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Point cultural do Centro, sebo Al-Farabi fecha as portas

Aluguel alto inviabilizou negócio, que conquistou escritores e boêmios misturando sebo, cervejaria e restaurante
 Desde que abriu, Al-Farabi se reinventou promovendo eventos musicais e literários, com lançamento de livros, rodas de choro e venda de cervejas artesanais
Foto: Rafael Moraes / Agência O GLOBO
Desde que abriu, Al-Farabi se reinventou promovendo eventos musicais e literários, com lançamento de livros, rodas de choro e venda de cervejas artesanais Foto: Rafael Moraes / Agência O GLOBO

RIO — Na última sexta-feira, a Livraria Al-Farabi estava em clima de “Bar esperança”, o filme de Hugo Carvana, de 1983, cujo pano de fundo é um bar de Ipanema que fecha as portas para ser derrubado e se tornar um edifício. Depois que os proprietários da charmosa livraria do Centro do Rio —que também funciona como cervejaria e restaurante — divulgaram nas redes sociais, na última semana, a notícia de que encerrariam as atividades por conta da especulação imobiliária, os frequentadores assíduos rumaram para o local cheios de indignação e carinho. Contavam histórias que fizeram do local um dos points de uma geração de escritores, livreiros, estudantes, alfarrabistas e leitores em geral, com eventos sempre ligados à literatura e à música brasileira (havia sempre um vinil na vitrola entre os livros). Faziam brindes, lamentavam a decisão, cantavam juntos, exatamente como no emblemático longa de Carvana. Ao final, cada freguês que pagava a conta levava a coproprietária, Evelyn Chaves, às lágrimas.

— O clima foi de despedida, e tinha que ser mesmo — diz Evelyn, que encerrará as atividades no dia 28. — O fechamento é muito simbólico para o Rio, porque é um dos últimos sebos que ainda existem nessa área toda, promovendo sempre muitos eventos.

Aberto em 2004 em um quase bicentenário casarão da Rua do Rosário, o Al-Farabi tentou se diversificar para acompanhar todas as tendências do mercado livreiro nos últimos anos, mas ainda assim não conseguiu mais enfrentar a crise do país e o aumento vertiginoso dos aluguéis na área que, desde a Copa do Mundo, assombra os micro-comerciantes cariocas.

Quando os sebos virtuais começaram a concorrer com os físicos, reinventou-se como uma livraria-bar e, depois, restaurante. Em seguida, foi um dos primeiros estabelecimentos da cidade a apostar alto na venda de cerveja artesanal. Para driblar a crise financeira, vinha recebendo todo tipo de eventos, de rodas de choro a lançamento de livros, passando por feiras gastronômicas, como a Junta Local.

No ano passado, as obras para a Olimpíada, que isolaram com um paredão de metal parte da Praça XV, prejudicaram as vendas. Mas foi o aluguel do espaço, agora batendo na casa dos R$ 13 mil, que inviabilizou o negócio, explica Evelyn:

— O fato é que, em doze anos, nunca vimos uma crise como esta.

Assim que a notícia se espalhou, habitués do “Alfa” usaram as redes sociais para lamentar o fechamento. O historiador Luiz Antonio Simas, que deu cursos sobre carnaval, samba e macumbas e lançou livros no local, lembrou que o sebo transformou um pedaço da região “quando ali não havia praticamente nada”. Ele, que diz ter tomado a primeira cerveja do estabelecimento e garante que irá tomar a última, lembrou de uma “inovação” promovida por seus frequentadores. Simas e os escritores Alberto Mussa trocaram boa parte dos livros de suas bibliotecas por um crédito etílico. “Rigorosamente bebi uma biblioteca no Alfa”.

Mussa, que calcula ter “bebido” pelo menos cinco mil livros em cerveja, se diz “pessoalmente abalado com a tragédia”.

— O fim do Alfa é como a queda de um castelo — diz o autor. — O exército invasor é o da especulação imobiliária e o do capital sem rosto, multiplicador de franquias. Mas o Alfa cai de pé. Até porque aquele trecho da Rua do Rosário não teria a alma que tem hoje, se não fosse o Alfa. Os vencedores perderão muito mais.

O bota-fora do Al-Farabi está marcado para último sábado do mês com uma roda de choro com Zé da Velha, Silvério Pontes, Daniela Spielmann e Paulão Sete Cordas. O jornalista e escritor Fernando Molica também teve a ideia de promover um evento de “relançamento” de livros antigos de vários autores identificados com a casa — eles compraram suas próprias obras e as venderão abaixo do preço. O lucro será usado para ajudar no pagamento dos funcionários da casa.

— Esperamos que sirva de estímulo para que o sebo possa ser reaberto em outra situação ou local. É uma esperança — diz Molica. — Mas também serve para ressaltar a importância do Alfa. Muito triste que ele, que tanto ajudou na convivência da cidade com o seu porto, feche justamente no momento em que o Centro do Rio está recuperando sua ligação com o mar. Além de tudo, o Alfa funcionava como um ponto de encontro importante para troca de ideias, à maneira de antigas livrarias como Garnier e São José. Sem precisar marcar, encontro lá pessoas como (os jornalistas e escritores) Alvaro Costa e Silva e Marcelo Moutinho e o (cartunista) Cassio Loredano.

Ao contrário de muitos ex-donos de sebos, Evelyn e o sócio e cofundador, Carlos Alves, não pretendem continuar vendendo livros pela internet. Haverá uma “queima” no dia do fechamento — tudo pela metade do preço — e o que sobrar será doado.