Cultura Livros

Quase centenário, Popeye ganha HQ em que surge frágil e humanizado

Roteirista francês Antoine Ozanam e ilustrador brasileiro Marcelo Lelis recriam personagem clássico - ainda de cachimbo e apaixonado por Olívia Palito e, claro, espinafre
Painel de "Popeye - Homem ao mar" Foto: Divulgação
Painel de "Popeye - Homem ao mar" Foto: Divulgação

O personagem que está na memória afetiva de todo mundo que cresceu lendo os gibis ou assistindo aos desenhos animados estrelados por ele acaba de ganhar uma graphic novel adulta e de tom lírico que o leva a um novo patamar narrativo. Mérito do roteirista francês Antoine Ozanam e do ilustrador brasileiro Marcelo Lelis, que em “Popeye — um homem ao mar” (Skript) apresentam um marujo mais humano, com problemas mundanos como conseguir trabalho, mas ainda apaixonado por Olívia Palito.

Traçando Hogwarts: designer Eduardo Lima fala sobre trabalho no universo Harry Potter e novas ilustrações para livro

Mineiro de Montes Claros, Lelis já havia trabalhado antes com o parceiro francês em duas HQs, a inédita “Last bullets”, de 2009, e “Goela negra” (Mino), de 2015. Ele acredita que o projeto para o quadrinho de Popeye tenha nascido entre os dois livros, quando aproveitou uma viagem à Feira do Livro de Frankfurt, em 2013, para esticar até Angoulême, onde vive Ozanam, e assim conhecer pessoalmente o colega e sua família.

— Mineiro é assim mesmo: precisa conhecer a fuça com quem trabalha — conta, com bom humor, o mestre da aquarela Lelis, como já escreveu seu conterrâneo Ziraldo. — Em um dos jantares na casa dele, Ozanam me pediu para fazer um Popeye no caderninho de sketch que tinha.

Arte digital

Lelis lembra que não foi o único, no encontro, a desenhar o marujo mal-humorado e caolho (daí o nome em inglês, Popeye), mas, dois ou três anos depois, o francês lhe escreveu propondo um roteiro.

— Fizemos um dossiê e Ozanam ficou um bom tempo procurando uma editora. Em 2018, acertamos com a Michel Lafon, e, em 2019, o livro saiu — revela o mineiro, que diz ter ilustrado toda a HQ de forma digital. — Curioso é que ele incluiu na folha de rosto da edição aquele desenho do Popeye que fiz no sketchbook .

'Cidade de Deus' ganha versão em audiobook: 'É o livro da minha vida e parece que lancei ontem', diz Paulo Lins

No quadrinho financiado via Catarse e publicado pela editora Skript, Ozanam e Lelis concebem uma espécie de história de origem para o clássico personagem criado pelo cartunista americano Elzie Crisler Segar em 1929. Aliás, logo na primeira tira de jornal, há quase 100 anos, Popeye já revelava o pavio curto. Em pé, no deque de um barco, e vestido a caráter, como um profissional do mar, ele ouve a seguinte pergunta do picareta irmão de Olívia Palito: “Ei, você é um marinheiro?” E responde: “Você acha que eu sou um caubói?”.

Essência mantida

O tom da nova HQ, de cores impressionantes, não tem o tradicional humor das aventuras do marujo, mas surpreende por inserir Popeye numa trama de ritmo mais lento, contemplativo, em que o herói aparece mais angustiado. Porém, os fãs tradicionais podem ficar tranquilos, pois a essência do velho personagem continua lá, além do cachimbo e do espinafre.

'Maus": Conselho escolar do Tennesse proíbe uso de HQ sobre Holocausto em salas de aula

Depois da experiência marítima, ao menos na ficção, o quadrinista mineiro já tem um novo álbum prestes a ser lançado pela mesma Skript, “Em fuga”, financiado com 866% da meta, também por crowdfunding. E, desta vez, numa HQ muda, sem diálogos.

— Em meio a um desgoverno que não teve a capacidade de gerenciar uma crise, “Em fuga” foi um respiro, uma forma de fugir de tanta notícia ruim durante a pandemia. O livro serviu para que eu transformasse a dor que sentia em arte — comove-se Lelis. — E convidar o leitor a lembrar da dupla O Gordo e O Magro e de Chaplin, que nos faziam rir de forma tão espontânea.