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Vinte anos após o lançamento de seu primeiro livro, ‘Harry Potter’ se renova como campeão de ‘fanfics’

Ficções escritas por fãs imaginam muitos destinos para seus personagens
Ideias criadas por fanfics de Harry Potter Foto: Arte O GLOBO
Ideias criadas por fanfics de Harry Potter Foto: Arte O GLOBO

RIO — O garoto se volta para a amiga e fala, sem timidez: “Eu te amo, Hermione. Eu te amo, Hermione Granger”. Ela ri, esfrega seu rosto no dele, lembra tudo o que passaram juntos na escola de Hogwarts e lamenta não ter percebido antes aquele sentimento. Prestes a beijá-lo, Hermione retribui: “Eu te amo, Harry Potter”.

Mas essa é apenas uma versão. No caso de Hermione, parece haver um fetiche em colar a garota inteligente e determinada com praticamente todos os outros alunos e até com professores de Hogwarts. Hermione já foi lésbica e se apaixonou por Luna Lovegood. Chocou os amigos e se assanhou para o vilão Draco Malfoy. Foi capturada por Voldemort e abusada numa masmorra — sim, há fãs sádicos. E até se atracou num banheiro da escola com o professor Severo Snape, com direito a descrições bem detalhadas sobre a magia do sexo.

ESPECIAL HARRY POTTER: 20 ANOS DE MAGIA

A imaginação dos admiradores da saga segue surpreendendo, mesmo 20 anos após o lançamento de seu primeiro livro, “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, em 26 de junho de 1997, no Reino Unido (e em julho de 2000, no Brasil, com tradução de Lia Wyler, pela editora Rocco). A história do bruxo que nasceu com a missão de salvar o mundo rendeu mais seis livros e segue sendo uma sensação, facilmente medida pela quantidade de histórias criadas a partir do universo da autora J.K. Rowling, as chamadas fanfics. Na principal plataforma exclusivamente dedicada ao gênero, a FanFiction.Net, há 768 mil obras sobre “Harry Potter”, quase o dobro do segundo lugar, o anime “Naruto” (414 mil), e bem à frente do terceiro, a série de livros “Crepúsculo” (219 mil) — aliás, foi no próprio FanFiction.Net, inspirada por “Crepúsculo”, que E.L. James escreveu a trama que daria origem ao best-seller “Cinquenta tons de cinza”. Já uma franquia famosa como “Star Wars”, que recém completou 40 anos, tem apenas 44 mil fanfics no site.

O mais surpreendente é que não são histórias bobinhas de dois parágrafos. Algumas fanfics têm mais de uma dúzia de capítulos, cheios de reviravoltas e subtramas, como a escrita por uma espanhola de 23 anos que trabalha com vídeos e utiliza o apelido Dama Felina. Ela é autora de dez histórias na internet e defende com força a teoria do Harmony (Harry + Hermione), o “casal perfeito”. Sua última fanfic, “Harry Potter y la inmunidad mágica”, tem 78.543 palavras e ainda não chegou ao fim. Para se ter uma ideia, o original em inglês de “A Pedra Filosofal” tem cerca de 77 mil palavras.

— Gosto de escrever desde o 14 anos. Mas me animei a fazer fanfic por volta de 2013 — conta Dama Felina, que reclama da opção de Rowling de juntar Hermione com Rony Weasley, um ruivo meio tapado, mas de bom coração. — Desde que tenho o uso da razão, defendo a relação entre Harry e Hermione. Sou Harmony até a medula e sei de gente que concorda comigo. Não é um capricho, temos argumentos sólidos de que o casal deveria ter sido formado.

Quais argumentos? Para Patricia Souza, de 33 anos, uma mineira formada em Letras, atualmente professora de português e inglês em São Paulo, não faz diferença. Na última das 12 fanfics que já escreveu, Patricia imagina que Hermione engravida de Fred Weasley, o irmão de Rony que morre no sétimo livro de Rowling.

Na descrição da história de Patricia, que já está com 13.800 palavras, Fred “se foi, deixando não somente uma saudade, deixava um filho que crescia no ventre dela”. Nos comentários dos leitores, há coisas do tipo: “Não mata o Fred, não. Por favor. Odiei quando ele morreu no livro da J.K. e agora você vai matá-lo também na sua fic? Ele e Hermione fazem um casal tão fofo!”

