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Romance de estreia de Aline Bei conquista fãs com ritmo poético

Formato ousado e aproximação com leitores rendem indicação ao Prêmio São Paulo de Literatura e vendas surpreendentes
Aline Bei, autora do livro 'O peso do pássaro morto' Foto: Edilson Dantas / O Globo
Aline Bei, autora do livro 'O peso do pássaro morto' Foto: Edilson Dantas / O Globo

SÃO PAULO — Não se deixe enganar pelas aparências. Por trás da figura frágil e delicada de Aline Bei, se esconde uma escritora ousada e dona de um estilo único, que ela, aos 30 anos, defende como poucos autores. O seu romance de estreia, “O peso do pássaro morto” (Nós), conta a história de uma mulher dos 8 aos 52 anos, numa trajetória marcada por perdas.

Escrito em versos, o romance causa uma estranheza inicial ao leitor desavisado. Aline chegou a receber oferta de uma editora para imprimir ao livro uma narrativa convencional, mas ela defendeu seu trabalho e sua opção estilística.

— Não mudaria meu texto por nada —diz ela, em entrevista ao GLOBO, no café de uma livraria na Vila Madalena, em São Paulo. — Ele é como é, entrecortado, e a potência dele deriva, em parte, disso mesmo.

Essa persistência rendeu frutos. Aline está entre os quatro finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura, na categoria autores estreantes com menos de 40 anos. Seus concorrentes são: José Almeida Júnior, com “Última hora" (Record); Mauro Paz, com “Entre lembrar e esquecer" (Patuá); e Tiago Feijó, com “Diário da casa arruinada" (Penalux). O vencedor, que ganhará R$ 100 mil, será conhecido em novembro.

Capa de 'O peso do pássaro morto' (Nós), de Aline Bei Foto: Divulgação
Capa de 'O peso do pássaro morto' (Nós), de Aline Bei Foto: Divulgação

A partir da imagem de um canário que morreu em suas mãos, Aline criou a história da personagem que protagoniza sua obra. O título surgiu depois, em uma caminhada. A escrita se seguiu a esses estímulos, segundo ela, de forma quase natural:

— Não queria que tivesse nenhuma trégua — diz a escritora, citando entre suas influências "Aos 7 e aos 40", de João Anzanello Carrascoza; e o poema "One art", de Elizabeth Bishop. — Queria que ela perdesse, perdesse e perdesse. E que os poucos ganhos também fossem resultado das perdas.

“O peso do pássaro morto" deve muito também a Marcelino Freire e suas oficinas literárias. Foi durante um curso, em 2015, que a atriz diletante (ela fez o curso de teatro de Célia Helena) e escritora bissexta (em sites que montou com amigos e sozinha) viu sua carreira como autora se delinear.

— Eu costumava mostrar a ele um livro de contos. Mas depois de ver o romance, ele me incentivou a investir nisso — relembra.

Ela participou de um concurso promovido pelo escritor no ano seguinte, quando o livro foi premiado junto com "São Bernardo sitiada", de Paulo Júnior.

Freire contou ao GLOBO que a escrita de Aline impressionou tanto seus colegas de oficina que alguns passaram a imitá-la, quebrando as frases em versos na busca por um ritmo mais próximo da poesia.

— Eu falei para ela “pelo amor de Deus, publica logo um livro, porque se alguém publicar antes, vão dizer que é você que está imitando” — lembra Freire. — A escrita de Aline tem uma pulsação muito própria. Não é poesia o que ela faz quando quebra frases, isola palavras ou coloca maiúsculas no meio do texto. Ela dá um batimento cardíaco ao texto.

Escritora e divulgadora

Distante das grandes editoras, Aline recorreu às redes sociais e ao boca a boca para ajudar “O pássaro morto” a alçar voo.

— O boom foi no lançamento. Eu não tenho tantos amigos assim, e a minha família também não encheria um evento desses. Então, comecei a convidar pessoalmente outras pessoas. E deu certo — disse. — O livro é do autor, e é importante que o autor trabalhe o próprio livro. Não conheço as editoras por dentro, mas tenho certeza de que numa grande estrutura o número de autores deve ser muito grande. E eles vão cuidar primeiro dos que vendem.

O livro já vendeu três mil exemplares — número assombroso para uma autora nova e publicada por uma editora pequena. Simone Paulino, editora da Nós, estima que 70% desse volume foi vendido pela própria Aline.

— Depois do lançamento, ela me pediu 50 exemplares para vender. Na semana seguinte, pediu mais 100. Depois, passou a pedir 300 por vez – conta Simone ao GLOBO, poucas horas depois de receber outro pedido robusto da autora. — Vamos reimprimir o livro e estou pensando que mil exemplares talvez seja pouco. Compensa mais dar o livro para Aline vender do que consignar para as livrarias.

A autora compra os livros com 50% de desconto e os oferece nas redes sociais. Quem curte uma foto ou um post dela, logo recebe uma mensagem. Ela explica que publicou um livro recentemente e se coloca à disposição de quem se interessar. Pelo Facebook, ela contatou a agente literária Lucia Riff.

— Ela me procurou ao mesmo tempo em que eu a estava procurando. Assisti a uma mesa dela num evento literário e fiquei muito impressionada —diz Lucia. — O livro é um espetáculo. A Aline tem uma voz incrível.

Quatro editoras estrangeiras se interessaram em avaliar a obra para uma eventual publicação, mas ainda não há nenhuma proposta concreta. “O pássaro morto” promete voar longe.