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‘O Brasil está algumas revoluções atrasado’, diz Luis Fernando Verissimo, que lança livro de crônicas

'Ironias do tempo' traz textos do escritor publicados na imprensa entre 1998 e 2018
O escritor Luis Fernando Verissimo em sua casa em Porto Alegre Foto: Leo Martins / Agência O Globo
O escritor Luis Fernando Verissimo em sua casa em Porto Alegre Foto: Leo Martins / Agência O Globo

SÃO PAULO — Quem é mais irônico: o tempo ou Luis Fernando Verissimo? A disputa é acirrada, como prova “Ironias do tempo”, recém-publicada antologia de crônicas do escritor gaúcho e colunista do GLOBO. Organizada por Isabel e Adriana Falcão (mãe e filha), “Ironias do tempo” reúne textos publicados na imprensa entre 1998 e 2018.

Nas crônicas, Verissimo alfineta políticos, faz piada com as tragédias nacionais e alerta sobre os perigos de continuarmos a repetir o passado no presente e no futuro.

Com a verve de sempre, ele conversou com o GLOBO sobre o que pensaria hoje a Velhinha de Taubaté e como as crônicas mantêm seu frescor apesar da passagem do tempo.

Muitas das crônicas de “Ironias do tempo” foram escritas no calor da hora, com alusões à política. Como você vê a migração das crônicas do jornal para o livro, onde a referência ao noticiário se perde?

A crônica é um gênero híbrido, jornalístico e literário ao mesmo tempo. Às vezes é factual, às vezes ficcional ou mesmo impressionista. Isso permite ao cronista fazer o que quiser e chamar de crônica. É a qualidade literária da crônica, independente do assunto, que determina se ela vai forrar a gaiola do passarinho ou se vai para um livro. Em uma compilação de crônicas, como no livro, o ideal é todas serem compreensíveis, com ou sem referências à atualidade. Mesmo quando o significado do assunto se perde no tempo, sobra alguma coisa aproveitável. Ou o que os compiladores, ou compiladoras, neste caso, acharam aproveitável.

É mais fácil ser cronista quando o governo é bom ou quando é ruim?

Aquela sequência da queda do Collor seguida do governo Itamar rendeu boas piadas. Talvez pelo contraste entre os dois personagens, a empáfia do Collor e a mineirice picaresca do Itamar. Mas é aquela história, é mais fácil ter um alvo claro, como uma ditadura, para criticar do que não saber bem quem é o inimigo. Não se sabe no que vai dar essa ascensão fulminante do Bolsonaro e da direita no Brasil. Talvez as coisas se clareiem outra vez.

Na crônica “O último Bragança e o primeiro Silva”, de 2002, você escreveu sobre a “grande esperteza brasileira de simular uma história para não ter que fazê-la”. Nós continuamos simulando a história ou já nos arriscamos a fazê-la?

O Brasil está algumas revoluções atrasado. Aqui, a abolição da escravatura não mudou muito a condição do negro, e o sistema econômico e social vigente continua feudal. Nem a revolução burguesa foi feita ainda. A nossa história é um teatro de marionetes em que tudo se repete. Só mudam os bonecos.

Você já escreveu até horóscopo. Entende de astrologia?

Comecei como copidesque na “Zero Hora” de Porto Alegre e fiz de tudo no jornal, inclusive, durante um curto período, o horóscopo. Minha carreira de astrólogo amador durou pouco, porque tentei fazer humor com os signos e as previsões e ninguém achou graça. Pediram a minha cabeça. Meu interesse em astrologia é só o de quem não entende como tanta gente pode acreditar que os astros regem nossas vidas. Mas, sei não... Depois que inventaram o GPS, em que uma voz do alto nos diz o que fazer, estou mudando de opinião.

Se estivesse viva, o que pensaria a Velhinha de Taubaté hoje?

A Velhinha de Taubaté acreditava em todos os governos. Se ainda vivesse hoje, ela, escolada, acreditaria no novo governo, mas, como ela mesmo diria, “com os dois pés atrás”.

Capa do livro 'Ironias do tempo', de Luis Fernando Verissimo Foto: Divulgação
Capa do livro 'Ironias do tempo', de Luis Fernando Verissimo Foto: Divulgação

Na crônica “Sem título”, o narrador se transforma em personagem dos livros que lia. Você gostaria de viver em que livro?

Eu vivi desde garoto entre os livros do meu pai ( o escritor Érico Veríssimo ). O primeiro livro “adulto” que li foi dele, “Caminhos cruzados”. Li escondido, porque o livro tinha trechos “fortes”. Mas um livro no qual eu gostaria de ser personagem, me dou conta agora, seria qualquer um do Tarzã.

Que leitura você recomendaria ao Brasil de hoje?

Leiam prospectos de viagem para o exterior, por via das dúvidas.

Serviço

“Ironias do tempo”

Autor: Luis Fernando Verissimo.

Organização: Isabel e Adriana Falcão.

Editora: Objetiva.

Páginas: 208.

Preço: R$ 49,90.