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Referência para nova geração de escritores, Ledusha lança livro: 'Os poemas estão vivos e passam bem'

Autora paulista volta às livrarias com 'Lua na jaula', primeira obra inteiramente inédita desde 1990
leda spinardi, conhecida como ledusha. poeta lança "lua na janela" Foto: Renato Parada / Divulgação
leda spinardi, conhecida como ledusha. poeta lança "lua na janela" Foto: Renato Parada / Divulgação

RIO — Nos anos 1970 e 1980, a paulista Leda Beatriz Spinardi escrevia pelos cotovelos. Experimentando a alegria produtiva, publicou uma sequência de pequenas joias poéticas, “Risco no disco” (1981), “Finesse & fissura” (1984) e “40 graus” (1990), sob o pseudônimo de Ledusha. Um estado jubiloso de espírito, que se refletia na fluidez e no humor — ainda que ácido — de seus versos.

Perto dos 40 anos, porém, algo mudou. Antes leves e breves, as fases de melancolia deram lugar a uma depressão profunda, que cortou sua inspiração. Enquanto Ledusha enfrentava a doença em um silêncio quase total, sua obra continuou influenciando as novas gerações, que caçavam seus livros antigos nos sebos. E é essa Ledusha, agora redescoberta por uma série de jovens poetas, que volta às livrarias com “Lua na jaula” (Todavia), uma coletânea com poemas frescos como a noite, o primeiro com material cem por cento inédito desde 1990.

“A depressão que toma todos os campos do seu ser, que exige medicamento aliado à terapia, essa bloqueia. E não só a escrita. A depressão é o contrário da vitalidade.”

Ledusha
Poeta

— Num determinado momento, minha situação emocional, física, mental e financeira agravou-se, e tudo ficou muito difícil — conta Ledusha. — Praticamente passei a dedicar grande parte dos meus dias a buscar soluções, cura, alívio para o meu estado, o que não é para principiantes. Para muitos a depressão pode ser um aditivo, mas no meu caso o que percebo ser propício à escrita trata-se mais de um estado levemente melancólico, baudelairiano ... Porque a depressão que toma todos os campos do seu ser, que exige medicamento aliado à terapia, essa bloqueia. E não só a escrita. A depressão é o contrário da vitalidade.

Pop e profana

“Lua na jaula” chega após o relançamento de “Risco no disco” pela editora Luna Parque, em 2016. Mesmo publicada em tiragem pequena nos anos 1980, a obra ganhou admiradores ao longo dos anos, e atravessou os anos 2000 como referência para poetas contemporâneos como Ramon Nunes Mello, Angélica Freitas, Bruna Beber e Marília Garcia, entre outros.

O sucesso da reedição foi um incentivo a mais para que Ledusha, autora de pegada pop e levemente profana em suas referências (seus versos misturam Toddy e Maiakóvski, e “afogam Balzac na pia”), se decidisse a publicar um novo livro.

— A linda recepção da moçada, a maioria também poeta, foi uma alegria imensa; eu não imaginava que “Risco no disco” fosse um “cult” nesse grau, entre eles. Mas apesar desse estímulo, não percebi que estava pronta para publicar. É que mesmo durante os anos plúmbeos, anotava muito esporadicamente versos, coisas soltas, fragmentos, e conforme melhorava passei a trabalhar nesse material.

Foi então que a poeta Bruna Beber e o editor Leandro Sarmatz, da Todavia, convenceram Ledusha de que ela já tinha um livro praticamente pronto. Aconteceu aos poucos, pois a poeta ainda se sentia “pisando no chão nebuloso” que se tornara habitual.

— Não tinha certeza de nada. Estava chegando de zepelim do soturno Saturno — recorda.

“Soturno Saturno” é um achado sonoro típico de Ledusha. De “Risco no disco” a “Lua na jaula”, suas escrita se delicia com os ecos e trava-línguas. A nova coletânea é cheia deles: “lutas sem volutas”, “futricas e fricotes”, “baba de babel”, “aos vinte um acinte”...

Do gozo da rima ao ‘spleen’

As combinações sonoras criam imagens surpreendentes e contraditórias, em que o gozo imediato da rima logo dá lugar ao estranhamento e ao spleen . O próprio título do livro é conflituoso — se lua é sonho e mistério, jaula é prisão, impotência. Embora seguidos de perto pela tristeza, “os poemas estão vivos e passam bem”, costuma dizer a autora.

— Muito do que escrevo a princípio é instintivo, o que não quer dizer espontâneo, pois exige trabalho e quase sempre muito — diz a poeta. — A sonoridade é importantíssima, no meu processo, e esta sim me traz coisas prontas, como o título “Lua na jaula”, que me ocorreu num momento bem prosaico, e curti logo de cara. Bem depois percebi que falava dos meus anos depressivos (jaula), quando mesmo travada, versos (raios da Lua) escapavam por entre as grades, para ser óbvia. Outra “descoberta” que fiz muito depois, foi que a palavra jaula contém a palavra lua no seu interior, só que de trás para a frente. Isso foi mesmo inconsciente, e adorei.

Mas o que fazer quando a poesia está doente e os poemas passam mal?

— Quando os poemas passam mal, a princípio deixo-os em repouso e quando sinto chegada a hora passo a me dedicar a burilá-los de outro prisma, com outra atenção, buscando maior precisão, concisão, até que me pareçam “saudáveis”, se é que podemos usar essa expressão em relação a matéria tão complexa e insana como a poesia. Talvez seja justamente o estranhamento, ou certo “desequilíbrio”, que propicie o teor poético de um texto.

Capa de "Lua na jaula" Foto: Divulgação / O Globo
Capa de "Lua na jaula" Foto: Divulgação / O Globo

“Lua na jaula”

Autora: Ledusha Spinardi. Editora: Todavia. Páginas 128. Preço : R$ 49,90.