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Papo cabeça de Zygmunt Bauman une ficção e filosofia

"O elogio da literatura", publicado em 2016 na Inglaterra, é lançado agora no Brasil
O intelectual pop Zygmunt Bauman (1925-1917) Foto: Agência O Globo
O intelectual pop Zygmunt Bauman (1925-1917) Foto: Agência O Globo

Capa do livro "O elogio da literatura", de Zygmunt Bauman e Riccardo Mazzeo Foto: Divulgação
Capa do livro "O elogio da literatura", de Zygmunt Bauman e Riccardo Mazzeo Foto: Divulgação

"O elogio da literatura”

Autor: Zygmunt Bauman e Riccardo Mazzeo. Editora: Zahar. Páginas: 152. Preço: R$ 56,90. Cotação: Bom.

Com público cativo no Brasil, o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman está de volta às livrarias. Morreu em 2017, aos 91 anos, mas escreveu tantos livros que ainda há vários títulos a saírem por aqui. A Zahar, que teve a inteligência de trazê-lo para o mercado brasileiro e já publicou nada menos que 43 das suas cerca de 80 obras, agora lança “O elogio da literatura”. Escrito em parceria com o ensaísta italiano Riccardo Mazzeo, saiu em 2016 na Inglaterra, onde Bauman vivia desde a década de 1970.

Impossível falar da nova obra sem lembrar que o polonês ganhou fama fora da academia ao pregar que vivemos num mundo líquido, com relações sociais cada vez mais fluidas e frágeis, nada sólidas, adaptáveis às novidades do nosso tempo.

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(E as novidades são muitas nesta cultura baseada no consumo e na necessidade de ficarmos bem na foto. Por essas e por outras, as mudanças e as incertezas são as únicas coisas permanentes na vida. “Seja água, meu amigo”, já dizia Bruce Lee, seguindo filosofias orientais de priscas eras. Não deixa de ser curioso.)

“O elogio da literatura”, claro, mantém essa linha. É uma conversa de compadres, assim como “Babel” (2016, com Ezio Mauro) ou “Cegueira moral” (2014, com Leonidas Donskis). Nesse molde, seus parceiros propõem temas e levantam a bola para o mestre dar seu recado. Sempre funciona. Desta vez, no entanto, a prosa exige mais concentração do que em títulos como “Retrotopia” (2017).

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Contra a vida rastaquera

Bauman e Mazzeo dialogam para provar que a sociologia e a literatura são irmãs siamesas, “cirurgicamente inseparáveis”. Ambas, afinal, mergulham no mistério da condição humana, de olho em discursos e vida real, pensando o passado e o presente, tendo a palavra como sua única arma.

Assim, para um sociólogo metido na tarefa de pesquisar o homem, é impossível não mergulhar em Miguel de Cervantes, José Saramago, Jonathan Franzen, Franz Kafka, Robert Musil, Georges Perec, Milan Kundera ou Michel Houellebecq, entre outros tantos escritores. Os dois autores esbanjam cultura literária, como nem poderia deixar de ser, e facilmente mostram como a ficção é vida real.

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É assim que ligam a literatura a questões contemporâneas como a hipocrisia dos escritores, que se apegam ao politicamente correto por medo de fazer inimigos. Ou o poder deletério da Amazon, não exatamente para o mercado, mas também para os escritores. Ou a imprensa de mentalidade estreita; o surto das selfies perpetuando um narcisismo vazio, em que as câmeras trocam o mundo exterior pela exibição do próprio umbigo; os bons moços que viraram torturadores em Abu Ghraib; os blogs e o fim da mediação; a literatura limitadíssima produzida num ambiente de cultura, formação e informação deficiente; a fácil disseminação de ideias vazias via conexão móvel... E por aí vai. São inúmeras referências.

No meio disso tudo, garantem eles, o sujeito contemporâneo pode até divertir-se e passar o tempo, mas estará longe da tal felicidade e cada vez mais próximo da frustração, do tédio ou da depressão— alerta básico na obra de Bauman.

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É verdade que, quando a dupla aprofunda demais suas ideias, às vezes beira a chatice para os leigos. Mas, se estivermos com a mente aberta, suas considerações provocam insights sobre nossa existência rastaquera. Com isso, “O elogio da literatura” nos subsidia com reflexões que, se não forem aplicadas à vida real (perpetuando assim a existência rastaquera), ao menos servem como papo cabeça.

Nelson Vasconcelos é jornalista