Fotomontagem Foto: Editoria de Arte

O Rio de Lima Barreto

Um passeio pela cidade através das crônicas do homenageado na Flip, selecionadas por Beatriz Resende em "Lima Barreto — Cronista do Rio"

Fotomontagem - Editoria de Arte

por Leonardo Cazes

RIO - Autor homenageado na Flip 2017, Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) nasceu em Laranjeiras, passou a infância e a adolescência na Ilha do Governador, viveu no Engenho Novo e em Todos os Santos. Trabalhou na na Secretaria da Guerra, na Praça da República, e frequentou as livrarias da Rua do Ouvidor. Este trânsito na cidade alimentou suas crônicas, publicadas na imprensa, que compõem um retrato do Rio de Janeiro em transformação nas primeiras décadas do século XX. Beatriz Resende, professora titular da UFRJ, preparou uma seleção desses textos em "Lima Barreto — Cronista do Rio"(Editora Autêntica/Fundação Biblioteca Nacional). Trechos das crônicas e fotos do acervo da Biblioteca Nacional foram reunidas neste especial. Beatriz participa da mesa "Subúrbio", com Luiz Antonio Simas, na sexta-feira, às 15h, na Flip.

Filho de pai tipógrafo e mãe professora, Lima Barreto nasceu no dia 13 de maio de 1881, exatamente sete anos antes da abolição da escravidão. Escreveu romances célebres, como "Triste fim de Policarpo Quaresma", contos e crônicas, sempre crítico às mazelas do país.
Filho de pai tipógrafo e mãe professora, Lima Barreto nasceu no dia 13 de maio de 1881, exatamente sete anos antes da abolição da escravidão. Escreveu romances célebres, como "Triste fim de Policarpo Quaresma", contos e crônicas, sempre crítico às mazelas do país.

6

Morro do Castelo

Parque Campo

de Santana

4

2

Biblioteca Nacional

1

Theatro

Municipal

5

Av. Beira-Mar

Rio de

janeiro

flamengo

Rio de janeiro

botafogo

jardim

botânico

3

Copacabana

lagoa

ilha do

fundão

Rio de

janeiro

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1

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flamengo

Rio de janeiro

botafogo

jardim

botânico

3

Copacabana

lagoa

1

Theatro Municipal

Theatro Municipal entre 1911 e 1920 - Anônimo

Theatro Municipal!
É inviável.
A razão é simples: é muito grande e luxuoso. Supondo que uma peça do mais acatado dos nossos autores provoque uma enchente,
repercuta sobre a opinião, haverá no Rio de Janeiro e arredores, inclusive o Méier e Petrópolis, gente suficientemente encasacada para enchê-lo dez, vinte ou trinta vezes? Decerto, não. Se ele não se encher pelo menos dez vezes, por peça, a receita dará para custear a montagem, pagar o pessoal, etc.? Também não.
De antemão, portanto, pode-se afirmar, deixando de apelar para números exatos, que aquilo não é muito prático, é inviável. Bem: há adianto à educação artística da população em representações para plateias vazias? Isso estimula autores que não são nem pateados nem aplaudidos? Até os próprios atores quando olham as plateias vazias e indiferentes, perderão o passo, o gesto, o entusiasmo, ao declamarem lindas tiradas e tiverem de jogar um diálogo vivo.
"Uma coisa puxa a outra...II", publicado em
"A Estação Teatral", 22/04/1911
É inviável. A razão é simples: é muito grande e luxuoso. Supondo que uma peça do mais acatado dos nossos autores provoque uma enchente,
repercuta sobre a opinião, haverá no Rio de Janeiro e arredores, inclusive o Méier e Petrópolis, gente suficientemente encasacada para enchê-lo dez, vinte ou trinta vezes? Decerto, não. Se ele não se encher pelo menos dez vezes, por peça, a receita dará para custear a montagem, pagar o pessoal, etc.? Também não.
De antemão, portanto, pode-se afirmar, deixando de apelar para números exatos, que aquilo não é muito prático, é inviável. Bem: há adianto à educação artística da população em representações para plateias vazias? Isso estimula autores que não são nem pateados nem aplaudidos? Até os próprios atores quando olham as plateias vazias e indiferentes, perderão o passo, o gesto, o entusiasmo, ao declamarem lindas tiradas e tiverem de jogar um diálogo vivo.
"Uma coisa puxa a outra...II", publicado em
"A Estação Teatral", 22/04/1911

