Cultura

Luísa Sonza comenta bissexualidade e admite que usa as polêmicas para impulsionar marketing

Ao GLOBO, cantora ainda critica o machismo diante de mulheres ‘donas do próprio corpo’
A cantora Luísa Sonza Foto: Divulgação/Lucas Mennezes
A cantora Luísa Sonza Foto: Divulgação/Lucas Mennezes

Luísa Sonza soma 1 bilhão de reproduções no Spotify, 22 milhões de seguidores no Instagram e 6 milhões de inscritos em seu canal no YouTube. Do bolso dela, saiu a baba de R$ 1,5 milhão para bancar o clipe de “Modo turbo”. Esta numeralha toda é para dizer que ela cabe, perfeitinha e complicada, no perfil de fenômeno pop da vez, seguindo Anitta e Pabllo Vittar (já gravou com ambas, inclusive). Luísa tem 22 anos, fala de si própria na terceira pessoa (“a Luísa isso, a Luísa aquilo...”) e faz piada disso.

"Meus hormônios estão à flor da pele. Queriam que eu cantasse sobre o quê?", diz Luísa

Nascida numa cidade de 10 mil habitantes (Tuparendi), no interior do Rio Grande do Sul, hoje mora numa casa em Alphaville, bairro nobre de São Paulo e mudou a vida da família com o dinheiro que já faturou. Luísa dá entrevista tomando chimarrão na cuia, vestindo camiseta da banda Kiss (do namorado, avisa), diz que pensa em sexo 24 horas. E é de sexo que ela fala e dá corpo em muitas de suas músicas. Por conta disso, atrai muitos haters , os odiadores de plantão. Nas redes sociais, ela responde sem rodeios e com alguns impropérios. Numa versão mais polida, tem o discurso do empoderamento feminino na ponta da língua para quem critica seu conteúdo e sua forma.

Na entrevista abaixo, Luísa fala sobre seu novo disco, que sai em junho, sexualidade, como usa polêmicas a seu favor, carreira, machismo, relação com a família e música pop.

Como a Luísa é quando está totalmente desarmada?

Eu me sinto uma menina me descobrindo num meio de muito caos, muita interferência, mas uma menina. E gosto de me ver assim, porque tira um peso que todo mundo coloca em mim. As pessoas me veem como uma mulher de 30 anos, e eu sou uma menina de 22.

Você também se sente mais velha quando pensa em tudo o que passou?

Sim, na maioria das vezes. Eu mesma pego um pouco pesado comigo. Sinto essa pressão de ter uma definição, mas eu estou em constante mudança, me descobrindo, meu cérebro nem terminou de se formar ainda. Cada dia estou de um jeito, e tenho a oportunidade de colocar isso em forma de arte.

Você fala da Luísa artista na terceira pessoa. É como se ela fosse uma super-heroína?

Sim, ela é minha própria super-heroína, ela que transforma tudo e faz valer a pena. Não faria sentido viver tudo isso que eu vivo e não transformar em nada, só sofrer. Me chamam de marqueteira, de isso e aquilo, mas por que não vou aproveitar uma coisa que me faz sofrer para caramba como algo bom? A Luísa Sonza artista é uma super-heroína icônica que não sofre por nada nem ninguém. Adoro me transformar nela. Quando boto uma maquiagem e um look, pode vir uma bomba atômica que eu aguento.

O que vem antes: o marketing ou a música?

O marketing é a ponta do iceberg que vem depois, mas primeiro faço a música e, a partir dela, crio algo que vai interessar aos olhos do público. Durante o lançamento, eu fico vendo o resultado e pensando o que eu posso inventar. Olho os números no Spotify e, se tiver fraco, direciono um post para lá. Ou vamos pedir para nossos amigos postarem dançando “Atenção”. Isso tudo por instinto. Nem tenho paciência para fazer curso. É acerto ou erro.

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A polêmica faz parte do marketing?

Sem dúvida alguma. Eu não tenho culpa de ter o cu virado para a Lua. As coisas acontecem comigo e não é algo que eu faça pensando, pelo contrário. Gente, eu não teria tanta criatividade para a cada cinco dias entregar uma polêmica nova, e que geralmente me ferra. Ainda não sou tão engenhosa assim para fazer o filho do Bolsonaro falar de mim… Mas, se acontece, ué... Meu nome tá em alta, dá clique, e as pessoas gostam de falar sobre mim.