— Comecei a escrever por puro deleite pessoal e, em dezembro de 2011, descobri sites de postagens para escritores de fanfiction e pude compartilhar — explica Patricia, que usa o pseudônimo patrycia194. — O diálogo com os leitores é muito bom. Nos comentários percebe-se o quando eles se envolvem a ponto de dar sugestões para o desenvolvimento da história.

As fanfics talvez sejam tão antigas quanta a Bíblia (taí uma boa explicação para os evangelhos apócrifos), mas se popularizaram mesmo nos anos 1960, a partir da paixão por “Star Trek”. Variações da trama oficial sobre Kirk, Spock e a turma da Enterprise eram publicadas em fanzines impressos em mimeógrafos e distribuídos entre amigos.

O negócio teve um salto, claro, com a internet, e disso “Harry Potter” tirou proveito muito bem. No ano do lançamento de “A Pedra Filosofal”, ainda não havia Google (1998) nem Napster (1999). Em 1997, os internautas brigavam para saber se o Explorer era melhor do que o Netscape, e os teóricos do fim do mundo piraram quando um computador (o IBM Deep Blue) venceu pela primeira vez um campeão mundial de xadrez (Garry Kasparov). Em resumo, a internet amadureceu junto a Harry e aos leitores de J.K. Rowling.

— Se hoje existe tanto blog, é por causa do “Harry Potter” — diz a jornalista carioca Frini Georgakopoulos, autora de “Sou fã! E agora?” (Seguinte), em que reúne informações sobre o universo das fanfics. — Ele fez com que as pessoas se envolvessem mais com a história, quisessem conversar e compartilhassem impressões. Foi o primeiro contato de muita gente com livros.

O sentimento comum é que uma fanfic nasce do desejo de que aquela história permaneça viva. A lógica vale para quem escreve: autores amadores que não podem ganhar dinheiro com os personagens alheios, então compartilham suas criações gratuitamente em plataformas como o FanFiction.Net, o Nyah!, o Spirit, o WattPad ou o Archive of Our Own. E também vale para quem lê: um povo doido para consumir mais e mais literatura sobre seus personagens favoritos.

Uma australiana de 22 anos, que utiliza o apelido Briane94, por exemplo, passou a escrever suas próprias tramas simplesmente quando percebeu que as outras não lhe satisfaziam. Em sua fanfic, já com 36 mil palavras, Briane criou a personagem Laurel Flamel (neta do alquimista Nicolas Flamel), com quem Harry terá um envolvimento amoroso.

— Não sei como vai terminar, tampouco o tamanho que terá. Considerando que já tenho sete capítulos e os personagens ainda nem foram para Hogwarts, é capaz de eu chegar a 100 capítulos. Passo umas cinco horas do dia escrevendo — conta Briane, que trabalha como garçonete enquanto tira um ano sabático da faculdade de Psicologia.

Nas fanfics de Harry Potter há desde narrativas em que Dumbledore, diretor de Hogwarts, se encontra com Gandalf, personagem de “O Senhor dos Anéis”, até aquelas em que a bruxinha Luna Lovegood enfrenta o Coringa, este mesmo, o inimigo do Batman. Há gente que traz a magia para a atualidade (numa história, o vilão Voldemort é um terrorista internacional, e Harry é traficante de drogas leves), gente que batalha pela aceitação das diferenças (é comum a paixão entre Harry e Rony) e muita gente que aposta no erotismo (uma varinha mágica pode ter mil e uma utilidades).

— Uma vez vi uma entrevista da Rowling, em que um fã perguntava se ela escreveria sobre uma escola de magia nos EUA. Ela disse que não, mas respondeu que ele poderia escrever a dele. Então tive a ideia para meus livros, e hoje já há fã escrevendo fanfic a partir deles — afirma a carioca Renata Ventura, autora de “A arma escarlate” e “A comissão chapeleira” (Novo Século), ambos passados no Brasil, inclusive com bruxos enfrentando tiroteios na favela Santa Marta, no Rio. — Quis discutir a realidade brasileira a partir da fantasia. Esta é uma das razões para o sucesso de “Harry Potter”. Ele apresenta temas do mundo real para os jovens.

COMPARAÇÕES COM “ALICE” E “PETER PAN”

É difícil prever até quando vai durar o fenômeno. Alguns apostam que “Harry Potter” já é um clássico da estatura de “Alice no País das Maravilhas” (1865) e “Peter Pan” (1904), livros também de fantasia e com protagonistas jovens, mas que foram lançados em épocas em que não havia computador, internet, muito menos fóruns para fãs.

