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Por Rodrigo Simon e Luciano de Jesus Gonçalves; Especial Para O GLOBO

Mário de Andrade Infoglobo

Como era de se esperar, em meio às celebrações do centenário da Semana de 22, as prateleiras das livrarias se encheram de publicações sobre os artistas e os feitos do chamado Modernismo brasileiro. Até agora, no entanto, poucos tinham sido os livros a trazer algo de realmente novo para os interessados no tema.

E nem é o caso de culpar editoras e autores, afinal, há pelo menos 50 anos a produção de alguns dos principais nomes dos modernistas vem sendo sistematicamente esmiuçada, deixando pouco espaço para grandes descobertas.

Em meio a tudo isso, a antologia "Mário de Andrade: seleta erótica", organizada por Eliane Robert Moraes, surge como ótima novidade. Lançada pela editora Ubu, a seleção oferece aos leitores um viés que, apesar de presente em toda a obra do escritor, até hoje havia escapado às maiores sistematizações de sua obra.

Seria de se pensar que a inevitável comparação entre um sempre retraído Mário e um expansivo e espalhafatoso Oswald, com quem dividiu, além do sobrenome, o protagonismo modernista, explicaria as razões para que tal faceta em sua obra levasse tanto tempo para ser mais bem notada.

“É bom gozar!”, diz o poeta em “O animal desembesta”, mas não sem antes lembrar sua “frieza de paulista, Policiamentos interiores”.

A maneira como o erótico se estabelece na obra de Mário no entanto vai muito além de uma questão de personalidade. Como mostra Robert Moraes, a questão repousa no aspecto formal da literatura do escritor, fazendo com que “a matéria lúbrica seja muitas vezes apresentada de forma enigmática, exigindo um razoável esforço de decifração por parte de quem os lê”.

Eis aí o que faz de Mário de Andrade: seleta erótica uma animadora novidade. Professora de literatura brasileira na USP e há 30 anos dedicada a pesquisar as maneiras como a força de Eros se apresenta na matéria literária, Robert Moraes cumpre com destreza a grande tarefa do crítico literário, lançando um facho de luz no caminho a ser percorrido pelo leitor na estrada aberta pelo escritor.

Assim, as mordicagens de mão leves e mútuas entre primos, em “Desejo, personagem principal”, ou mesmo o gesto infantil do levantar das vestimentas em “Camisolinha de anjo”, e a consequente exposição da genitália, explodem em tensão e sensualidade. O erotismo se descortina em textos que, antes, líamos sem maiores sacanagens.

O livro também ganha em relevância e interesse graças à abrangência da investigação conduzida por Moraes, que, com o auxílio das pesquisadoras Aline Novais de Almeida e Marina Damasceno de Sá, também especialistas na obra de Mário de

Andrade, não se limita a um gênero, mas dá conta de acompanhar com fôlego a produção de um autor prolífico em praticamente em todas as vertentes literárias: epistolar, ensaios, prosa ficcional e poesia.

Mário de Andrade: seleta erótica faz justiça àquele que foi grande defensor da necessidade da crítica brasileira se voltar ao erotismo em nossa literatura. Para o autor de Macunaíma, a sacanagem seria um dos pilares de nossa nacionalidade.

Não parece ter sido ao acaso que em um dos prefácios a sua conhecida rapsódia, cravou: “Já se falam que se três brasileiros estão juntos, estão falando porcaria” – no caso de Mário de Andrade, como mostra o livro organizado por Eliane Robert Moraes, porcaria transformada em literatura da melhor qualidade.

Rodrigo Simon é pesquisador afiliado ao Brazil LAB da Universidade de Princeton e doutor em teoria e história literária pela Unicamp. Luciano de Jesus Gonçalves é professor do Instituto Federal do Tocantins (IFTO).

"Mario de Andrade: seleta erótica". Autor: Mário de Andrade. Organização: Eliane Robert Moraes. Editora: Ubu. Páginas: 320. Preço: R$ 99,90. Cotação: ótimo.