Recentemente, você se assumiu bissexual. Como acha que pode contribuir para a comunidade LGBT+?

Ainda é um assunto delicado, por vários motivos. Tenho muito cuidado ao falar disso por não estar na linha de frente, vivendo essa luta diariamente. Estou num relacionamento hétero, mas sou 100% bissexual, tenho certeza absoluta disso, sinto atração por mulher e homem desde criança. Resolvi falar porque notei que isso estava aparecendo em todas as minhas músicas, principalmente quando estive solteira, e vi que estava me privando de tanta coisa que era natural para mim. Mas ainda estou digerindo isso como pessoa pública.

Você considera uma responsabilidade assumir publicamente sua bissexualidade? Acha um espectro deslegitimado pela sociedade?

Nós somos, bastante. Essa parte eu me sinto bastante no direito de falar sobre. Sobre ser uma mulher bissexual, ter a paciência de explicar de fato como é. A bissexualidade dentro da sociedade e da comunidade é descredibilizada. Eu mesma me questionei muito, de tanto ouvir os outros me questionando. Cheguei a achar que eu era doida, sabe? Mas hoje acho incrível poder dar visibilidade a isso de alguma forma.

Como foi a reação da sua família?

(Luísa pergunta para a assessora de imprensa que fica sentada à sua frente durante a entrevista por Zoom: “Tenho que responder?”). Prefiro falar mais sobre isso no futuro.

Como é a relação com seus pais?

Eu carrego eles como inspiração em diferentes aspectos. Essa sensação de potência, a Luísa “braba”, indestrutível, vem da minha mãe. A consciência feminina eu peguei das minhas matriarcas. Do meu pai vem o meu lado molecona, que me ajuda a não perder a criança dentro de mim. Eles me criaram para ser independente. Sempre me falavam: “Nunca dependa de homem para nada, a sua vida é a sua carreira”. E é para isso que eu vivo, é a minha meta.

Você é viciada em trabalho?

Confesso que sim. A vida inteira, 100% do meu tempo, eu penso só nisso. Minha terapeuta está há dois anos tentando me ajudar a achar um hobby que não seja trabalhar. Quando você faz o que ama, você confunde o que é trabalho e o que não é. É o famoso “se perder no personagem”. E meu trabalho é meu maior sonho.

Quando o clipe de “Atenção” foi sinalizado como impróprio para menores pelo YouTube, você disse: “A gente é sempre boicotada, de alguma forma”. Boicotada como?

O Brasil como um país estruturalmente machista e patriarcal tem uma resistência muito grande ao que as artistas do pop querem falar. Existe um julgamento prévio, muito antes de escutar as músicas. As pessoas não querem ver as mulheres tendo o controle do seu próprio corpo. E as artistas do pop têm controle do corpo, da carreira, do dinheiro, da legião de fãs. Isso demonstra uma grande força e causa um estranhamento absurdo. Aqui, estamos acostumados a ver homens falando barbaridades, mas mulheres, não. É sempre tudo bem quando a mulher está mostrando a bunda em segundo plano num clipe, com os caras cantando sobre ela. Mas, quando a mulher está em primeiro plano, mostrando que pagou aquele clipe com o próprio dinheiro, aí é considerado um absurdo, feio.

Você tem muitos seguidores, mas também muitos odiadores nas redes sociais. Ainda se intimida com os comentários que recebe?

Confesso que sim. Já me intimidei muito mais, já tive mais medo de falar. Depois de escrever as músicas do novo álbum, eu melhorei, mas é um processo. Até responder a alguma crítica, eu já sofri muito. Quanto às críticas ao trabalho em si, eu não gosto que fiquem o tempo todo me elogiando, ou eu nunca vou evoluir artisticamente. Tudo o que eu evoluí foi porque recebi muito hate (comentários dos haters). Mas é aquilo, se nem Jesus e a Beyoncé agradam todo mundo... Eu, Luísa Sonza, tuparendiense, não vou ter esse poder.

Como foi crescer em Tuparendi, cidade pequena no interior do Rio Grande do Sul?

Minha mãe brinca que carreira internacional é fichinha para mim, difícil é sair de Tuparendi. São oito horas de Porto Alegre, sabia? É muito distante. A vida lá corre de uma maneira diferente, os sonhos… O maior sonho era eu ser advogada. O de ser cantora de sucesso, aparecer no Faustão, não era real. Quando comecei a fazer isso pela internet, foi uma abertura de pensamento, de que tudo era possível.