2

Biblioteca Nacional

Biblioteca Nacional em 1910 - Acervo da Biblioteca Nacional

diretoria
da Biblioteca Nacional
tem o cuidado de publicar mensalmente a estatística dos leitores que a procuram, das classes de obras que eles consultam e da
língua em que as mesmas estão escritas.
Pouco frequento a Biblioteca Nacional, sobretudo depois que se mudou para a Avenida e ocupou um palácio americano.
A minha alma é de bandido tímido, quando vejo desses monumentos, olho-os, talvez, um pouco, como um burro; mas, por cima de tudo, como uma pessoa que se estarrece de admiração diante de suntuosidades desnecessárias.
É ficar assim, como o meu amigo Juvenal, medroso de entrar na vila do patrício, de que era cliente, para pedir a meia dúzia de sestércios que lhe matasse a fome – a espórtula!
O Estado tem curiosas concepções, e esta, de abrigar uma casa de instrução, destinada aos pobres-diabos, em um palácio intimidador, é das mais curiosas.
"A biblioteca", publicado em "Correio da Noite", 13/01/1915
da Biblioteca Nacional tem o cuidado de publicar mensalmente a estatística dos leitores que a procuram, das classes de obras que eles consultam e da
língua em que as mesmas estão escritas.
Pouco frequento a Biblioteca Nacional, sobretudo depois que se mudou para a Avenida e ocupou um palácio americano.
A minha alma é de bandido tímido, quando vejo desses monumentos, olho-os, talvez, um pouco, como um burro; mas, por cima de tudo, como uma pessoa que se estarrece de admiração diante de suntuosidades desnecessárias.
É ficar assim, como o meu amigo Juvenal, medroso de entrar na vila do patrício, de que era cliente, para pedir a meia dúzia de sestércios que lhe matasse a fome – a espórtula!
O Estado tem curiosas concepções, e esta, de abrigar uma casa de instrução, destinada aos pobres-diabos, em um palácio intimidador, é das mais curiosas.
"A biblioteca", publicado em
"Correio da Noite", 13/01/1915

3

Jardim Botânico

Jardim Botânico (cerca de 1914) - Antônio Caetano da Costa Ribe

Jardim Botânico
, um dos recantos
mais belos do Rio, com as suas palmeiras hieráticas, os seus bambuais em ogiva, as suas alamedas cheias do murmúrio das plantas e do queixume do passaredo, está abandonado.
Ninguém mais vai lá; ninguém mais fala nele. As crônicas elegantes das praias não têm uma palavra de saudade para aquele canto do Rio, tão belo, com o seu fundo verde-negro de montanha, em que a água, ao sol, cascateia prata. Ninguém mais fala nele; mas o jardim está cheio de um século de arrulhos de amores honestos, semi-honestos e mesmo desonestos completamente. Seja como for, e em todo o caso, tem ele cem anos de serviços ao Amor. (...)
Esta panurgiana burguesia atual voltará ao nada; e as palmeiras do jardim – estou bem certo – ainda hão de tornar a ser a guarda de honra imperial, perfilada em continência aos que forem sacrificar no templo da Deusa, filha do Mar e da Praia...
"O Jardim Botânico e suas palmeiras",
publicado em "Tudo", 26/06/1919
, um dos recantos mais belos do Rio, com as suas palmeiras hieráticas, os seus bambuais em ogiva, as suas alamedas cheias do murmúrio das plantas e do queixume do passaredo, está abandonado.
Ninguém mais vai lá; ninguém mais fala nele. As crônicas elegantes das praias não têm uma palavra de saudade para aquele canto do Rio, tão belo, com o seu fundo verde-negro de montanha, em que a água, ao sol, cascateia prata. Ninguém mais fala nele; mas o jardim está cheio de um século de arrulhos de amores honestos, semi-honestos e mesmo desonestos completamente. Seja como for, e em todo o caso, tem ele cem anos de serviços ao Amor. (...)
Esta panurgiana burguesia atual voltará ao nada; e as palmeiras do jardim – estou bem certo – ainda hão de tornar a ser a guarda de honra imperial, perfilada em continência aos que forem sacrificar no templo da Deusa, filha do Mar e da Praia...
"O Jardim Botânico e suas palmeiras",
publicado em "Tudo", 26/06/1919

4

Campo de Santana

Parque de Santana em 1894 - Juan Gut

inda
, é do tempo da minha meninice
as barraquinhas que se armavam no Campo de Santana, no largo em frente ao Quartel-General, aí pelo mês de junho, por ocasião das festas tradicionais deste mês. Eram as barraquinhas de Santo Antônio ou de Santana, não me lembro ao certo o nome popular que tinham; mas sei bem que os poderes públicos do tempo toleravam essa espécie de feira, alicerçada em toscas roletas, porque os empresários pretextavam que a renda dela era destinada a acabar as obras de matriz de Santana, na antiga Rua das Flores.
Os virtuosos jornais da época sempre implicaram com tal coisa. Clamavam e apostrofavam contra a desenfreada jogatina que havia naquelas barraquinhas. (...)
Veio a república, e logo as novas autoridades acabaram com aquela folgança de mês. A república chegou austera e ríspida. Ela vinha armada com a Política Positiva, de Comte, e com os seus complementos: um sabre e uma carabina. Esta, ela deixou no descanso; mas o espadagão, o sabre, ela pôs no seu escudo. Quem quiser que o veja; eu – posso-lhes garantir – que já estou cansado de vê-los nos tímpanos dos portões dos edifícios públicos, ou, então, funcionando aqui, ali ou acolá, por estes Brasis em fora. Quando opera assim, a carabina o segue.
"Feiras e mafuás", publicado em "Gazeta de Notícias", 28/07/1921
, é do tempo da minha meninice as barraquinhas que se armavam no Campo de Santana, no largo em frente ao Quartel-General, aí pelo mês de junho, por ocasião das festas tradicionais deste mês. Eram as barraquinhas de Santo Antônio ou de Santana, não me lembro ao certo o nome popular que tinham; mas sei bem que os poderes públicos do tempo toleravam essa espécie de feira, alicerçada em toscas roletas, porque os empresários pretextavam que a renda dela era destinada a acabar as obras de matriz de Santana, na antiga Rua das Flores.
Os virtuosos jornais da época sempre implicaram com tal coisa. Clamavam e apostrofavam contra a desenfreada jogatina que havia naquelas barraquinhas. (...)
Veio a república, e logo as novas autoridades acabaram com aquela folgança de mês. A república chegou austera e ríspida. Ela vinha armada com a Política Positiva, de Comte, e com os seus complementos: um sabre e uma carabina. Esta, ela deixou no descanso; mas o espadagão, o sabre, ela pôs no seu escudo. Quem quiser que o veja; eu – posso-lhes garantir – que já estou cansado de vê-los nos tímpanos dos portões dos edifícios públicos, ou, então, funcionando aqui, ali ou acolá, por estes Brasis em fora. Quando opera assim, a carabina o segue.
"Feiras e mafuás", publicado em
"Gazeta de Notícias", 28/07/1921

