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Sérgio Rodrigues tenta em novo livro se reapaixonar pelo Brasil

Autor do premiado romance ‘O drible’ lança nesta terça-feira 'A visita de João Gilberto aos Novos Baianos', reunião de contos que exalam otimismo pelo país
O jornalista e escritor Sérgio Rodrigues Foto: Renato Parada / Divulgação
O jornalista e escritor Sérgio Rodrigues Foto: Renato Parada / Divulgação

RIO - O mineiro Sérgio Rodrigues quer levar mais literatura à vida do brasileiro. O melhor é que ele tem competência para isso. Além de jornalista, Sérgio é um escritor que já enfileirou prêmios importantes. Em 2014, por exemplo, seu romance “O drible” ganhou o Portugal Telecom (hoje Oceanos), um dos mais prestigiados da língua portuguesa. Sua mais nova obra é “A visita de João Gilberto aos Novos Baianos” (a ser lançada nesta terça, às19h, na Travessa de Botafogo). São seis contos e uma novela em que mostra seu ecletismo num gênero que requer muita destreza. No fim, esbanja brasilidade na sobriedade e no desvario para mostrar que o país ainda tem valor. Neste momento conturbado, é um alento que alguém queira resgatar — em alto estilo —esse otimismo.

O escritor Sérgio Sant’Anna também tem um livro com João Gilberto no título. Qualquer semelhança é mera coincidência?

Ter João Gilberto no título do meu livro cumpre, digamos assim, uma dupla função. De um lado é o nome do conto que me deu o tom, a batida que organizou o livro inteiro. Foi o último texto que escrevi, e de saída ficou evidente que ele precisava estar na capa. Do outro lado, é também uma homenagem óbvia a Sérgio Sant’Anna, um dos grandes da literatura brasileira do nosso tempo, que escreveu um dos livros centrais dos anos 1980, “O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro” (1982). Aliás, o Sérgio está completando agora 50 anos de carreira. Acredito que, com todas as nossas diferenças, este seja o meu livro que mais brinca com a metalinguagem, que é uma marca forte dele.

Gostaria que você explicasse por que dividiu o livro em três partes e comentasse cada uma delas.

No “Lado A” temos narrativas mais tradicionais, digamos assim. O “Lado B” é mais metalinguístico, refletindo sobre o que significa escrever nesta situação dos dias de hoje. “A terceira margem” seria uma tentativa de síntese de tudo isso, contando uma história que tenha a ver com a nossa realidade. Sinto que o “Lado A” é uma tentativa de entender por que o Brasil vale a pena. O que tem de bom nesse troço, por que a gente gostava disso tudo? Ah, gostávamos porque tínhamos João Gilberto, Novos Baianos, Machado de Assis... Hoje é como se tudo isso tivesse acabado, porque estamos tão preocupados com o imediato, e está tudo tão ruim, que estamos perdendo de vista a graça do que tem de bom na cultura brasileira. E esse “Lado A” é uma tentativa de mostrar: ó, isso aqui ainda vale a pena. Também é uma tentativa de me reapaixonar pelo Brasil.

Taí uma tarefa complicada, até porque aqui tudo vira chachada, como você diz.

Pois é. Estamos numa fase em que parece que o roteirista do Brasil enlouqueceu, e isso cansa. É difícil entender o que está acontecendo. Mas é justamente porque esse noticiário tende a não fazer muito sentido que a gente tenta buscar compreensão das coisas. A ficção pode ajudar. Por isso quero botar a literatura na rua, dar um pouco mais de relevância para ela, ligá-la ao nosso dia a dia.

Em um dos contos você usa a palavra “neguinho”, que pode ser mal interpretada pelos censores da expressão alheia. A onda politicamente correta não está cerceando a criação literária?

É uma questão complicada. Já fui mais contrário a qualquer tipo de interferência do politicamente correto, mas não penso mais assim. Já não uso “judiar”, por exemplo. Por que mudar? Porque a certa altura entendi que a origem da palavra é antissemita mesmo. Não me sinto mais confortável para usá-la. “Neguinho” eu uso. “Neguinho” é um sujeito indeterminado lindo, brasileiro.

O livro de Sérgio Rodrigues Foto: Reprodução
O livro de Sérgio Rodrigues Foto: Reprodução

E “mulata”?

Ah... essa aí está sub judice . “Mulata” tem origem racista, sim, mas se desconectou dessa origem ao longo do tempo, então acho empobrecedor dizer que essa palavra traduz racismo. Ela se associou a tanta coisa positiva da cultura brasileira, como a própria miscigenação, que acho que, se jogar fora essa palavra, você estará jogando fora uma parte da sua história.

Você também é crítico literário. Não são trabalhos conflitantes?

Durante muito tempo achei que seria civilizatório manter as duas posições. Há conflito? Não necessariamente. Uma parte pode ser complementar à outra. E seria bom para o ambiente literário brasileiro, que tende a um certo provincianismo não só literário, mas artístico em geral. Achava que poderia romper com isso, mas fui derrotado. Tinha começado a fazer inimizades por causa de livros que eu elogiava! Ou seja, elogio um autor e ganho os inimigos dele... Coisa muito maluca. Tirei meu time de campo como crítico da literatura brasileira contemporânea. Não dá. Hoje comento somente obra de autor estrangeiro ou de brasileiro morto. Embora possa dar problema também.

Pergunta clichê: ser ou não ser escritor? Vale conselho?

Acho que o velho “Desista se for capaz” é básico. Se pensar em ser escritor por um capricho momentâneo, desiste porque não vale a pena. Não é charmoso, não dá dinheiro, te condena a ficar horas trancado e a abrir mão de coisas mais divertidas. Mas se você sente que aquilo é fundamental e que, sem aquilo, você vai ser uma pessoa incompleta na vida... então, pelo amor de Deus, vai em frente, lógico.

'A visita de João Gilberto aos Novos Baianos'    Autor: Sérgio Rodrigues. Editora: Companhia das Letras. Páginas: 144. Preço: R$ 44,90. Lançamento: Nesta terça (18/6), às 19h, na Travessa de Botafogo — Rua Voluntários da Pátria 97 (3195-0200).