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Poeta português Manuel Alegre vence Prêmio Camões 2017

Autor de livros como 'Praça da Canção', ele tem trajetória literária e política de destaque
Manuel Alegre: escritor português venceu o Prêmio Camões 2017 Foto: Marcos Borga / Reuters
Manuel Alegre: escritor português venceu o Prêmio Camões 2017 Foto: Marcos Borga / Reuters

RIO — O português Manuel Alegre foi escolhido hoje, por unanimidade do júri, o novo ganhador do Prêmio Camões, principal troféu literário da língua portuguesa. Nascido em Águeda, em 1936, o poeta e escritor é conhecido em seu país por representar a visão de um Portugal aberto ao mundo e pelo humanismo universalista de sua obra e trajetória. Engajado em questões políticas, crítico desde a juventude do colonialismo, é autor de poemas que viraram hinos geracionais.

— Estou sereno naturalmente, contente pelo prêmio, que é de grande significado — diz Alegre. — Já havia ganho todos os prêmios de Portugal, mas faltava esse.

Na prosa, escreveu livros como "Jornada de África" (1989) e "Alma" (1995), no qual relembra sua juventude. Na poesia, estreou com dois livros de grande sucesso, como "Praça da Canção" (1965) e "O Canto e as armas" (1967). Apreendidos pela censura, alguns de seus poemas, como "Trova do vento que passa", se tornaram hinos antifascistas na voz do cantor Adriano Correia de Oliveira. Hoje, os dois livros já venderam 100 mil exemplares.

— Não eram livros políticos ou panfletários, eram livros que dialogavam com uma tradição lírica portuguesa, nos mitos portugueses, com uma profunda raiz camoniana — explica. — No meio de uma guerra colonial, eu falava sobre descobrir Portugal em Portugal, e isso tinha um significado subversivo, pois era uma crítica à guerra e àquela política da guerra.

No Brasil, ele lançou "Cão como nós", que saiu pela editora Agir em 2007 e tem como protagonista o seu cachorro, Kurika —   indisciplinado épagneul-breton.

— O livro não é uma teoria sobre cães, é um ato de literatura, de poesia  — disse ele ao GLOBO, na época do lançamento.  — É um livro sobre as pessoas, sobre a crise de afetos da sociedade. Talvez o segredo desse livro seja esse, mais que o cão. Talvez a literatura precise disso, desse afeto. Kurika era uma metáfora, agora é um mito.

Alegre também tem uma trajetória política de destaque: membro do Partido Socialista, foi secretário do ex-presidente português Mario Soares em 1974. No ano seguinte, foi deputado na Assembleia Constituinte.

A ensaísta portuguesa Paula Mourão, que fez parte do júri, cita os 50 anos da publicação de seu livro "O canto e as armas" como um dos fatores da premiação.

— Ao longo de sua carreira, Manuel Alegre construiu uma obra de grande coerência e que vem num crescendo de profundidade  — diz ela.  —  Manteve um diálogo não só com os clássicos portugueses, mas também com a literatura internacional, tendo  traduzido os poetas estrangeiros mais importantes para sua formação.

Com a escolha de seu nome, Portugal ganha seu 12º prêmio e se iguala ao Brasil. O Camões escolhe todo ano um escritor lusófono pelo conjunto de sua obra, que recebe 100 mil euros como prêmio. A cerimônia de entrega será em Lisboa, em data a ser acordada, como habitualmente, entre os governos brasileiro e português.

O júri foi formado pelos escritores Jose Luiz Tavares (Cabo Verde), Lourenço Joaquim da Costa Rosário (Moçambique), Maria João Reynaud (Portugal), Paula Morão (Portugal), José Luís Jobim de Salles Fonseca (Brasil) e Leyla Perrone Moisés (Brasil) e se reuniu nesta tarde na sede da Biblioteca Nacional, no Rio. O último português a vencer o Camões foi a escritora Helia Correa, em 2015.

Segundo o jurado José Luiz Tavares, escritor caboverdiano, a discussão final ficou entre três poetas, sendo dois portugueses e um brasileiro, tendo sido escolhido, ao final, Manuel Alegre.

O Prêmio Camões de Literatura foi instituído em 1988 com o objetivo de consagrar um autor de língua portuguesa que, pelo conjunto de sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural de nossa língua comum. A Menção Internacional foi criada pelo Protocolo Adicional ao Acordo Cultural entre os governos brasileiro e português, representados, respectivamente, pela Fundação Biblioteca Nacional e pela Direção Geral do Livro, dos Arquivos e das bibliotecas/Secretaria de Estado da Cultura de Portugal.

TODOS OS VENCEDORES

1989 - Miguel Torga, Portugal

1990 - João Cabral de Melo Neto, Brasil

1991 - José Craveirinha, Moçambique

1992 - Vergílio Ferreira, Portugal

1993 - Rachel de Queiroz, Brasil

1994 - Jorge Amado, Brasil

1995 - José Saramago, Portugal

1996 - Eduardo Lourenço, Portugal

1997 - Artur Carlos M. Pestana dos Santos, o Pepetela, Angola

1998 - Antonio Cândido de Melo e Sousa, Brasil

1999 - Sophia de Mello Breyner Andresen, Portugal

2000 - Autran Dourado, Brasil

2001 - Eugênio de Andrade, Portugal

2002 - Maria Velho da Costa, Portugal

2003 - Rubem Fonseca, Brasil

2004 - Agustina Bessa-Luís, Portugal

2005 - Lygia Fagundes Telles, Brasil

2006 - José Luandino Vieira, Angola

2007 - António Lobo Antunes, Portugal

2008 - João Ubaldo Ribeiro, Brasil

2009 - Armênio Vieira, Cabo Verde

2010 - Ferreira Gullar, Brasil

2011 – Manuel António Pina, Portugal

2012 – Dalton Trevisan, Brasil

2013 – Mia Couto, Moçambique

2014 – Alberto da Costa e Silva, Brasil

2015 – Hélia Correia, Portugal

2016 – Raduan Nassar, Brasil

2017 – Manuel Alegre, Portugal