5

Avenida Beira-Mar

Avenida Beira-Mar - Acervo da Biblioteca Nacional

última
e formidável ressaca
que devastou e destruiu grande parte da Avenida Beira-Mar merece considerações especiais que não posso deixar de fazer.
O Mar tinham os antigos como sendo um dos cinco elementos da Natureza; do Mar, afirmam os sábios modernos, veio toda a vida. É assim o Mar um deus tutelar da nossa espécie. Nós lhe devemos tudo ou quase tudo. Não fora o Mar, ainda a Terra estaria muito por conhecer; ele é o meio mais eficaz de comunicação entre os povos. (...)
Mas, os grosseiros homens do nosso tempo, homens educados no cafundós escusos da City londrina ou nos gabinetes dos banqueiros de Wall Street, onde se fomenta a miséria dos povos, não lhe quiseram ver a grandeza, o mistério e a divindade, a sua palpitação íntima. O Mar, como a vida humana, não podia deixar de ser também um bom campo às suas “cavações” ou “escavações” e trataram de explorá-lo.
De há muito que ele havia marcado os seus limites com a terra; de há muito que ele dissera a esta: o teu domínio para aí e daí não passarás.
"A revolta do mar", publicado em "Careta", 23/07/1921
e formidável ressaca que devastou e destruiu grande parte da Avenida Beira-Mar merece considerações especiais que não posso deixar de fazer.
O Mar tinham os antigos como sendo um dos cinco elementos da Natureza; do Mar, afirmam os sábios modernos, veio toda a vida. É assim o Mar um deus tutelar da nossa espécie. Nós lhe devemos tudo ou quase tudo. Não fora o Mar, ainda a Terra estaria muito por conhecer; ele é o meio mais eficaz de comunicação entre os povos. (...)
Mas, os grosseiros homens do nosso tempo, homens educados no cafundós escusos da City londrina ou nos gabinetes dos banqueiros de Wall Street, onde se fomenta a miséria dos povos, não lhe quiseram ver a grandeza, o mistério e a divindade, a sua palpitação íntima. O Mar, como a vida humana, não podia deixar de ser também um bom campo às suas “cavações” ou “escavações” e trataram de explorá-lo.
De há muito que ele havia marcado os seus limites com a terra; de há muito que ele dissera a esta: o teu domínio para aí e daí não passarás.
"A revolta do mar", publicado em "Careta",
23/07/1921

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Morro do Castelo

Morro do Castelo em 1920 - Augusto Malta - Acervo da Biblioteca Nacional

bem
possível que, sob o governo
desmontador do Senhor Carlos Sampaio, os serviços da prefeitura não tenham progredido ou desempenhado o papel normal que lhes cabe; mas, uma outra iniciativa não se pode negar a esse iluminado prefeito que está aí, homem ultrapoderoso que até desafia, com a sua engenharia de máquinas de lama, as fúrias do Oceano. (...)
Em matéria de obras, o serviço da prefeitura é valorizar as areias de Copacabana e adjacências e bater-se contra os furores de indignação do Mar sem fim e sem amo.
Estupendo melhoramento",publicado em "Careta", 01/10/1921
possível que, sob o governo desmontador do Senhor Carlos Sampaio, os serviços da prefeitura não tenham progredido ou desempenhado o papel normal que lhes cabe; mas, uma outra iniciativa não se pode negar a esse iluminado prefeito que está aí, homem ultrapoderoso que até desafia, com a sua engenharia de máquinas de lama, as fúrias do Oceano. (...)
Em matéria de obras, o serviço da prefeitura é valorizar as areias de Copacabana e adjacências e bater-se contra os furores de indignação do Mar sem fim e sem amo.
Estupendo melhoramento",
publicado em "Careta", 01/10/1921