por e-mail, entre uma e outra aula de jornalismo na Baruch College, em Nova York, remetendo ao titulo da obra ( na mitologia egípcia, Ísis é a deusa da maternidade, simplicidade e magia; ele usa a referência para metaforizar o desejo de Plath de ser mãe, esposa, mantendo a luz própria intacta ). — Acho que essa biografia reforça uma visão sobre Plath como um escritora que, conscientemente, viveu sua vida como mito, e como isso se tornou parte de seu trabalho. E como trabalhava: seus diários mostram que ela falava sobre o processo da escrita o tempo todo.

Para Rollyson, que já biografou figuras tão ou mais controversas do que Plath, como a atriz Marilyn Monroe (1926-62); o escritor Norman Mailer (1926-2007) e a ensaísta Susan Sontag (1933-2004), os biógrafos anteriores da autora (Janet Malcom, Erica Wagner, Diane Middlebrook e outros) se equivocaram na construção de Plath, “tornando-se obcecados por seus problemas psicológicos, pelo que Ted Hughes lhe fez”.

— Ninguém mostrou realmente a maneira pela qual ela se via como uma Ísis, o que ficou claro para mim quando li a história de D.H. Lawrence “The man who died”, que Plath estudou em Cambridge. Ela se identificou com a trama, com a ideia de morte e ressurreição. Ela pensou em suicídio como um assunto, e isso fica claro em sua poesia.

Rollyson compara essa ânsia de Sylvia a outro ícone norte-americano biografado por ele. Na primeira frase da biografia, afirma: “Sylvia Plath é a Marilyn Monroe da literatura moderna”.

— Acredito que Plath e Monroe eram idênticas no desejo de conquistar o mundo. Sou muito atraído por essas figuras, especialmente quando elas têm de lidar com homens poderosos e universos machistas. Há um drama inerente à história dessas mulheres — analisa ele, que tomou contato com a obra de Plath ainda como professor do ensino médio americano, em 1973. — Achei-a uma poeta notável, com uma história muito intrigante. Mas foi só em 2003 que eu comecei a levar a sério a ideia do livro: quanto mais eu lia sobre ela, mais achava que poderia contribuir.

ÚLTIMAS SEMANAS DE VIDA

Foi quando teve acesso às tais cartas inéditas de Ted Hughes:

— Esses textos, especialmente os da última semana de vida de Plath, são muito importantes, porque nos devolvem exatamente àquela atmosfera, que é completamente diferente da memória que ele guardava da época. Este novo material dá urgência à história de Plath — completa Rollyson, para quem a autora da obra-prima “Ariel”, a despeito de sua ânsia de fim (“E eu sou a flecha, orvalho que voa/ Suicida, e de uma vez avança/ contra o olho vermelho, caldeirão da manhã”) despertará eterno interesse.