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Presidente da Sociedade Lewis Carroll do Brasil, Adriana Peliano reinventa imagem de Alice

Artista plástica fez intervenções em ilustrações clássicas de John Tenniel para nova edição de obras do inglês

Adriana Peliano, ilustradora e presidente da Sociedade Lewis Carroll do Brasil, recriou os desenhos clássicos de John Tenniel
Foto: Michel Filho
Adriana Peliano, ilustradora e presidente da Sociedade Lewis Carroll do Brasil, recriou os desenhos clássicos de John Tenniel Foto: Michel Filho

SÃO PAULO - Entrar no apartamento de Adriana Peliano, no Jardim Paulista, Zona Oeste de São Paulo, é uma experiência sensorial ou uma grande brincadeira, dependendo do grau de abstração de quem a visita. A artista plástica, de 41 anos, transformou a maior parte dos cômodos em uma verdadeira “toca do coelho”, portal imaginado por Lewis Carroll há 150 anos para o mergulho de Alice no “País das Maravilhas”.

Quase todos os móveis e estantes são ocupados por livros — cerca de 300 volumes — e colagens de objetos multicoloridos inspirados na personagem do autor britânico e no mundo onírico no qual a menina se aventura. Há até apetrechos nada ortodoxos, aqui e ali, que chamam a atenção dos mais desavisados. Não por acaso, Adriana foi escolhida para ilustrar a edição comemorativa que a editora Zahar lança em julho para celebrar os 150 anos da personagem de Carroll, reunindo em um só volume “Alice no País das Maravilhas” e “Através do espelho”. Ela fez intervenções nos desenhos originais de John Tenniel, ilustrador das primeiras edições dos livros de Carroll.

— Não gosto de ser chamada de especialista em Alice — diz ela, com seu vestido estampado com imagens da personagem na versão imaginada por Tenniel.— Talvez eu prefira “especialice”.

Especialista ou “especialice”, as credenciais de Adriana são incontestáveis quando o assunto é Alice. Em seu currículo, ela tem a meticulosa edição em português do manuscrito que Carroll elaborou para Alice Liddel, “Aventuras de Alice no subterrâneo” (1862-1864), Prêmio Jabuti de projeto gráfico em 2012 — a letra cursiva do autor foi recriada como se Lewis Carroll tivesse escrito em português. E uma dissertação de mestrado intitulada “Através do surrealismo e o que Alice encontrou lá”, com orientação da jornalista Kátia Canton, que mostra a trajetória da obra através dos tempos e como se transformou ou influenciou as artes ao longo desse período.

Nada mal para a presidente da Sociedade Lewis Carroll do Brasil, que fundou em 2009 e tem uma abordagem diferente de outras associações parecidas no exterior.

— A nossa se destaca das outras porque é mais ligada às artes — diz ela. — Como essa obra influenciou as artes e continua a influenciar até hoje. A maior parte das coisas sou eu que faço, inclusive a manutenção de dois blogs.

Ilustração de Adriana Peliano para edição "Alice no país das maravilhas" Foto: Divulgação/Editora Zahar
Ilustração de Adriana Peliano para edição "Alice no país das maravilhas" Foto: Divulgação/Editora Zahar

O primeiro contato com Alice não poderia ter sido mais frugal. Ela conta que, quando era criança, assistia a um desenho da produtora Hanna-Barbera livremente inspirado na personagem.

— Meu padrasto comprou um vídeo Betamax e gravou alguns episódios desse desenho — contou ela. — Eu assisti milhares de vezes e tinha um episódio em especial no qual a Alice caía na toca e encontrava os personagens dos desenhos. Naquela época, não tinha a dimensão do que era o livro.

Essa dimensão veio um pouco mais tarde, aos 9 anos, quando ganhou sua primeira edição de “Alice no País das Maravilhas”, ilustrada por Nicholas Gilbert.

— A Alice era mais angustiada. E eu tinha uma identificação com essa angústia adolescente. Quem sou eu, para onde vou? — diz ela.

Aos 15 anos, ganhou uma edição da Summus, com os dois livros de Carroll: “Alice no País das Maravilhas”, com ilustrações do próprio autor, e “Através do espelho”, com os desenhos clássicos de John Tenniel.

— Acho as ilustrações de Carroll misteriosas e atraentes. Já as de Tenniel me causaram naquele momento um certo desapontamento diante da efervescência criativa que o texto desperta. Hoje, trabalho com elas através de colagens. Elas se tornam intrigantes de novo e me convidam a um novo olhar.

Foi aos 20 anos, no entanto, que tomou a decisão de investir ela mesma em ilustrações, após percorrer uma exposição de imagens de Alice na Biblioteca do Instituto Nacional do Livro.

— É uma das obras mais ilustradas do mundo inteiro — diz ela. — Vi a exposição e me deu um insight, que eu queria ilustrar os livros da Alice. Comecei a estudar, li os livros e sabia de cor trechos inteiros. Comecei a ficar fascinada e a criar ilustrações.

Adriana usa a técnica da assemblage , que consiste em colar objetos e materiais tridimensionais. Ela também rearranja palavras, criando novos significados, como “alicinações”, “amaravilhas” e outras. “Alicinações” por exemplo, é o nome que deu ao que considera seu primeiro grande trabalho: uma série de colagens inspiradas em cada um dos personagens da história. Ela a apresentou na Universidade de Oxford, em 1998, no centenário da morte de Carroll.

— Depois disso, “alicinações” se tornou um conceito mutante, uma “palavra-valise” (que juntam dois ou três vocábulos num só) com a qual persigo a presença de Alice na arte e na cultura de forma mais livre e experimental — conta Adriana.