“A garota marcada para morrer” Autor: David Lagercrantz Edição: Companhia das Letras Tradução: Kristin Lie Garrubo Preço: R$ 59,90 Páginas: 336 Cotação: Bom
Leitores mais vorazes já perceberam: os lançamentos andam se repetindo. Títulos e autores até variam, mas o discurso em geral tem sido muito semelhante. Que todos tenham voz é essencial. Mas a mesmice cansa.
Estava pensando nisso ao ler “A garota marcada para morrer”, do sueco David Lagercrantz. Trata-se do sexto e último volume da série “Millennium”, protagonizada pela Lisbeth Salander – jovem hacker enfezadinha, toda trabalhada em piercings e tatuagens, exímia pistoleira e chegada a abusar de bebida e sexo quando está de bem com a vida.
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Não que a série seja ruim. É entretenimento puro, e é disso que o povo gosta. Iniciada pelo sueco Stieg Larrson (1954-1904) e depois assumida por seu compatriota Lagercrantz, vendeu mais de cem milhões de exemplares em todo o mundo desde “Os homens que não amavam as mulheres” (2005), depois virou cinemão, e tudo bem. O problema é a falta de novidade.
Assassinato de morador de rua
Como nos outros cinco romances da série, Lisbeth ajuda o repórter Mikael Blomkvist a apurar reportagens para a revista “Millennium”. Desta vez, ele investiga o assassinato de um morador de rua. Assim, cai numa rede que envolve escaladas no Himalaia, investigações genéticas, conflitos de família, relações de poder, xerpas y otras cositas . Em paralelo, vamos acompanhar Lisbeth tentando resolver, da maneira mais radical possível, uma antiga treta com a irmã riquinha.
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Lagercrantz, 57 anos, é um escritor engenhoso, claro. Sabe enrolar o novelo e desfazê-lo no tempo conveniente. E sua trama é ligada ao mundo contemporâneo. Logo de cara, por exemplo, vemos Lisbeth às voltas com uma produtora russa que exporta fake news para republiquetas que nos são bem familiares. Engolindo de bom grado os clichês e as mentirinhas do gênero, vamos atravessar sem dor as 336 páginas do livro.
O criador da série
No fim, dá tudo certo – pelo menos sob certo ponto de vista. Mas não convém dizer aqui como a aventura se acaba. Certo é que já estava mesmo na hora de deixar Lisbeth descansar. A rigor, “Millennium” bem poderia ter parado já no terceiro livro “A rainha do castelo de ar” (2007), o terceiro livro, o último assinado por Larsson.
Explica-se. Nascido em 1954, Stieg Larson era um jornalista em crise financeira (quase um pleonasmo) quando concebeu as aventuras de Lisbeth. Trabalhou dia e noite para emplacar a série. Mas abusou do cigarro, enfartou e morreu em 2004, logo após ter subido seis andares de escada no prédio da editora Norstedts. Quando chegou às livrarias, no ano seguinte, o primeiro volume da obra foi um sucesso espetacular, assim como os dois seguintes, que deixara prontos.
A repercussão e a grana foram tão retumbantes que a Norstedts não poderia abortar o projeto de Larsson, que previa mais volumes para “Millennium”.
Sucessor de Larsson
Foi aí que Lagercrantz, até então conhecido apenas como ghost writer do craque sueco de futebol Zlatan Ibrahimovic, entrou na jogada, com a tarefa de incorporar o falecido. Foi o que fez, para alívio da editora e dos herdeiros de Larsson, hoje milionários – assim como Lagercrantz.
Os países nórdicos, aliás, são celeiro de thrillers desse tipo. Vale conferir o também sueco Heanning Mankell ou o norueguês Jo Nesbo, representantes do chamado scandinoir , o noir escandinavo.
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Então é isso. “A garota marcada para morrer” está aí, e tudo se resolve. A orelha do livro garante que trata-se do fim de “Millennium”. Só que nada na trama indique que ele será mesmo o último da série. E, como se sabe, orelhas sem sempre falam a verdade.