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Obra de Carlos Drummond de Andrade volta à editora Record em 2022

Neto do poeta afirma que 'proposta objetiva' do grupo editorial pesou na decisão; em agosto, Companhia das Letras anunciou que o contrato não seria renovado
O poeta Carlos Drummond de Andrade. Em 1984, ele trocou a José Olympio pela Record, editora à qual retornará em 2022 após uma década na Companhia de Letras Foto: Luis Mauricio Graña Drummond
O poeta Carlos Drummond de Andrade. Em 1984, ele trocou a José Olympio pela Record, editora à qual retornará em 2022 após uma década na Companhia de Letras Foto: Luis Mauricio Graña Drummond

Numa entrevista concedida à própria filha, Maria Julieta, e publicada no GLOBO em 29 de janeiro de 1984, o poeta Carlos Drummond de Andrade explicou por que resolvera trocar a editora José Olympio pela Record. Disse que havia sido contatado por várias editoras, mas que a Record “submeteu a proposta mais objetiva”. O artista plástico Pedro Graña Drummond , neto do poeta, deu a mesma resposta quando perguntado por que ele e o irmão, o matemático Luis Maurício, decidiram levar a obra do avô de volta para a Record, após uma década na Companhia das Letras . O anúncio oficial do retorno de Drummond à Record ocorrerá às 11h deste domingo (31), aniversário de 119 do poeta, no Festival Literário Internacional de Itabira , (Flitabira), realizado na cidade mineira onde ele nasceu. A informação foi antecipada no blog do jornalista e criador do Flitabira Afonso Borges , no GLOBO. As novas edições começam a chegar às livrarias em 2022.

— Recebemos propostas de outras editoras, que não foram ruins, mas a da Record foi a mais objetiva. Eles foram muito receptivos a nossas ideias e sugestões — conta Pedro. — O que para uns foi inaceitável, para eles não foi.

Em 25 de agosto, a Companhia das Letras informou, em nota, que, “por não ver a possibilidade de aceitar os termos da renovação do contrato, decidiu deixar de publicar a obra de Drummond” . Desde 2011, a editora lançou 54 títulos do escritor mineiro, incluindo poesias, crônicas, diários, antologias, infantis. No mesmo dia, a Agência Riff comunicou que, após 20 anos, deixava de representar a obra do poeta.

Já no dia seguinte ao anúncio, os herdeiros de Drummond foram procurados por várias editoras. Três delas enviaram propostas concretas. A Record, explica Pedro, ofereceu “algumas vantagens”, como recebimento de percentuais maiores sobre o preço de capa dos livros a partir de determinado número de exemplares vendidos.

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De certa forma, é um retorno também à editora José Olympio, que passou a publicá-lo em 1942. O poeta optou pela Record em 1984 porque a José Olympio, à qual se sentia “visceralmente ligado”, estava em decadência e tinha dificuldades para publicar os originais que ele enviava. A José Olympio foi incorporada ao Grupo Editorial Record em 2001. Os livros de Drummond, portanto, vão sair pelo selo Record, mas a José Olympio vai se responsabilizar por edições comemorativas.

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Dos 65 títulos que a Record pretende publicar a partir de 2022, 47 compõem o núcleo duro da obra em verso e prosa de Drummond, 11 são antologias ou paradidáticos e sete são volumes com material inédito em livro. São coletâneas de crônicas, publicadas em títulos como o Correio da Manhã e o Jornal do Brasil, organizadas ao redor de temas que vão de política a meio ambiente. Pedro já apresentou projetos de coletâneas sobre bichos e cinema e planeja um livro que vai juntar as receitas que Drummond recortava de jornais e enviava à mãe, Julieta Augusta, com textos seus sobre comida.

Drummond (de pá na mão) planta uma muda ao lado de Jorge Amado, no pátio da Record, em 1984 Foto: Divulgação
Drummond (de pá na mão) planta uma muda ao lado de Jorge Amado, no pátio da Record, em 1984 Foto: Divulgação

Segundo Pedro, além da “objetividade” da proposta e da possibilidade de retornar à José Olympio, pesou na mudança a relação de longa data dos Drummond com os Machado, donos da casa. Alfredo Machado, fundador da Record, passou anos cortejando o poeta, como indicam cartas incluídas na edição especial de “Autorretrato e outras crônicas”, lançada em 2018. Em setembro de 1984, meses após a assinatura do contrato, a convite de Alfredo, Drummond, Jorge Amado e outros escritores plantaram árvores na sede da Record, em São Cristóvão, no Rio.

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Para comemorar o retorno do poeta à casa, Roberta Machado, vice-presidente da Record e neta de Alfredo, quer repetir o gesto. Desta vez, as mudas serão plantadas pelos bisnetos de Drummond e Alfredo, ambos chamados Miguel. Pás, regadores e camisetas já foram providenciados.

— A volta do Drummond é cheia de simbolismos — diz Roberta.

No áudio da entrevista concedida à Maria Julieta, ao qual o GLOBO teve acesso, Drummond afirma que o fato de Jorge Amado e Fernando Sabino serem editados pela Record havia contribuído para sua decisão. Sabino continua na editora, mas Amado é editado pela Companhia das Letras desde 2011. Segundo Roberta, nos últimos dez anos, a Record investiu em modernização gráfica e logística e ampliou as equipes de marketing e divulgação. Também repensou “escolhas editoriais equivocadas”. Em julho, anunciou que não renovaria o contrato de Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo , cujos livros eram publicados pela editora. O próximo passo, diz Roberta, é “voltar a focar no autor brasileiro”.