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Vencedor de concursos de ficção e não ficção, Bruno Ribeiro busca matéria-prima literária nos próprios pesadelos

Autor premiado pelas editoras Todavia e Darkside lança, no ano que vem, livro-reportagem sobre feminicídio e romance que enfrenta o racismo brasileiro
O escritor Bruno Ribeiro, vencedor dos prêmios Todavia e Machado de Assis (Darkside). Crédito: Marcinha Lima/Divulgação
O escritor Bruno Ribeiro, vencedor dos prêmios Todavia e Machado de Assis (Darkside). Crédito: Marcinha Lima/Divulgação

SÃO PAULO — Num fim de tarde de setembro, Bruno Ribeiro , escritor nascido no sul de Minas Gerais, residente em Campina Grande (PB) e apaixonado por Buenos Aires, recebeu um lacônico e-mail da editora Todavia: queriam falar com ele sobre o Prêmio Não Ficção, cujo resultado seria anunciado dali a pouco. Ribeiro demorou para responder e precisou esperar até a segunda-feira seguinte para saber o que, afinal, a editora queria com ele. Na tentativa de acalmá-lo, amigos disseram que decerto a equipe da editora só queria checar ou corrigir algum dado que ele informara na inscrição.

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Quando o telefone finalmente tocou, Ana Paula Hisayama, uma das sócias da Todavia, falou que, sim, Ribeiro era o vencedor do prêmio, que lhe rendeu um contrato de publicação com a editora e um adiantamento de R$ 15 mil. Segundo o editor André Conti, o livro-reportagem dele, que narra um feminicídio ocorrido no agreste paraibano, foi escolhido por unanimidade pelo júri, composto pelos jornalistas Dorrit Harazim (colunista do GLOBO), Chico Felitti , Rogério Galindo e Daniela Pinheiro. Ao GLOBO, Conti elogiou a apuração de Ribeiro e o “tratamento jornalístico e literário” que ele deu ao livro-reportagem.

Autor de contos e romances, Ribeiro também dá oficinas de escrita criativa, colabora com uma produtora e criou uma editora artesanal, a Enclave, com um amigo, o escritor Wander Shirukaya. O livro-reportagem premiado é a primeira investida de Ribeiro, autor próximo do fantástico e da crítica social, na não ficção.

— Leio muita não ficção: Truman Capote (“A sangue frio”) , Selva Almada (“Garotas mortas”) ... E a história desse feminicídio me tocou muito e quis contar o que de fato aconteceu. No decorrer das entrevistas, o que mais me chocou foi perceber que quem fez isso não foram monstros, mas homens — diz Ribeiro, que continua apurando história, ao GLOBO, por Skype. — Quando escrevo, boto a mão na lama. Não acredito nisso de ver de fora, não.

Mais um prêmio

Quase dois meses depois do contato da Todavia, numa sortuda sexta-feira 13 de novembro, Ribeiro recebeu uma ligação da editora Darkside, especializada em terror e literatura fantástica: ele havia vencido o Prêmio Machado de Assis na categoria “Romance/Contos”, o que lhe dá direito a um troféu, R$ 20 mil e a publicação de “Porco de raça”, escrito quando ele fazia mestrado em escrita criativa em Buenos Aires, em 2011 e 2016.

Ao GLOBO, Raquel Moritz, editora da Darkside, chamou “Porco de raça” de “visceral”: “o autor brinca e funde gêneros, quebra regras para logo adiante reconstruí-las repletas de referências e simbolismos”. De fato, Ribeiro é bom de prêmio: em 2015, o conto “A arte de morrer ou Marta Díptero Braquícero ” lhe rendeu o terceiro lugar no concurso literário Brasil em Prosa , realizado pelo GLOBO, em parceria com a Amazon e a Samsung.

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Nascido em Pouso Alegre, em 1989, Ribeiro viveu no interior de São Paulo e em Recife antes de fincar raízes em Campina Grande e se encantar por Buenos Aires. Escreve desde cedo. Chegou a investir em histórias em quadrinhos, mas tinha preguiça de desenhar. Cresceu vendo filmes de ação e terror com os pais e teve uma adolescência difícil: era o único negro da escola particular.

— Queria que minha obra gritasse. A sorte foi que meu momento beatnik-Rimbaud durou pouco. Lá pelos 22 anos, eu parei. Antes eu era muito polêmico. Se as redes sociais fossem, naquela época, o que são hoje, eu já teria sido cancelado — conta. — Aprendi que quem deve gritar é a obra, não o autor.

Em 2014, Ribeiro lançou seu primeiro livro, a antologia de contos “Arranhando paredes” (Bartlebee), onde já flertava com o macabro e arriscava uma crítica à violência social. Dois anos depois, estreou no romance com “Febre de enxofre” (Penalux), no qual no um poeta desiludido vai até Buenos Aires para escrever a biografia de uma criatura esquisita — as influências de Ribeiro vão de Mary Shelley a César Aira , de Franz Fanon a David Lynch .

Liberdade para escrever

Em 2018, publicou “Glitter” (Moinhos), romance pelo qual é mais conhecido e que disseca a crueldade do mundo da moda. Ainda este mês, ele lança, pela Caos e Letras, “Como usar um pesadelo”, livro de contos inspirados em seus próprios terrores noturnos. Ribeiro recorreu a um financiamento colaborativo (quando conversou com o GLOBO, faltavam apenas R$ 5 para bater a meta de R$ 5 mil) e, como é de praxe em vaquinhas virtuais, ofereceu recompensas a que quem apoiasse o projeto, como ter um pesadelo transformado em conto por ele.

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Em “Porco de raça”, um dos livros premiados que saem no ano que vem, ele volta a suas obsessões: o macabro, a violência e, principalmente, a crítica. O romance acompanha um negro brasileiro que, depois de errar muito, é sequestrado e vai parar num ringue clandestino em Buenos Aires, onde é obrigado a lutar vestindo uma máscara de porco.

— O livro fala sobre esse peso que nós negros carregamos de não poder errar e também da tentação de ser, como dizia a minha avó, um “negro sabonete”, que se amolda ao mundo dos brancos para ter sucesso — explica Ribeiro, que conta já ter sido criticado por escrever sobre temas “banais”, como Buenos Aires, o mundo da moda e terrores noturnos, e não sobre “a questão do negro no Brasil”. — Isso para mim é tão racista quando me chamar de macaco, sabe? É grotesco. Infelizmente, o direito à invenção ainda não foi conquistado pelos autores negros. Para mim, a maior liberdade para um negro é fazer o que ele bem quiser.