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Rubem Fonseca e o seu medo de virar celebridade

Zuenir Ventura conta histórias da amizade com o escritor conhecido por sua aversão aos jornalistas

O jornalista Zuenir Ventura dá carona de bicicleta para o escritor Rubem Fonseca
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Marcio Renato/Divulgação
O jornalista Zuenir Ventura dá carona de bicicleta para o escritor Rubem Fonseca Foto: / Marcio Renato/Divulgação

Obs.: Esse artigo foi escrito em 2015, no aniversário de 90 anos de Rubem Fonseca .

RIO - Há escritores que são conhecidos pela vida, mais do que pela obra. Dão entrevistas, fazem palestras, se expõem enfim, e estão sempre ao alcance da mídia. Não é o caso do nosso José Rubem Fonseca, que prefere ser lido a ser visto. Mas não por vocação ermitã ou por ágorafobia. Ele é sociável, gosta de sair, de ver os amigos, de ir ao cinema. Mas não dá entrevistas e morre de medo de virar celebridade. É desse personagem que eu quero falar, por ser raro e porque há exatos 20 anos tive o privilégio de assistir, como único brasileiro, à comemoração dos seus 70 anos em Havana — com bolo, velinhas e “parabéns pra você” cantado pelos amigos cubanos.

Artigo : Romances de Rubem Fonseca destacam papel do leitor como coprodutor do texto

Como passamos um mês juntos como jurados do Prêmio Casa das Américas, pude constatar a popularidade do meu amigo na capital cubana, onde ficou sendo chamado de Comandante Fonseca, o que provocou uma cena inédita no palácio presidencial:

— Comandante, este é o Comandante Fonseca” — disse o apresentador .

— Já ouvi falar dele — disse o verdadeiro Comandante, chamando o fotógrafo oficial para um retrato com o visitante.

Era raro Fidel Castro fazer isso.

Mas eu ainda iria me surpreender com a leitura por Rubem de dois contos para uma plateia de umas 100 pessoas. Eu não acreditava no que via. Com o livro em uma das mãos e o microfone na outra, ele andava de um lado para o outro com a desinibição de um ator. Um detalhe: um texto era tão violento quanto o outro, erótico, quase obsceno.

Difícil era convencer os cubanos de que aquele personagem extrovertido, engraçado, irreverente não tinha nada a ver com o Rubem Fonseca que o Brasil (des)conhecia. Uma jovem fotógrafa que o seguiu o tempo todo tirando dezenas de fotos me perguntou, incrédula, se era verdade que o seu modelo, tão solícito e sedutor, era inacessível em sua terra. Achou que eu estava brincando quando disse que ela ganharia um bom dinheiro vendendo aquele precioso material para jornais brasileiros.

Foi lá também que ele relatou como teve uma queda de pressão na rua e, para não cair, sentou-se no meio-fio em torno de uma árvore com a cabeça entre as mãos. Uma mulher passou e o reconheceu, e ele imaginou que ela comentou com as amigas: “‘Encontrei o Rubem Fonseca bêbado, numa sarjeta’. Isso é que é desagradável. Não sou recluso, a celebridade é que me chateia”.

É uma pena que um número maior de pessoas não possa compartilhar com ele, além da excelente literatura, de suas ricas histórias de vida.

*Zuenir Ventura, escritor, acadêmico e colunista do GLOBO, escreveu este texto para o livro em homenagem a Rubem Fonseca