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Romancista israelense Amós Oz morre aos 79 anos

Autor foi vítima de câncer, confirmou sua filha

O escritor Amós Oz
Foto: Divulgação/ Uzi Varon /
Divulgação/Uzi Varon
O escritor Amós Oz Foto: Divulgação/ Uzi Varon / Divulgação/Uzi Varon

RIO DE JANEIRO e SÃO PAULO – O romancista israelense Amos Oz morreu de câncer aos 79 anos, confirmou sua filha nesta sexta-feira. "Para aqueles que o amam, obrigada", escreveu Fania Oz-Salzberger no Twitter.

Como escritor e ativista político, Oz era um dos principais intelectuais contemporâneos, sempre cotado para o Nobel de Literatura. Autor de dezenas de livros de ficção e não ficção (ensaios e memórias), escreveu, entre outras obras, "Rimas da vida e da morte", "Meu Michel", "Mais de uma luz", "Como curar um fanático", "Uma certa paz" e "Pantera no porão". Seus livros foram traduzidos para mais de 40 línguas.

Oz recorria à literatura para explorar a vida nos kibutzim (comunidades agrícolas que estão na origem do Israel moderno), a política e os conflitos dos personagens com sionismo – conflitos que Oz viveu na pele. Ele foi um crítico eloquente da política de assentamentos israelenses e defensor da formação de um Estado Palestino desde, pelo menos, 1967.

Nascido Amos Klausner em 1939, em Jerusalém, quando a cidade ainda fazia parte do protetorado britânico na Palestina, mudou seu sobrenome para Oz aos 15 anos, ao deixar a família para ingressar em um kibutz. Ele era filho imigrantes do Leste Europeu – a mãe era polonesa e pai lituano. Sua mãe se matou quando ele tinha 12 anos. Oz contou a história do suicídio de sua mãe – e também de sua infância nos primórdios do Estado de Israel – no romance memorialístico “De amor e trevas”, publicado em 2002. O livro virou filme em 2015 com Natalie Portman no papel da mãe de Oz.

Em entrevista ao GLOBO, em 2005, Oz afirmou que perdoara o suicídio da mãe:

– Quando jovem, tive raivas profundas. De minha mãe por ter se matado. De meu pai por ter permitido que ela se fosse. Senti como se ela tivesse me traído. E tinha muita raiva de mim porque achei que se eu tivesse sido um bom menino, se tivesse obedecido e lavado as orelhas como ela tanto recomendava, ela nunca teria ido embora.

Oz estudou literatura e filosofia na Universidade Hebraica de Jerusalém e estreou na literatura em 1965, aos 26 anos, com “Onde os chacais uivam” um livro de contos sobre a vida nos kibutzim. A consagração veio três anos depois, com “Meu Michel”, um romance sobre o cotidiano de Hana Gonen, uma mulher empenhada em registrar suas fantasias, angústias e frustrações na Jerusalém nos anos 1950.

O autor não teve uma criação religiosa, mas desenvolveu um fascínio pela religião no decorrer dos anos e, na adolescência, começou a estudar o Novo Testamento. Em 2016, ele disse ao jornal inglês “The Guardian” passou a ler a “Bíblia” ao perceber que “a menos que eu lesse os Evangelhos, eu não teria acesso à arte da Renascença, à música de Bach ou aos romances de Dostoiévski”.

Em seu último romance, “Judas”, publicado em 2014, um jovem pesquisador investiga as relações dos judeus com Jesus e seu infame traidor, Judas Iscariotes. Tudo isso na Jerusalém dos anos 1950, cenário comum nas narrativas de Oz.

Ensaios e palestras

De uns anos para cá, Oz vinha se dedicando menos aos romances e mais aos ensaios e às palestras. Esteve no Brasil pela última vez em 2017 – uma de suas muitas visitas ao país –, para participar do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento. Na ocasião, ele aproveitou para lançar o "Mais de uma luz”, que reúne três ensaios, dos quais o que abre o livro, “Caro fanático”, é uma versão revista, reeditada e ampliada de “Como curar um fanático”.

– Estamos testemunhando uma crescente polarização e radicalização. Mais e mais pessoas tendem ao extremismo. A maior parte à direita, às vezes à esquerda, às vezes a um profundo extremismo religioso – disse ele à época, ao GLOBO. – Muitas pessoas buscam respostas simples, de uma sentença, que cubram amplamente tudo o que se está perguntando. E são sempre os extremistas, os fanáticos e os radicais que têm as respostas mais simples. Eles têm o tipo de resposta que cobre todas as perguntas do mundo.

Oz passou a defender a criação de um Estado Palestino ao lado de Israel após lutar na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Fundou e foi porta-voz do movimento Peace Now (Paz Agora). E defendia uma receita prática para acabar com o conflito entre os dois países:

— Dividir uma pequena casa em duas ainda menores, Israel ao lado da Palestina, como vizinhos. Primeiro, israelenses e palestinos terão que aprender a dizer “bom dia” e parar de atirar uns nos outros. Depois, eles terão que desenvolver o hábito de se visitar para tomar café e conversar – disse ao GLOBO. – Eventualmente, eles deverão fazer o almoço juntos, o que significa dividir a economia. No futuro, quem sabe, um mercado comum. O primeiro passo deve ser um divórcio justo. Duas famílias, dois países vizinhos e em bases iguais, soberanos e mutuamente reconhecidos.

O escritor também apoiou Israel numerosas ocasiões, como durante o conflito com o Líbano entre 2008 e 2009. “O Hamas não é apenas uma organização terrorista. O Hamas é uma ideia, uma ideia desesperada e fanática que cresceu da desolação e da frustração de muitos palestinos. Nenhuma ideia foi vencida pela força. Para derrotar uma ideia, você tem que oferecer uma ideia melhor, mais atraente e aceitável”, disse em um artigo na imprensa.

Oz apoiou a ideia do presidente americano Donald Trump de transferir a embaixada americana de Tel-Aviv para Jerusalém e aconselhou todos os países do mundo a fazem o mesmo. Com uma condição: abrir também outra embaixada, em Jerusalém Oriental, capital dos palestinos.

No Brasil, Oz é publicado pela Companhia das Letras. Luiz Schwarz, presidente da editora, divulgou comunicado pelo Twitter: “Amós Oz é um homem de generosidade ímpar. Me recuso a proferir o verbo no passado, pois ele estará comigo por toda a vida. É dos grandes amigos que fiz, com quem aprendi tanto. Não sabia do recrudescimento da doença contra a qual lutou tanto. Na última vez que falamos ele estava celebrando os bons resultados do tratamento. O mundo de hoje precisa de mais homens como ele. Mas não é fácil encontrá-los.”

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Emmanuel Nahshon, lamentou a morte de Oz no Twitter: Uma perda para todos nós e para o mundo. Que a sua memória seja abençoada".

O intelectual francês Bernard-Henri Lévy também usou a rede social para homenagear a memória do israelense: "Muitas vezes, em momentos trágicos, quando a certeza parecia vacilar e o chão se esquivar, eu me perguntava: O que pensa Amos Oz? O que diz Amos Oz?"

Oz deixa a mulher, Nily Zuckerman, e três filhos Fania, Galia e Daniel.