De olho no futuro da franquia, a carioca Paula de Mello, professora de inglês e estudante de Psicologia, de 27 anos, escreveu na última quarta-feira o sexto capítulo de sua história, intitulada “A Seleção da Beauxbatons”. Já são 14.838 palavras assinadas com o pseudônimo paula.vmello, em que ela acompanha a trajetória de Hydra Malfoy, uma personagem criada pela própria Paula e que hoje batiza uma página de Facebook com 5 mil curtições.

Paula é uma das que acreditam que a magia de “Harry Potter” é eterna:

— As pessoas às vezes dizem que já deu, que já acabou a onda. Mas foram gerações que cresceram lendo os livros, e isso não é apagado. Eu li pela primeira vez com 12 anos, e li de novo agora, com 27, para escrever minha história. É um livro tão bem feito, tão cheio de detalhes, que o encanto foi o mesmo de quando era pequena. Isso nunca vai acabar.

LEIA DOIS EXEMPLOS DE FANFICS

"Depois de tudo", por Patricia Souza

Harry dormia de bruços quando seus filhos pularam em suas costas e sorriram com seu susto ao acordar, Lily pulou para o lado e em pé sobre colchão começou a pular, Alvo lhe sacudia  o ombro em protesto pedindo que levantasse enquanto James o chamava-

— Bom  dia, bom dia!!! Pai acorda já esta de dia!!- James falou em pé ao lado da cama -_ Acorda pai!!-

_ Já estou acordado mas me deixem dormir mais uns minutos esta bem- Harry falou ainda em sonolência, Lily abaixou-se sorrindo e beijou-lhe o rosto enquanto seus filhos sorriam de sua preguiça, o que era raro, o pai sempre levantava antes deles.

_ Não, levanta agora!!- Lily disse

_ A gente trouxe uma surpresa- Alvo falou

_ É o café da manhã, deixem ai, deitem aqui sim, deixem  o papai dormir mais um pouquinho e ... – dizia de olhos fechados

_ Não pai, a mamãe ainda esta fazendo lá embaixo!!_ James disse e sorriu, Harry abriu os olhos e encarrou seu filho mais velho

_ Nem mais um minutinho, levantaaaaa, olha a gente quer falar o dia dos pais!!- a menina disse inocente seus irmãos a olharam em repreenda e mesmo sem pouco entender Lily colocou as mãos na boca com se contasse um segredo. Harry virou-se  a encara-los, James sorriu e lhe entregou os óculos que ele colocou de imediato e viu Gina entrar com o café da manhã levitando com o comando de sua varinha.

_ Porque não me lembrou?- perguntou a ela

_ E porque lembraria!!!?- Gina sorriu para ele seus filhos sorriram e pularam sobre ele fazendo bagunça, tentando todos falar ao mesmo tempo.

_ Feliz dia dos Pais!!- James disse, logo após Alvo, e Lily  a seguir repetiram as felicitações vezes incontáveis e pularam o abraçando. (... trecho cap.41- Depois de Tudo....)

Leia na íntegra

De Paula Mello:

"Era uma tarde quente de Julho. O sol estava forte do lado de fora, mas é claro, Hydra, deitada em seu quarto, não se importava muito com isso - não naquele dia, não enquanto ela estivesse naquela casa, aquela casa... Era engraçado como o lugar onde ela nasceu e cresceu nunca foi seu lar; sempre se sentia melhor em qualquer outro canto do mundo, menos ali. Ela não tinha ideia do que se passava naquele lugar e nem queria, por isso que sempre que voltava de férias para a mansão dos Malfoys, inventava viagens para fazer com seus amigos. Sua mãe, Narcisa, não gostava, mas seu pai, Lúcio, estava mais do que contente de não tê-la por perto, ao menos era como ela se sentia. A única parte triste era seu irmão, Draco: ela sempre o amara muito, mas ele não podia ser mais distinto dela em algumas atitudes - na verdade, pior do que isso, ele não podia ser mais parecido com o pai. Isso a incomodava profundamente, porém não diminuía seu desejo de estar perto dele e de ajudá-lo. Ele não tinha toda a culpa, claro que ele tinha algo muito também, ela pensava, mas a maior parte do que ele foi feito feito era culpa de seu pai que o fez desse jeito. Mas então, qual era o porquê dela ser tão diferente?"

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